Atenção, emoção e tecnologia

Eduardo Jorge Esperança[1]

 

 

“A erosão do que antes foi uma identidade colectiva estável levou ao aumento da fragmentação das identidades pessoais. Argumenta-se que observamos o gradual desaparecimento dos quadros de referência tradicionais altamente valorizados pelos quais as pessoas se podiam definir e encontrar os seus lugares na sociedade. (...) Não apareceram novas instituições ou crenças para oferecer às pessoas um novo sentido coerente e seguro para si próprias, sobre o tempo que vivem ou o seu lugar na sociedade.(...) Nem o consumismo na televisão constroem fontes genuínas de identidade e crença, mas uma vez que não existem alternativas fiáveis, a cultura popular e os media de massa acabam por servir como os únicos quadros de referência disponíveis para a construção de identidades pessoais e colectivas.”[2]

 

 

 

 

 

 

 

Encontra-se hoje, no campo dos media, um conjunto de práticas e constrangimentos que levam à produção daquilo a que podemos chamar uma "Economia do Acesso" (às audiências, ao mercado, ao espaço público) numa macro-perspectiva. Por sua vez, esta induz em termos gerais, mas mais localizados, uma "Economia da Atenção" - grande condicionante material da produção e consumo de bens mediáticos.

Este estado-de-coisas reproduz a concorrência (pelo tempo de atenção)

Torna-se necessário ao medium/empresa reunir e aplicar todos os

trunfos, factores de Acesso,  - numa estratégia próxima da da publicidade.

Estes são trunfos que se incorporam em produtos centrados sobre a produção de conteúdos que  giram em volta de eixos-tipo que classificamos -  numa observação heurística - em cinco eixos:

espectáculo; (apelo ao lado voyeur da audiência)

afecção/emoção; (transmissão co-movente, dinâmica da e-motio)

massagem; (relação mecânica de agitação do corpo)

selecção/segurança; (relação securizante com um conteúdo conhecido e estabilizado - monogenia de consumo)

hegemonias; (modos fechados de distribuição de produtos mediáticos)

 

 

 

Observando as actuais disposições, tentamos assim cruzar as vertentes que mais nos parecem destacar-se dentro destes condicionamentos de performance dos media, particularmente dos media de imagem.

Primeiro, aquilo a que os economistas chamam uma economia da atenção e que englobariamos numa acepção mais vasta, chamando-lhe uma economia do acesso; o que é isto?

É simples: - a audiência é finita.

O número de horas de atenção ao medium também!

O número de horas multiplicado pelo indicador de audiência é limitado.

Não basta expôr; é necessário garantir a atenção da audiência.

A concorrência ocorre sobre o acesso a este precioso tempo de atenção.

 

Nos últimos tempos assistimos, particularmente em Portugal,  a uma luta eriçada por este espaço/tempo.

Quem teve oportunidade de ver o documentário feito para o canal franco-alemão ARTE, por Mariana Otero sobre a SIC, observou os pormenores dessa conquista ao minuto, "made in Portugal".

A atenção torna-se um bem escasso. Nestas circunstâncias, todos os meios e dispositivos para conseguir uma parte dessa atenção se tornam possíveis e acessíveis. A televisão comporta-se, relativamente à audiência, como uma menina mimada e carente que exaspera os adultos por lhes exigir permanente atenção.

Ora, um dos meios de acesso à audiência, a que poderiamos chamar dispositivo de tracção - é preciso agarrar o telespectador - passa pela produção, exposição e partilha de algo que co-mova o espectador, seja em que sentido for, desde que faça com que este permaneça agarrado ao canal. Este modo de co-moção, porvezes primária, em Portugal teve o seu arranque, em termos de grandes media, com as fotonovelas e as radionovelas, logo destronadas pelas telenovelas brasileiras. Este aceso à emoção fácil teve no espaço anglo-saxónico um nome - pulp fiction.

 

Isto não é novo.

