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Introdução e 1º Capítulo


Índice




Introdução.......................................................................................................................... 1

Um Caminho....................................................................................................................... 1

Caminhos Possíveis............................................................................................................. 3

Progressões e arrumações................................................................................................... 7

 

 

Capítulo I — Questões metodológicas............................................................................... 11

1. Introdução...................................................................................................................... 11

1.1 Localização da Pesquisa — instrumentalidade e redução................................................ 12

1.2 Unidade e multiplicidade das vias de progressão............................................................ 15

2. O interesse da ciência e a transdisciplinaridade dos campos............................................. 19

3.   Transversalidade e processos de navegação.................................................................. 23

3.1 Ecletismo e perspectivas................................................................................................ 25

4.   A Abordagem Comunicacional...................................................................................... 26

4.1 Que ............................................................................................................................. 31

4.2 Esboço de um modelo comunicacional........................................................................... 32

4.3 Relação e revelação — o contraste e a especificidade do objecto.................................. 36

5.   Uma noção multidimensional de «experiência»............................................................... 38

6.   Uma noção de Campo Social — para uma observação operacional............................... 41

7. Conclusão....................................................................................................................... 43

 

 

Capítulo II   Rastreio e problematização do património,  experiência patrimonial e imaginário simbólico         47

1.   Introdução.................................................................................................................... 47

2.   Possibilidades de construção de uma cartografia das enunciações envolvendo o património e suas            48

2.1.1 Génese etimológica e percursos da expressão património............................................ 51

2.1.2 A noção de propriedade — vizinhanças...................................................................... 53

3.   As definições de............................................................................................................ 56

3.1 A urgência de problematizar a questão patrimonial — modos de questionamento............ 67

3.2 A produção do juízo como primeiro elemento questionável........................................... 70

4.   Sobre o inventário, as modalidades e campos de inventariação....................................... 73

4.1 Casos concretos de experiências diferentes: os patrimónios da Igreja Espanhola e Portuguesa 75

5.   Experiência patrimonial — imaginário e objectos simbólicos........................................... 78

5.1 O Imaginário Simbólico................................................................................................. 83

5.2 A Dinâmica Simbólica na estática geral; funções de estabilização.................................... 88

6. Conclusão....................................................................................................................... 92

 

 

Capítulo III — Modernidade e condições de emergência da Experiência Patrimonial............ 96

1.Introdução....................................................................................................................... 97

2.   Onde estamos — as temporalidades da relação............................................................. 99

2.1   A extensão dos presentes e o que daqui se vê.............................................................. 100

3.   Experiência e Modernidade — da experiência indivisa à sua fragmentação..................... 102

3.1 Fixar o devir — as estratégias de estabilização............................................................... 106

3.2 A racionalização da experiência: Max Weber e o desencantamento do mundo................ 108

4.   A estetização da Experiência......................................................................................... 115

4.1 A dimensão afectiva...................................................................................................... 118

4.2 A insondável imagem emotiva........................................................................................ 119

4.4 Do espaço envolvente e vivido — caracterizações da experiência específica................... 121

5. Formas específicas de racionalização e estabilização — as funções técnica e jurídica........ 124

5.1 A Formação da Experiência Patrimonial como uma forma de Estabilização.................... 129

6.   A fundamentação positiva do campo do Património pelo Direito.................................... 132

6.1 O que se passou em Portugal........................................................................................ 135

6.2 O Direito positivo aplicado ao património...................................................................... 144

6.2.1 Práticas de classificação............................................................................................. 148

7.   Modos de agenciamento e emergência das instituições administradoras do   património.. 151

7.1 A Museologização e a exorbitação arquivista — Museus, museologia e museologização social 156

7.2 O Lugar do Arquivo...................................................................................................... 158

7.3 A institucionalização da experiência patrimonial; a rede positiva...................................... 161

7.4 Um caso paradigmático — o arquivo de filmes e os museus de cinema.......................... 165

8.   A Constituição de um imaginário positivo....................................................................... 171

8.1 A produção de um agente ideal -................................................................................... 174

.     Património e ecologia — novos signos e totalidades. Relação com a ecologia e ideologias; narrativas e manifestações totais/absolutas, arche e telos ao mesmo tempo.............................................. 176

10. Conclusão..................................................................................................................... 180

 

 

 

 

 

IntroduçãoErro! Marcador não definido.

 

 

Um CaminhoErro! Marcador não definido.

 

No início deste nosso percurso, é de referir o importante factor de formação que  foi oferecido pelo Departamento de Comunicação Social da Universidade Nova de Lisboa, durante todo o tempo em que decorreu a parte lectiva da Licenciatura, com destaque para o estudo da Comunicação e dos Media, baseados essencialmente nas diversas Sociologias e algumas Ciências da Linguagem.  Quanto à parte de pesquisa, já é necessário referir alguns pormenores desde essa altura em que iniciámos o trabalho de pesquisa sobre o património fílmico nacional.  Já antes do início do Mestrado era grande o nosso envolvimento profissional com a Cinemateca Portuguesa, particularmente na preparação do projecto do ANIM —Arquivo Nacional das Imagens em Movimento — em conjunto com o Engº José Manuel Costa, hoje coordenador do ANIM e responsável pelo programa Europeu Moliére.

Nesse trabalho, começámos por questionar as vias possíveis para se pensar o arquivo nas, e para lá das referências conhecidas; Benjamim, Foucault, André Bazin, etc. Toda a reflexão acabou por girar em volta de três questões-chave;

a) A grande questão ontológica - porque se conservam filmes/imagens em movimento?

b) A grande questão pragmática - para que se conservam filmes/imagens em movimento?

b.1.- A questão derivada que estabelece o imperativo axiológico da selecção; o que conservar?