Sabe-se que há 3500 anos, na Babilónia, aconteciam encenações que faziam cruzar o ritual com a apresentação teatral num rito de exposição; e há 2400 anos, o teatro grego, embora sob condicionamentos bem diferentes, para a co-moção da co-munidade, investia já bastante na afecção do espectador/cidadão grego que se envolvia na narrativa, mas de modo limitado pelas máscaras dos actores e o ritual da encenação. Mais importante que a afecção, era o entendimento do sentido da estória. Aliás, a afecção era para os gregos um território bem delimitado pelas fronteiras exteriores da paixão. Era de evitar qualquer comoção que fosse além do controlo do sujeito-cidadão grego.

Este dispositivo de tracção, relativamente fácil de engrenar, revela-se produtivo porque utiliza sinais e fala uma linguagem pré-alfabetica que pode sujeitar uma grande quantidade de espectadores.

É um recurso fácil?

É!

O problema, sabemo-lo todos, é que por isso mesmo - pela facilidade e produtividade deste recurso, este é um recurso abusado.

O que se pode adiantar sobre isto, cai já mais no campo da ética, e esse é outro tipo de debate. É que a questão aqui não se prende tanto com o espaço de uma ética reguladora, mas mais com o levantamento dos condicionamentos que levam a esse abuso. Se existe alguma preocupação, ela é de tipo teleológico. Podemos questionar-nos sobre o que vai acontecer a longo prazo se cairmos de facto naquilo a que Mario Perniola chama o modelo do pré-sentido/já sentido, no modelo limitado de transmissão da emoção padronizada. Isto é uma preocupação sociológica. A utilização continuada e frequente de um dispositivo de tracção que recorre a um modelo limitado da emoção nos media, é natural que produza alguma cristalização nesse modelo e,...  vazio em volta.

Até que ponto eu, enquanto sujeito social, posso contestar a imersão e contaminação do outro (espectador) com quem me quero relacionar, mas que vive dentro dos limites desse modelo que é o único que conhece e admite?!

Fica a questão.

Fica igualmente a questão sobre o que se pode dizer acerca do episódio "Margarida-de-Borba-no-bar-da-tv" e que se não pode escamotear do contexto nacional. Pelo menos há que localizar a fertilidade do acontecimento que despoletou, instantaneamente, reacções de todos os lados. Um trabalho interessante passaria exactamente por investigar essa fertilidade e a sua razão de ser, já que as questões éticas, dentro dessa fertilidade na reflexão que promove, são as mais extensas, mas não necessariamente as mais interessantes, do ponto de vista epistemológico. É que o outro ponto de vista é o político, isto é, o da gestão dos poderes. Neste, há que observar o modo como é legitimado, através da mediação institucional televisiva, o poder das audiências. E Foucault emerge para nos reconfrontar com a relação saber/poder. "Mais concretamente, é só através dos discursos que expressam o ponto de vista institucional (das televisões) que as realidades dispersas do espectro de audiências emerge na sua singularidade de conceito único como "audiência de televisão".(...) O que aqui está em causa é uma política do conhecimento. No modo como as instituições televisivas conhecem as audiências, as questões epistemológicas tornam-se instrumento das políticas: a informação empírica sobre a audiência tal como a que é oferecida através da medição das audiências, conseguiu tornar-se tão importante apenas porque produz um tipo de verdade que facilita e dá jeito às necessidades básicas das instituições televisivas: a necessidade de controlo[3]

Passamos então ao principal confronto que atinge a "emoção-recurso-fácil".

 

 

O Investimento Tecnológico

 

Alain Ehrenberg chama à televisão o "terminal relacional". A televisão dispõe, predispõe e indispõe à relação. Todos temos mais ou menos uma ideia do que foi já estudado e dito acerca das suas capacidades para isolar os membros da família no seu canto esquizóide ou, pelo contrário, de favorecer o contacto em volta do objecto mediador que oferece.