 

Depois de algumas considerações sobre os diversos dispositivos de conservação, tal como sobre os seus suportes sociais, foi abordada a questão da materialidade destes objectos específicos e o modo como envolvem e são envolvidos na sua relação de manutenção.

Um capítulo mais longo observa o trabalho da memória e os seus modos de percepção, tanto na sua relação com o Tempo e a História, como com as políticas do Presente. A necessidade da memória repercute não apenas a necessidade de ordenação do presente cronológico, como a ordenação no presente do imanente caos social, na procura de força para a imposição ritual das práticas que o devem estruturar. A seguir, surgem os problemas da imersão na linguagem e a abordagem ontológica de Bazin — The Ontology of Photographic Image — a partir da qual se tenta extrapolar algum suporte ontológico para a actividade conservacionista e arquivistica dos sujeitos na sua relação com a imagem. Aqui, o essencial a reter é o modo como o Tempo, tornado cada vez mais irreversível, vai impondo práticas de conservação e cristalização dos objectos por onde circula; o modo como o investimento espectacular da sua mediação encontra na imagem retida/arquivada o supremo objecto de recuperação na perda que acontece com essa irreversibilidade.

Depois destas questões essencialmente teóricas, surge uma outra mais transversal com que há bastantes anos os arquivistas se debatem: dentro do universo de todas as imagens recolhidas, apenas uma parte pode ser conservada; qual? É o problema axiológico da selecção que passa tanto pelas imposições da materialidade técnica dos objectos como por toda a construção axiológica em que se estruturam os valores que comandam a acção do arquivistica.  É este um verdadeiro ponto de fusão entre a práxis quotidiana de quem tem de administrar decisões acerca da vida ou morte das imagens, e que por esse logos produzido a partir da sucessão de actos que se vão impondo[i], acaba por construir uma axiologia do arquivo, uma grelha de valores guia das diversas decisões que se sucedem.

É em seguida feita uma rápida alusão às transformações já a serem operadas pelos novos media, aos novos modelos de acesso à imagem.  As últimas páginas detêm-se sobre a análise de alguns documentos exemplares de toda a dissertação até aí produzida.

 

 

 

Caminhos PossíveisErro! Marcador não definido.:

 

Assim, e no seguimento de uma sensibilidade a que já havíamos sido expostos nesta pesquisa sobre o arquivo do património fílmico passamos, nesta etapa, ao Património, numa abordagem mais abrangente, à totalidade dos objectos que o podem constituir[ii], analisando em particular o imaginário social que reflecte a sua existência.

Perante a vastidão de opções por onde se poderia enveredar, esta era uma das que entroncava sem sobressaltos na continuidade do primeiro trabalho, e que melhor correspondia ao capital de saber em reserva e, particularmente, às nossas aspirações relativamente à direcção, áreas de expansão desse capital. Esta é, mesmo assim, uma área vastíssima, que nos obrigou, em seguida, a outras opções que assim se apontam:

1- Abordar uma área de pesquisa relativamente circunscrita e explorável à exaustão;

2- ou, uma área mais vasta, eventualmente passível de um tratamento mais abrangente e de síntese, pelo menos no que se refere a algumas facetas mais expostas e sensíveis à abordagem comunicacional.

 

A decisão relativamente a uma opção do ponto 1. não nos pareceria difícil, apenas uma questão de escolha entre os objectos específicos a abordar e explorar à exaustão; uma solução muito comum no nosso meio. Já relativamente ao ponto 2., se perfilavam géneros de opção diferentes, especialmente pela sua extensão. Poderíamos, por exemplo, ter optado pela circunscrição deste estudo ao património nacional, práticas e políticas internas. Talvez isso nos tivesse mais facilitado o financiamento de um projecto, mas tínhamos já vários dados complementares que nos faziam evitar tal opção. Sabíamos que qualquer referência e reflexão em volta do património se começa a não poder constrangir a fronteiras geográficas ou políticas, sob pena e risco de se produzirem todo o tipo de distorsões. Neste momento (1995), a cena socio-política portuguesa é rica de casos que cruzam a administração económica, política e do património. Teria eventualmente sido mais empolgante a abordagem circunscrita a um desses casos — fossem eles o da inventariação patrimonial, ou o caso "Foz Côa". Acontece que se impunha este trabalho prévio sem o qual o arranque para a investigação localizada seria bem mais titubeante. Por outro lado, quaisquer dos casos mais interessantes, se encontram em "processo pendente", alguns ainda no seu início, e não parece haver interesse de qualquer força político-administrativa na consulta ou estudo de casos por vias periciais de resultado menos previsível.

Apesar de facilitado, seja pela informação existente como pelos procedimentos estabilizados a cumprir, o trabalho demasiado localizado, tanto geográfica como epistemologicamente, corre os mesmos riscos de isolamento. Poderíamos ter restringido a abordagem a uma óptica epistemológica bem mais estreita — o estudo tradicional e exclusivamente sociológico, numa matriz metodológica bem mais ortodoxa e restrita ao levantamento e tratamento de dados. Poderíamos ter a informação dos estudos historiográficos existentes, ensaiando depois um desvio hermenêutico orientado para uma forma de abordagem mais sociológica ou culturalista, por exemplo. Poderíamos ter optado por uma abordagem exclusivamente comunicacional, na busca e recorte de circuitos específicos de informação. Mas no trabalho inicial  de pesquisa de informação e observação de estudos já efectuados, ficámos surpreendidos com a relativa escassez de abordagens (tanto do ponto de vista metodológico como epistemológico) de perfil próximo ou similar ao que no início já nos parecia sensato empreender. Foi essa escassez, com a consequente promessa de algum terreno por desbravar, que nos empurrou para uma via mais difícil, que a seguir se poderá julgar.

Com esta opção estávamos, em princípio, a optar por um trabalho de detecção (scanning)[iii] cultural mais extensiva e de maior síntese reflexiva. Isto seria acompanhado por um trabalho qualitativo sobre e através de dados não especificamente recolhidos para esta pesquisa, mas produzidos pelas próprias instituições administrantes, ou campos em que se deslocam os objectos tratados. A escorar este trabalho de análise, foram feitas entrevistas localizadas e aprofundadas a elementos "pivot" dos campos administrantes da generalidade dos objectos patrimonializáveis. Isto acontece não para justificar, mas pela impossibilidade de constituição de uma equipa e respectivo financiamento, num projecto de trabalho de campo mais alargado. Apesar de todas as tentativas, nenhuma das poucas fontes de financiamento foi sensível a este projecto e, pelas mais diversas razões, evitamos tirar daqui quaisquer conclusões acerca desta insensibilidade.

Não havendo, assim, chance de uma pesquisa empírica (de campo) alargada a acompanhar o trabalho de reflexão teórica, optamos por seleccionar terrenos que se nos ofereciam de mais fácil acesso para a concretização de um trabalho de campo exaustivo, mas localizado:

— os arquivos de imagens em movimento, porque situados, e com os quais já trabalháramos anteriormente;

— as artes e ofícios tradicionais que, por razões não apenas circunstanciais, se nos ofereceram em termos de investigação no terreno[iv].

 

Ao mesmo tempo, nesta via estava implicado um trabalho mais eclético, a consulta a uma mais vasta gama de fontes empíricas e bibliográficas, cuidando da hipótese de reservar, ainda assim, um pequeno quantum de pioneirismo numa área que tem sofrido o tratamento mais frequente das suas vertentes mais técnicas e imediatamente instrumentalizáveis. Até mesmo no domínio da produção documental, o panorama global é mais pobre do que poderá parecer à primeira vista. Assim, da pesquisa exaustiva que fizemos de todo o tipo de documentos, editados ou facsimilados, com menos de 15 anos, tratando o património cultural em qualquer uma das suas vertentes, a Europa deverá ter, aproximadamente:

— à cabeça a França e a Itália, depois a Espanha e os Estados Unidos da América com bastante menos obras, e então Portugal com pouco mais que os dedos das mãos no conjunto das obras com menos de 15 anos. Isto são aproximações, com base nos documentos editados, pois a consulta às fontes disponíveis, hoje mais fácil graças ao CD-ROM, dá números inferiores; contabilizamos, assim, uma função da percentagem de obras que pelas mais diversas razões encontramos nos vários países, fisicamente editadas, mas não referenciadas nos grandes catálogos.

 

 

Progressões e arrumaçõesErro! Marcador não definido.

 

Explicitadas as razões principais desta opção, é necessário indicar alguns pormenores de "arrumação" textual deste trabalho.

Foram assim constituídos seis capítulos, os três primeiros de rastreio, questionamento e exploração da base constituída (o existente) do tema; os três últimos mais de análise, produção de instrumentos de síntese, e respostas possíveis ao questionamento anterior.

Um resumo, pouco circunstanciado, de cada capítulo está contido na respectiva conclusão, de modo a tornar mais visível uma síntese das matérias tratadas e expostas, facilitando a passagem ao capítulo seguinte.  Para as citações foi utilizado o modelo francês e, na generalidade, transcreveu-se o texto original, excepto nas obras citadas a partir de traduções; nestas optámos por traduzir para o português.

A bibliografia contém a totalidade das obras aqui citadas, as obras que serviram de apoio à produção deste trabalho mas podem não ser nele directamente visíveis, e o conjunto das obras que podem ajudar a complementar um estudo nas proximidades deste. É, aliás, na esperança de que este trabalho possa ter alguma utilidade futura, que seleccionámos opções mais didácticas de apresentação do texto e com alguma extensão como, por exemplo, no caso das citações e da bibliografia. Por outro lado, é fácil encontrar por todo o trabalho  múltiplas referências cruzadas entre pontos diferentes. Apesar do extremo cuidado relativamente às ordens de exposição a que a nossa orientação submeteu o trabalho, é igualmente a nossa preocupação didáctica que nos leva à exposição desses cruzamentos e referências que nos são evidentes, mas podem não o ser tanto para quem não tenha executado o mesmo percurso. Há igualmente um aspecto importante, relativo ao percurso, que é necessário destacar: o facto de a progressão da pesquisa e a progressão da exposição não serem paralelos, homólogos ou sequer isotópicos.[v] Por vezes, os investigadores referem-se a esta questão nos seus trabalhos mas, mesmo nas ciências humanas, a maior parte das vezes, ela passa sem referência. A sua importância só se destaca ao nível da reflexão metodológica e epistemológica, no momento em que se pensa ou inventaria a cronologia dos actos de investigação e o padrão serial ou, em termos saussurianos, sintagmático em que se constitui, precisamente pelo crumprimento dessa cronologia e não outra. Acontece que a cronologia dos actos de pesquisa raramente é visível, até mesmo para o investigador que a subestima (como é o nosso caso), dada a importância sobrepujante da exposição para efeitos finais de leitura, avaliação e/ou implementação dos resultados da pesquisa. Há ainda uma razoável quantidade de epifanias[vi] que, depois, são ajustadas ou rejeitadas pela racionalidade do discurso expositivo, e nele aparecem diluídas. Isto, a finalizar esta referência, destaca o trabalho de persistência num terreno bem mais acidentado e áspero que a fluidez e polimento das exposições por vezes mascaram.  Este é um dos dilemas com que qualquer trabalho se depara e que também se inscreve nas áreas da comunicação  — podemos chamar-lhe o «dilema representacional»:

— reflectir e submeter a reflexão ao "fazer-se compreender", comunicar      primeiro, ou

— reflectir, e depois representar com a maior exactidão o reflectido;

 

Tentámos conciliar as duas opções.