Aqui chamamos a atenção para a distinção necessária de dois objectos que se con-fundem, por serem objectos co-operantes:

O objecto tecnológico, sistema de captação, produção, transmissão e apresentação de imagem e som e, por outro lado, o objecto/substância bem mais imaterial que o objecto tecnológico, e que se pode apresentar como uma ou várias enunciações imagéticas.

 

Sobre o sistema que desemboca no terminal - o televisor -  na estratégia de que hoje se observa a tentativa de  implementação, isto é, por vontade dos produtores, hoje o objecto tecnológico de que nós só conhecemos o terminal, não seria o simples terminal/televisor mais ou menos sofisticado. Seria, no mínimo, um sistema reprodutor integrado a três dimensões, ou o mais próximo de uma emissão permanente em "realidade virtual" - muito próximo do que Aldous Huxley previra no seu Admirável Mundo Novo - o que viria a poder oferecer outras formas de relação com o espectador/consumidor.

Mas, se a tecnologia evoluiu mais rapidamente que os hábitos de consumo, isto produziu algum desfasamento, em particular no que ao mercado diz respeito.

Quantos anos levou o video a chegar ao grande consumo?

Se a capacidade de produção de Realidade Virtual já existe, quantos anos vai demorar a chegar ao nível da emissão televisiva?

E porque se mostram estas questões aparentemente óbvias ?

Porque só a inércia do mercado justifica a aposta nas vibrações emocionais que são transmitidas aos nossos corpos ainda hoje por via discursiva, numa diegética de estórias em imagens que produzem sentido que nos afecta, e não tanto ainda utilizando dispositivos de toque do tipo cinerama e sound surround, etc, para indução mais directa ao corpo.

Não se trata aqui de uma defesa da presença dos novos dispositivos. Trata-se apenas de observar a sua aparição e verificar que a História, em todos os momentos passados, se encarrega de os incorporar mais cedo ou mais tarde no quotidiano. Se quisermos tirar dúvidas, basta prestarmos atenção às versões Dragon Ball, Pokemon e outras, não na televisão mas nos videojogos mais sofisticados, em que já se disponibilizam uma série de  dispositivos de interacção, envolvência e toque, onde o corpo quase entra directamente no cenário do espectáculo. Estes são verdadeiramente os novos media de incorporação e envolvência; e estão aí.

Isto não quer dizer que, uma vez disponíveis e acessíveis estes equipamentos e sistemas, o mercado comece a ser invadido apenas por produtos do tipo close encounters ou Robocop em apuros, produtos de toque e tangibilidade directa - fazendo sentir o soco do actor na cara ou a raiva da vingança através da força de um subwoofer.

Mas acreditamos que venham a ocorrer mudanças neste sentido, porque a este tipo de contacto os produtores e certas audiências não vão resistir.

Em grande medida, confirma-se a herança genética do cinema e da televisão que nasceram da barriga dos parques de entretenimento do séc. XIX. Quem se deslocar à Disneylândia de Paris, encontra na generalidade das "atracções", formas de tocar e impressionar o corpo quase directamente. A imagem forte conjuga-se com o som de impacto tridimensional e, nalguns casos, com o próprio agitar e tocar o corpo. Num dos espaços em que se projecta um filme de "suspense", além do chão da sala que se mexe e ondula, no momento em que os ratos invadem o compartimento em que se encontra "o herói", projectado no espectador, também os ratos atravessam literalmente o espectador, fazendo sentir a sua passagem e o seu toque na cara e pernas do espectador.

É de evocar a metáfora que compara hoje o produto tipicamente Hollywood, com algo a acontecer de três em três minutos - uma mini-catarse periódica antes da magna-Katharsis.   Isto, e o filme francês em que o mesmo ocorre de vinte cinco em vinte e cinco minutos, quando ocorre, e em que a relação com o espectador é muito mais logophilica - ele tem que seguir a estória, por vezes parece até que o filme poderia passar na rádio com igual sucesso.