 

 


Capítulo I — Questões metodológicas Erro! Marcador não definido.

 

         1.             Introdução;

 

                1.1           Localização da pesquisa — Instrumentalidade e redução;

                1.2           Unidade e multiplicidade das vias de progressão;

 

                2.             O interesse da ciência e a transdisciplinaridade dos campos;

               

                3.             Transversalidade e processos de navegação;

                3.1           Ecletismo e perspectivas;

 

4.             A abordagem comunicacional;

                4.1           Que "Comunicação"?;      

                4.2           Esboço de um modelo comunicacional;

                4.3           Relação e revelação: o contraste e a especificidade do objecto;

               

                5.             Uma noção multidimensional de «experiência»;

               

                6.             Uma noção de Campo Social — para uma                                                                    observação operacional;

 

7.             Conclusão           

 

 

 

1. IntroduçãoErro! Marcador não definido.

 

Este capítulo inicial destina-se essencialmente a fornecer algumas coordenadas para a leitura e apreciação de todo o trabalho que se segue, um enquadramento epistemológico mais geral. 

Essas coordenadas começam por delimitar as práticas e os campos de saber  envolvidos, adentro da capacidade possível num estudo transversal como este se apresenta, aplicado ao tema específico que o exige. Começam por se observar as formas de instrumentalização e redução que as metodologias das ciências sociais plasmaram de um positivismo reinante e fonte de todas as legitimações discursivas que partilham o seu modelo. São igualmente observadas algumas características inerentes à complexidade do campo em análise e o modo como se podem encontrar formas de abordagem, heuristicamente mais rentáveis, no cruzamento de campos de saber tradicionalmente sectorializados.

Em seguida, observam-se algumas alternativas possíveis em termos do encarrilamento metodológico deste trabalho, a partir das condições prévias conhecidas e assumidas como, por exemplo, o estatuto de complexidade da experiência que se aborda, assim como as formas de localização e rastreamento das fronteiras e relações cruzadas entre o campo em análise, as suas periferias e pontos de relação mais distantes;  isto num modo de espacialização — até uma proxémica — que auxilie o recorte das posições dos elementos, da estrutura relacional que atravessa o campo, e que auxilie igualmente a observação das formas de operacionalidade específicas, práticas próprias do campo, e as formas homólogas aos outros campos em geral.

 

 

 

1.1    Localização da Pesquisa — instrumentalidade e reduçãoErro! Marcador não definido.;

 

O património é o campo[vii] a ser observado e central neste trabalho, essencialmente devido à diversidade de circunstâncias que o tornam central entre a constelação de fenómenos que ocorrem na sociedade contemporânea, e os que caem dentro da perspectiva e espaço de acção que aqui nos propomos fazer operar. A generalidade dos fenómenos menos centrais que se referem não são menos importantes, e só por razões heurísticas e de sistematização do enunciado podem parecer periféricos.

 

Uma abordagem comunicacional que se exija um mínimo de rigor, acarreta consigo o inconveniente de não poder facilitar a reprodução/reconstrução racional de uma série de práticas tidas como complexas . Esta é hoje uma operação lógico-discursiva que nos mais diversos sectores da hiper-sectorializada ciência se produzem com a maior das naturalidades, tão comum e frequente é, que já acontece sem se dar conta. Assim se percebe a necessidade de pesar, ter em conta todas as variáveis, todos os elementos potencialmente intervenientes que seja possível e exequível abarcar numa abordagem crítica em que se priveligia o polo relacional. Afinal, pretende-se a busca e o estudo de toda uma rede de investimentos na generalidade dos bens culturais circulantes e capitalizados pelos diversos campos administradores dos bens sociais.

Sendo este um projecto ambicioso, deste ponto de vista, corre por isso os riscos inerentes à sua perspectiva de abordagem. O principal risco, numa sociedade impregnada de razão instrumental,  é o de caminhar para o acesso e tratamento científico do objecto por uma via eventualmente mais morosa e pouco instrumentalizante; isto é, nesta área de saber, se alguma atitude  epistemológica se assume é a de que, mais importante que o chegar a conclusões mais ou menos comprovadas, o que se quer é  compreender, conhecer, entender, perceber, envolver, tudo o que de pragmático e fenomenológico envolve estes verbos na direcção do dominar, tanto adentro dos sentidos que se encontram  na história do pensamento Ocidental de Platão a Max Weber, Husserl e Simmel, até Heidegger e Bourdieu[viii].

Por outro lado, ao contrário do que pode parecer, há um certo determinismo nesta via de abordagem a este campo. Quando se seguem as vias possíveis e alternativas de abordagem, quando se tenta simular ou prever outro modus operandi  para o mesmo campo, é natural encontrar rapidamente um beco sem saída, ou então uma saída falaciosa, o que é o mesmo. Encontramos alguma segurança neste processo, e é inegável que ela nos é necessária, mas a verdade é que é difícil encontrar alternativas de abordagem que não sejam redutoras e, logo, capazes de amputar o objecto de estudo e todos os elementos intervenientes que o envolvem. A pequena conclusão, por enquanto, é de que o caminho é difícil mas, dentro destes condicionalismos, não há outro. E este caminho passa, essencialmente, por aquilo a que Steiner chamou a "inteligência da compreensão"[ix], talvez já num eco de Weber, e que melhor traduz a função e plenitude primeiras do entendimento dos fenómenos em todas as sociologias.