 

Pequeno embrulho paradoxal:

Por um lado, o fantasma McLuhan  a instalar o antigo medium (o écran de cinema) no novo - a televisão em alta definição e  16:9 ;    por outro, o senhor Bill Gates e Cª a puxar a corda para acelerar o processo e queimar etapas de modo a chegar o mais rapidamente possível à R.V. e produtos fisicamente mais envolventes e massajantes. Sem a sujeição ao fantasma McLuhan, acreditamos que, para o melhor e o pior, o actual tipo de relação vai mudar na direcção da massagem.

A outro nível, é o mercado que põe e dispõe. Falar em mercado aqui, quase equivale a falar em audiências. É por isto que surgem algumas hegemonias.

 

 

Hegemonias

Há que explicar este conceito aqui, no plural. Hegemonia é um termo cunhado por Gramsci, e que de algum modo implica um exercício de poder totalitário, uma abrangência globalizante sobre um determinado espaço. Há logo aqui um pequeno paradoxo que se traduz neste plural.

Se uma hegemonia é globalizante e totalitária, só pode haver uma e não mais.

Mas o que acontece hoje, precisamente nos diversos espaços de acção cultural, é uma agregação de hegemonias, poucas, que conseguem manter uma coesão articulada suficientemente forte para nos permitir reduzir a palavra ao singular: hegemonia. Mesmo que esta redução seja apenas conceptual, mesmo que as hegemonias que se encontram após alguma análise, não sejam de cariz exclusivamente heurístico. E é assim porque se observa mais que uma constelação de exercícios de poder em acção. Não falo do poder administrativo; falo do poder de levar ao público determinados produtos, mesmo o poder de criar públicos. Quando isto acontece de modo estabilizado, e envolve estratégias de acesso coordenadas e homogéneas, envolvendo ainda produtos de perfil idêntico, pode dizer-se que estamos perante uma hegemonia localizada. Quando se fala disto, em termos gerais, de que é que naturalmente se fala?

Observa-se o poder das indústrias culturais americanas sediadas em Hollywood e Beverly Hills, e pouco mais.

A verdade é que o olhar treinado deve observar todas as outras articulações e modos agregados de agir resultantes.

Qual é então a força dessa cultura hegemonizante? É consensual que é muito forte. Posso parecer antiquado e pouco pós-moderno, mas é isso que observo em Portugal. Há uma metáfora para o pós-moderno que pode, eventualmente, aqui emergir. Acontece quando o exercício dos poderes de acesso aos públicos, de uma forma mais ou menos acidental, ocorre concertadamente. Quero dizer, quando, ao observarmos o exercício desses poderes, nos confrontamos com uma espécie de caleidoscópio, em que há forças de maior e menor dimensão, de várias cores mas, em determinados momentos da sua dinâmica, surgem formas concertadas no seu exercício, num Gestalt sobre o qual podemos então partir para um exercício hermenêutico mais ou menos certeiro. Mas mesmo esse exercício é cada vez mais difícil graças à fragmentação que atinge igualmente qualquer sentido que se queira construir ou estabilizar, independentemente do nível a que se trabalhe. “No entanto, a identidade está a tornar-se a principal, e às vezes, única fonte de significado pela ampla desestruturação das organizações, deslegitimação das instituições, enfraquecimento de importantes movimentos sociais e expressões culturais efémeras. (...) Nessa condição de esquizofrenia estrutural entre função e significado, os padrões de comunicação social ficam sob tensão crescente. E quando a comunicação se rompe, quando já não existe comunicação nem mesmo de forma conflituosa, surge uma alienação entre grupos sociais e indivíduos que passam a considerar o outro um estranho, finalmente uma ameaça.  Nesse processo, a fragmentação social propaga-se à medida que as identidades se tornam mais específicas e cada vez mais difíceis de compartilhar.”[4]

No entanto, a verdadeira força de uma cultura estabelecida e hegemonizante só pode ser verdadeiramente sentida quando alguém cria algo de novo e o tenta mostrar a outroalguém. Os artistas e criadores portugueses são frequentemente admoestados por se preocuparem quase exclusivamente com a criação e negligenciarem a divulgação; talvez tenham alguns traumas que o justifiquem.

Num contexto generalizado que se pauta por uma economia da atenção, em que é preciso segurar audiências a qualquer preço, torna-se problemático ensaiar inovações. Mas como em tudo, é preciso ter coragem para inovar.

Neste contexto generalizado de busca da atenção das audiências, a cultura, que em Portugal é ainda relativamente estigmatizada, tem o seu cantinho que cresce ou diminui consoante a maré das contingências sócio-económicas. A atenção, do ponto de vista desta economia geral, é um recurso rarefeito, e tanto mais, quanto maior é a quantidade e qualidade de atractores de atenção. Longe vão os tempos em que uma ideia genial ou uma performance perfeita eram o garante de atracção. A audiência é hoje uma criança hiperactiva com dificuldade em se concentrar seja no que for, e com centenas de estímulos por onde deambular. Quando a nossa sobrevivência está dependente desta criança, o mundo pode tornar-se cruel.

Na primeira semana de Maio, a SIC passou uma entrevista de George Steiner, às quatro da manhã, - o cantinho da cultura nos grandes media ocorre de madrugada - e Steiner, explicando um quadro de Chardin, isto é, fazendo aquilo que hoje ninguém sabe ou quer fazer, que é o trabalho  e o prazer de entender - dizia ele que a leitura e a literatura só se poderiam entender debaixo da metáfora da alquimia, no momento em que ocorre uma transformação no espírito do sujeito que lê, transformando o chumbo das palavras no ouro mágico do sentido da estória que se lhe espelha no espírito. De algum modo, todo o leitor, em termos mais heurísticos, todo o receptor do acto cultural é ao mesmo tempo um alquimista e, se se quiser, um feiticeiro, que tem o poder de re-criar o acto no espaço do espírito.

Falo disto com aparente nostalgia porque, é sabido que, à criança hiper-activa que é a audiência de hoje foi retirado esse saber alquímico que poderia oferecer a fruição do encontro com o criador, simplesmente porque exigia em directo ou em diferido um outro acto de re-criação, um sentido coreográfico de leitura a par da escritura.

Atenção, falo de uma leitura em latu sensu - isto envolve todas as áreas de criação e não só a literatura. E falo desse saber em extinção que exige vontade e conhecimento, ao invés do que se passa no novo mercado em que o produto de eleição é precisamente aquele que, ou não exige nem vontade nem conhecimento, ou trás em anexo o kit hermenêutico de acesso fácil. Lembro que é frequente este tipo de kits circular em alguns espaços da cultura sob a forma daquilo a que Perniola chamava o "já pensado", num estilo precisamente muito déjà vu - déjà compris. De algum modo, percebe-se a alusão ao "contrato imanente", num contexto de abordagem dialógica que é, por exemplo, referido por Barker:

"Um contrato envolve o acordo tácito de que o texto nos falará de modo a que nós o possamos perceber. Entrará em diálogo connosco.(...) Pode então formular-se um quadro de hipóteses centrais:

1- de que os media só serão capazes de exercer poder sobre as audiências se existir um contrato entre o texto e as audiências, que diz respeito a alguns aspectos específicos da vida social das audiências; e

2- a amplitude e direcção da influência é uma função das características socialmente constituídas pela vida das audiências, e emerge da satisfação do contrato;

3- o poder da ideologia então não é apenas de um tipo único, mas varia completamente, do racional ao emocional, de público a privado, de "inócuo" a "prejudicial", de acordo com a natureza do contrato[5].

 

 

Síntese

Os processos contemporâneos a que assistimos sem qualquer possibilidade de intervenção, assim como as diversas formas de globalização, mediatização e até mesmo a libertação de alguns grupos antes marginalizados, devem constituir um item de questionamento acerca desta "culturalidade" contratual. É por isso importante observar  e eventualmente construir uma tipificação das produções de sentido nos media. A expansão e diferenciação de um sistema que antes era homogéneo e por vezes coeso, é hoje uma das principais características deste período pós-moderno que foi acompanhado por uma ainda maior  especialização dos conteúdos e formas de recepção de sentido.