Aceites estas circunstâncias  acontece, por vezes, alguma ousadia por áreas menos tratadas, e aparentemente longínquas do cerne e ponto tradicional de convergência da perspectiva que nos propomos fazer operar. Isto acontece sobre um misto de bastante crença e algum saber, resultado de experiências quanto à finitude da possibilidade de formas de entendimento do mundo, directamente dependente da finitude do sujeito. Esta descrição acontece pouco depois do início deste trabalho, por duas razões essenciais:

— pelo facto de entender este tipo de trabalho como um processo com chaves ou guias de leitura fornecidas por quem o produz, sugerindo isto qualquer  asserção de validade apenas dentro dessas fronteiras;

— pela particularidade pluridisciplinar  e omnidimensional deste objecto de trabalho — "o património" — para ver o que as instituições e os sujeitos encontram nessa expressão e o que ela representa, que nos obrigam a uma pré-definição cuidada, tanto das condições de apreensão — colocação de grelhas e formas de entendimento das experiências delimitadas pelo campo do património, como das condições de enunciação/representação do objecto apreendido.

Percebe-se ainda que a necessidade de permanente cartografia e localização dos pontos por onde se vai deslocando o nosso foco de abordagem, se prende com a extensão e multifacetamento do objecto de estudo. Isto mais que uma vez se há-de referenciar e analisar mais à frente.  Afinal, uma maneira de estar no mundo que acredita, frequentemente, na conexão próxima de todos os seus elementos — uma "bouclage" ditada pelas origens, e que cabe a quem investiga percorrer, com a ressalva de que, pela sua experiência e conhecimento da vida e dos saberes, terá por obrigação e vantagem, percorrer pelo caminho mais curto as vias que ligam qualquer grupo de elementos entre si.[x]

Para esta atitude encontramos justificação também, e especialmente, no rendimento heurístico que se recolhe sempre que se cruzam campos de saber tradicionalmente sectorializados. É desse fechamento bloqueante que nos fala H-P Jeudy quando denuncia as formas de saber  que se estratificaram em comunidades de pensamento: — "o conhecimento está tão bem compartimentado que se constitui como uma verdadeira arma de defesa contra a violência que viria dos próprios fenómenos sociais. O edifício das ciências sociais só pode se fender do interior, atingido pelo mal do desaparecimento de toda a negação crítica"[xi]

 

 

 

1.2    Unidade e multiplicidade das vias de progressãoErro! Marcador não definido.;

 

Observando simplesmente este tecido de canais por onde circulam mensagens, imerso na massa fluída composta por todos os elementos constituintes de uma cultura (que não apenas aquilo que os antropólogos chamam culturemas), é bom que possamos assumir este campo — o conjunto formado pelo espaço concreto que abordamos, a perspectiva epistemológica e metodológica que nessa abordagem investimos — como complexo. Este estatuto não se prende tanto à riqueza e complexidade dos elementos constituintes desse campo, mas sim à quantidade eventualmente inumerável dos elementos que podem ser tidos em conta para o estudo de qualquer fenómeno que neste campo, assim definido, possa vir a ser estudado.

A necessidade de assumir este campo como complexo está muito próxima das necessidades de contextualização de qualquer fenómeno que implicam as abordagens pragmáticas. Neste sentido, o estatuto de complexidade atribuído a um campo é apenas um passo adiante pela operacionalidade e alargamento (virtual) de fronteiras que este deve permitir e desencadear de imediato; afinal, uma outra maneira de introduzir alguma operacionalidade heurística neste trabalho.

 

A localização desta abordagem passa, antes, por se perceber que entre a possibilidade de opções, aqui se tomou a primazia da circunscrição à abordagem, a especificação da "lente" epistemológica pela qual se observa a multiplicidade de objectos que constituem o universo do patrimonializável no contexto contemporâneo. Isto é, preferiu-se uma maior definição e localização das perspectivas e vias de acesso a um campo de objectos mais aberto e apenas determinado pelas vias e perspectivas de observação que nomeiam e classificam os objectos.

 

Se nos termos de uma hipótese de síntese tomarmos o campo "Património" definido essencialmente como o conjunto de modos, formas e práticas de patrimonialização, então poderemos definir, também em termos sintéticos, uma via de abordagem ou forma de pesquisa científica. Esta iría assim trabalhar, com base nalguns instrumentos dessa constelação de ciências[xii], sobre um modelo ou "reprodução" conceptualizada dessas práticas com relevo para todo o trabalho relacional e axiológico. É que, como já foi destacado, o vasto campo epistemológico no qual operam as ciências humanas constitui-se com uma organização em volta de noções de carácter oposicional, paralelo, agregado, etc; com uma necessária relação de umas com as outras, embora de perfil modal diverso. Neste panorama, qualquer interrogação que se coloque a uma noção, a uma parte de um campo, implica o questionamento de outras noções, pelo menos aquelas epistemologicamente mais próximas. Estamos presentes no momento em que este trabalho se constitui — primeiro como uma observação e, depois, um trabalho teórico — na rede de linhas que consegue tecer no trabalho de "objectivização do objecto", morfologicamente sempre uma metalinguagem, meta-reprodução das relações e práticas simbólicas em volta do património. Esta referência aparentemente tautológica, visa destacar o facto de estarmos a trabalhar quase sempre na produção de um conhecimento de segundo e terceiro nível que não só tenta encontrar e conceptualizar o processo gerador e os sistemas de significação implícitos nestas práticas, como as formas de investimento e gestão do capital simbólico no objecto patrimonial[xiii]; encontrar e recortar também a dinâmica dos modos como estes investimentos são reflectidos pelos próprios objectos, e deixar bem claros todos os caminhos que se podem constituir como vias privilegiadas para encontrar as condições fundamentais de inteligibilidade destes objectos no âmbito desta perspectiva.

Tal como o analista ou o esteta procuram os modos como a obra de arte opera e se constitui como objecto de estudo, o investigador encontra, no momento da criação, um sujeito produtor/criador sempre mais objectivo: aquele autor, aquele artista, com um nome, um perfil e uma personalidade construídos no entretecimento das suas acções e obras, e ainda tudo aquilo que, pela sua projecção, se torna mais incontrolável.  Mesmo que se tenham em conta as forças libidinais, sociais, as forças externas que atravessam o corpo do artista no acto de criação, este sujeito é sempre um marco a ter em conta, porque é o mais referenciável. Numa abordagem mais tradicional, é deste sujeito que se parte para todas as outras investigações e inferências no processo de reflexão. Isto não se passa com o nosso objecto de estudo mais abstrato e conceptualizado. De outra maneira, tem-se aqui em conta toda a experiência envolvente, determinada por um campo que a constitui. Mesmo quando se visam práticas concretas em volta de determinados objectos específicos, o resultado da pesquisa tem em si inoculado os vírus da redução e da generalização. Procuram-se padrões e constâncias de evolução na dinâmica dessas práticas; procura-se uma estabilidade de códigos de enunciação e produção de sentido em volta dos objectos.

 

Pode considerar-se, inclusivamente, que o património, enquanto objecto de um conhecimento encarado como possível, acaba por ser produzido por entre as malhas do tecido articulado entre as ciências humanas que disponibilizam os instrumentos para a sua construção[xiv]. Devido a esta dilaceração, é conveniente proceder a certas definições de território e escopo de abordagem. Se este trabalho se espraia na horizontal e na vertical em espaços por vezes distantes e pouco comuns nas perspectivas epistemológicas ainda hoje mais em voga, poderemos afirmar que todo o seu desenvolvimento e direcção de pesquisa entram e cabem dentro da síntese que assim enunciamos:

— Os indivíduos em sociedade não se cansam de criar, inventar dispositivos de  modelação[xv] do(s) Tempo(s), do(s) espaço(s) e da(s) matéria(s). Fazem-no com as mais diversas finalidades, incluindo as de mais básica sobrevivência;  trata-se aqui de observar  uma parte do processo de criação, experimentação e uso de alguns desses dispositivos, tentando compreendê-los e enquadrá-los na dispersão das suas manifestações  para uma unidade  epistemologicamente apreensível e exequível[xvi].

 

 

 

2. O interesse da ciência e a transdisciplinaridade dos camposErro! Marcador não definido.;

 

Quando se procede à cartografia específica do campo que se quer determinar, podem esperar-se surpresas. Pode acontecer a emergência de espaços novos que, por uma constelação de cruzamentos não foram antes notados, pelo menos daquele ponto de vista.  São, por isso, espaços inexplorados e, consequentemente, indeterminados em extensão. Ao contrário do que é aparente mesmo aos olhos de alguns "exploradores fronteiriços", estes só se determinam como espaços de fronteira até ser desvendada a sua extensão. Isto tem acontecido ao longo da História das Ciências; o que parece constituir-se como um curto espaço heuristicamente determinado para fronteira entre duas "especialidades" torna-se, de repente, por acção de qualquer descoberta, num imenso campo por explorar e com conexões anteriormente impensáveis. É sempre arriscado assumir como dada a saturação de um determinado campo pois esta tende a acontecer apenas com a frequência de abordagens de perfil idêntico ao mesmo tipo de objectos.[xvii] A segunda razão, e por estes factores, pretende então admitir que existem grandes probabilidades de qualquer "espaço fronteiriço" ser potencialmente extenso e inexplorado.

Sendo a totalidade da experiência objecto das ciências sociais, estas foram-se fragmentando, sob a lógica da racionalidade moderna, dando lugar a disciplinas como a sociologia, a história, a antropologia, a psicologia, a geografia, a linguística, etc.. Esta multiplicidade de disciplinas, de perspectivas e formas de apreensão da experiência parcelizada, constituem uma dificuldade na reconstituição da sua totalidade. Assim, tentar sistematizar saberes, neste contexto, implica opções de privilégio relativamente a uma determinada perspectiva de abordagem.  Existe, de facto, um modo imediato de pensar os campos da investigação e pesquisa como encerrados num espaço finito e tridimensional; por vezes até bidimensional, por óbvias limitações ópticas; pensa-se como se vê, e o que se vê. Um dos espantos do descobridor, particularmente do descobridor acidental, além do objecto que revela no parto que acaba de levar a efeito, numa gravidez não percebida, provém precisamente do facto de nunca antes ter suspeitado da possibilidade da existência de tal objecto ali; é que antes não existia espaço que o pudesse conter. De algum modo, se quisermos reduzir o conhecimento às três dimensões que os sentidos podem perceber, teremos que engendrar uma metáfora-imagem de um corpo que permanentemente se vai dilatando e crescendo, mergulhado num éter infinito, onde vai buscar o espaço e, eventualmente, a matéria que possibilitam a sua dilatação. Uma das grandes dinâmicas pendulares da física-matemática-química tem precisamente andado à volta do dogma da existência de um éter ou um vazio; mas afinal, estes estão limitados pelas grades da phusis. Perceba-se que não é aqui o caso. E se as Ciências Humanas e Sociais têm, dentro da grelha de valores positivistas actualmente em vigor[xviii], progredido mais lentamente que as mais técnicas e exactas, podem em contrapartida contar com esse trunfo da extensão infinita do seu universo de objectos de abordagem, da liberdade e promessas de realização que tal pode oferecer. Têm, em particular, que pesquisar e argumentar em plataformas trans-sectoriais, recorrendo a elementos cognitivos da mais diversa proveniência desde que tal não aconteça apenas por mimese de qualquer cenário mais vanguardista, e sim dentro da epistemo-lógica em que se desloca e lhe sustenta o raciocínio[xix]. É por isto que se torna redundante tentar justificar esta ou aquela abordagem mais ecléctica. Se entendermos que a sociedade contemporânea é constituída por uma série de áreas de ordem social e material extremamente abstractas; que estas incluem figurações institucionais tão diversas como o Estado, a Universidade, a Indústria e o Comércio, a Banca e todo o restante tecido institucional sectorializado pelas diversas áreas que se estruturam na Modernidade em campos conceptuais determinantes como a cultura, a arte, a ciência, a técnica, etc..Percebe-se então que todas estas instâncias emergiram para a produção de algum tipo de artefactos ou serviços. Com a deterioração progressiva do seu processo produtivo, particularmente em termos de eficiência[xx]; com a autonomia que ganharam os diversos interesses que polarizam a existência destas instituições; o interesse do Estado, o interesse do capital económico, o interesse dos individuos, que acaba por ser o mais afectado, estas tendências acabam por minar o argumento que suporta a existência da instituição  o travejamento da sua génese e suporte social, reproduzidos na discursividade que a sustenta e evoca  sempre que se procura a sua "fundamentação". Surge assim esta controvérsia que tem dado a volta à cabeça a quem quer que pense as instituições, a ciência política ou o Direito: como será possível conciliar as vantagens e os bons produtos inerentes à existência destas instituições, evitando em simultâneo todo o exército de perigos potenciais que a sua actuação levanta, de preferência sem a necessidade de criação de outros mecanismos/instituições de controlo e administração a juntar peso e custo ao processo, arruinando qualquer vislumbre de eficiência[xxi] no que diz respeito às funções sociais primeiras a que qualquer instituição se propõe.