O modo como ocorreu a fusão entre algum espaço social e o conteúdo mediático, em particular a sua mercantilização, contribuíram para a produção de identidades não localizadas mas, ainda assim, fontes de segurança ontológica, como diz Giddens.

Quando procuramos no espaço da cultura uma forma de tangibilidade do conceito, encontramos o "lifestyle", o "quotidiano", e a "cultura local". A sua constituição pode passar pelos diversos contextos de consumo dos media.

Mas um exagero de consideração por todas as manifestações ocorrendo na esfera pública, colocando-as nesse espaço de culturalidade "popular", pode dar azo a observações críticas como as de McGuigan que define este "populismo cultural" como sendo "o assumir intelectual, levado a cabo por alguns estudantes de cultura popular, de que as experiências e práticas simbólicas das pessoas comuns são política e analiticamente mais importantes do que a Cultura com C grande"[6]

 

 

Epílogo questionante

 

Estas ideias são o desiderato de uma quantidade bem maior de questões com que nos temos defrontado - por isso, será bom deixar à reflexão do leitor outras tantas.

 

1- A cultura imago-dominante induz/produz o quê, em termos de padrões de relacionamento social e afectivo?           Que efeitos se observam já?

 

2- A permanente aplicação do dispositivo afecto-emocional - que produz o homo sentiens (de Ferraroti, cujo elemento radical é a pan-lacrimogenia, ou como diz o senso-comum, a pieguice-de-vão-de-escada) - vai poder continuar a ser aplicado indiscriminadamente com as novas tecnologias multimedia, ou isto levará ao homo massajado.

 

3- Será possível criar um sistema que permita aproximar o acesso ao cidadão de modo mais livre,   isto é, uma economia do acesso mais justa e democrática que chega  próximo do cenário ideal do cidadão bem informado; o cidadão que no seu quotidiano, perante a panóplia da oferta, tem capacidade, competência e universo opcional próprios para seleccionar?

 

Bibliografia

Ang, I., Desperately Seeking the Audience, ed. Routledge,  London, 1991.

Barker, M., Comics: Ideology, Power end the Critics, ed. Manchester University Press, Manchester, 1989,

Castels, M.   A Sociedade em Rede, - Prólogo, A Rede e o Ser, ed. Paz e Terra, S. Paulo, Brasil, 1999.

Inglis, Fred. A Teoria dos Media, ed. VEGA, Lisboa, 1994.

Jervis, J. Exploring The Modern, ed. Blackwell, London, 1998.

McGuigan, J., Cultural Populism, ed. Routledge, London, 1992, p.4.

Perniola, M., A Estética do Século XX, ed. Estampa, Lisboa, 1998.

Strinati, Dominic An Introduction to Theories of Popular Culture, ed. Routledge, London, 1996, p.254.

Warnier, J-P., A Mundialização da Cultura, ed.Editorial Notícias, Lisboa 2000

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Eduardo Jorge Esperança é Professor de Sociologia da Comunicação na Universidade de Évora

 

[2] Strinati, Dominic, An Introduction to Theories of Popular Culture,  “The erosion of identities”,ed. Routledge, London, 1996, p. 261

[3] Ang, I., Desperately Seeking the Audience, ed. Routledge,  London, 1991, p.10.

[4] A Sociedade em Rede, - Prólogo, A Rede e o Ser, Manuel Castells, ed. Paz e Terra, S. Paulo, Brasil, 1999.

Sobre o problema das identidades fragmentadas e as relações cultura-arte, ver também os capítulos 2- Instituições  e, 5- Identificações em CULTURA, de Raymond Williams, ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1992. 

[5] Barker, M., Comics: Ideology, Power end the Critics, ed. Manchester University Press, Manchester, 1989, p.261, in An Introduction to Theories of Popular Culture, Strinati, Dominic, ed. Routledge, London, 1996, p.254.

[6] McGuigan, J., Cultural Populism, ed. Routledge, London, 1992, p.4.