Se aquilo que não dispõe de corpo nem espaço que o possa alojar é difícil de entrever como vindo a existir, acontece, por outro lado, a negligência daquilo que, geralmente por ter corpo e massa, ocupar espaço e ser estável, pouco é observado e muito menos questionado. É a própria fisicalidade do objecto o que o torna tão imediato aos sentidos no modo como os sentidos assimilam a sua natureza.[xxii] Acontece que  os contornos da figura que o sujeito se faz representar do objecto, e que extravasam a sua fisicalidade, são garantidos por uma arquitectura de relações operadas por instâncias gestoras que asseguram a reprodução dessas figuras. Num ambiente de cultura material e difusão da passividade, este padrão de características transforma o objecto e acaba por materializar as próprias "meta-físicalidades" que o ornamentam.[xxiii]

Por outro lado, o que se torna mais visível, em consequência, é o modo como a estratégia taxinómica automatiza a criação de fronteiras e territórios, aparentemente autónomos. Esta é uma estratégia formal e institucional específica para a qual a investigação deve estar alerta, mostrando-se capaz de a localizar e "negociar" fora dos esquemas e territórios cristalizados por sobre outras genealogias. Dentro de uma racionalidade que oferece o modus operandi para legitimar estas divisões e barreiras, torna-se mais difícil o trabalho de progressão e travessia intersticial de alguns desses territórios-tecidos mais estratificados e solidificados.

 

 

 

3.      Transversalidade e processos de navegação Erro! Marcador não definido. ;

 

Por vezes podem parecer demasiados os locais de navegação na detecção (no sentido de procura atenta, "scaning"[xxiv]) do objecto de estudo, adentro do campo que se definiu. Isto justifica-se não só pelas características do campo já explicitadas, particularmente a sua polimorfia, que nos obriga quase a um determinado tipo de cinegética — ir à caça das várias formas de emergência dos objectos no campo. É necessária, no entanto, uma cuidada administração dos espaços e tempos dessa abordagem, uma delimitação do que alguns antropólogos denominam "exploração compacta"[xxv],  tanto dos objectos substânciais como dos objectos teóricos que passam, nos termos de uma economia da investigação, essencialmente pelos momentos de queda de rendimento heurístico[xxvi] na abordagem. A noção de "exploração compacta" surge a partir da noção de descrição compacta, utilizada de início pelos antropólogos e interaccionistas simbólicos e, mais tarde, generalizada no contexto da aplicação de metodologias e técnicas qualitativas. A descrição compacta caracteriza-se por ser extremamente sintética e, por isso, interpretativa, abordando o fluxo do discurso social e contextos envolventes num processo de síntese que recorta o dito/enunciado nesse discurso das suas ocasiões mais extensas e redundantes, fixando-o de modo a ser susceptível de consulta, isto é, investindo o máximo rigor na extracção a partir da actualização dos enunciados, permitindo ao mesmo tempo um acesso posterior. A exploração compacta seria um trabalho diferente e mais vasto, envolvendo dois níveis de actuação: um primeiro trabalho de exploração e síntese de todas as abordagens teóricas já feitas ao objecto, e em seguida, um trabalho de "scanning" em volta de todos os tipos de consubstanciação do objecto. Se, de início, estes trabalhos podem acontecer em tempos diferentes e seguidos, após uma primeira abordagem, o ideal é que a continuidade aconteça em tempos paralelos, isto é, quase ao mesmo tempo a exploração teórica e a exploração dos vários concretos materiais, como bem pode ser o caso no Património.  Se existe um limite ou um ponto de paragem da exploração do campo, este é difícil de entrever no geral concreto dos seus elementos constituintes; de algum modo, a progressão dessa exploração é mais fácil de se perceber com o fundo da metáfora[xxvii] espacio-morfológica. Há um ponto, na massa ou espaço tridimensional que envolve o objecto teórico, onde se começa a esgotar o rendimento heurístico da abordagem levada a cabo numa determinada perspectiva[xxviii]. É preciso ser sensível a essas oscilações, por mais proliferante que seja o mundo dos objectos concretos que se reproduzem numa infinidade de figuras, mas sempre afectos à arquitectura simbólica que os produz e coloca no campo.[xxix]

De facto, alguns cânones da abordagem académica tradicional preferem a redução  do objecto cognoscível à sua traça estrutural, por exemplo, ou mesmo a sua amputação, privilegiando uma abordagem parcial — uma parte do objecto[xxx]. Acontece que uma perspectiva de tipo qualitativo não se pode contentar com "profundidades" mais ou menos estéreis e inevitavelmente parciais. Pensando circunstanciadamente a volumetria[xxxi] que se depara ao investigador frente ao projecto de exploração do objecto, nesta perspectiva de entendimento e dissecação de contextos, coloca-se sinteticamente a extensão antes da intensão; há uma totalidade de algum modo fechada que se esgota por qualquer dos lados. Extensão e intensão são aqui complementares, mesmo na metáfora lógica, tudo dependendo da via de abordagem ao objecto.

No modo como formulamos esta questão, damos crédito a um pressuposto reticular que liga os campos uns aos outros, mesmo quando a sua vastidão se percebe difícil de esgotar. É por isso que, de algum modo a atenção à "relação" na perspectiva comunicacional, faz destacar a generalidade dos dispositivos interesticiais que articulam os campos.

 

 

 

 

3.1    Ecletismo e perspectivasErro! Marcador não definido.;

 

Esta é, sem dúvida, uma abordagem que pode parecer eclética, mas que em termos espaciais seria preferível chamar poliédrica, no sentido em que  pretende conjugar várias vertentes e perspectivas do campo que aborda; uma consequência da abordagem problematizadora que aqui se pretende efectuar. De algum modo, os campos e os modelos paradigmáticos utilizados para os enquadrar, não são estanques; cabe-nos precisamente encontrar as vias de relação e comunicação entre eles. Embora existam campos científicos bem escorados nos factos e teorias que os suportam, nenhum destes é eternamente definido — isto já foi razoavelmente bem demonstrado pelos especialistas da história e filosofia das ciências.[xxxii] 

Como ficou dito, esta perspectiva aposta necessariamente na transversalidade das observações, no destaque das relações entre campos diversos e, em particular, na observação das formas materiais que estes "intercambios" assumem. Isto implica novamente a atenção à "relação",  às diversas mediações e ao simbólico nelas investido. Uma exploração que recorre ao modelo comunicacional em particular pela sua capacidade plástica no suporte e capacidade analítica das  mediações e transacções que ocorrem entre agentes. É por isto importante especificar e ancorar ainda mais esta perspectiva, para que se perceba e localize com precisão o seu lugar e ponto de observação, para que possa, em qualquer momento ser reutilizado como instrumento de referência. 

 

 

 

 

4.      A Abordagem ComunicacionalErro! Marcador não definido. ;

 

 

"Properly written texts are like spiders' webs: titht, concentric, transparent, well-spun and firm. They draw into themselves all the creatures of the air. Metaphors flitting hastily through them become their nourishing prey. Subject matter comes winging towards them. The soundness of a conception can be judged by whether it causes one quotation to summon another. Where thought has opened up one cell of reality, it should, without violence by the subject, penetrate the next. It proves its relation to the object as soon as other objects crystallize around it. In the light that it casts on its chosen substance, others begin to glow."

            Minima Moralia, Adorno, T., ed. Verso/New Left Books, London, p. 87

 

 

No caso do Património, teríamos à partida apenas uma ideia do que nos esperava; haviam antes sido trabalhados objectos mais concretos mas, afinal, na mesma área (o Arquivo de Filmes e Imagens em Movimento). Deixamos confiar a melhoria dos resultados a uma certa capacidade de síntese, capacidade tão negligenciada hoje em dia pela generalidade das instâncias agenciadoras da razão instrumental, muito mais próxima da análise, sempre mais omni-utilizável.

 

O facto é que, uma perspectiva comunicacional  sobre qualquer objecto, tem sempre implicada uma abertura à experiência,[xxxiii] e é quase impossível assumir qualquer atitude mais positivista nesta área. A abordagem demarca-se de todo o género de experiência que se aproxima do laboratorial e provocado. Há um momento e condições em que, também nas Ciências Sociais, o investigador pode tirar rendimento científico da simulação como da amostragem, particularmente para aferir ou confirmar suposições mais reveladoras de solidez conclusiva. No entanto, a experiência, o género de experiência em que se envolve o nosso investigador "idealtipo", é aquela que ele encontra sem grande esforço de busca, e que pode ser denominada "comum", "quotidiana", "ordinária", "geral", etc, caracterizada pela possibilidade de ocorrer na vivência do indivíduo que não apresente perfil  que o possa indexar a um qualquer atributo de extraordinário[xxxiv].

Ao procurar uma unidade mínima do social, acabamos sempre por encontrar uma  relação, com instâncias intermediárias ou não pelo meio, uma maneira de trocar, primeiro mensagem e depois tudo o resto. Por exemplo, com o crédito apenas do reflexo do que na altura se começava a esboçar, desde princípios da década de oitenta até hoje, Michel Maffesoli mostrava assim, particularmente aos sociólogos mais positivistas, a importância das abordagens à relação no social, passando imperiosamente por todo o tipo de discursos, pela "cons-ciência das palavras" (Elias Caneti), enfim, pela urgência da abordagem comunicacional a um objecto (o social) ainda congestionado e preso nos padrões e formas de abordagem ditados pelas metodologias tradicionais aceites:

"...il semblerait que le devenir communicationel de nos sociétés nos oblige à reconsidérer le problème accorder à nouveau au Verbe la place qui lui revient, et faire attention aux images et à la rhétorique sociale qui du Café du commerce aux discours politiques ponctuent l'existence quotidienne. Le mot, celui de la rencontre ou celui de la messagerie informatique, est un élément interactif et comme tel mérite crédit."[xxxv]  

 

Há questões sensíveis, e uma das que deve logo ser colocada é, de que "comunicação" se está aqui a falar? Qual o conceito pressuposto em toda a abordagem. Manterá sempre o mesmo perfil ou sofrerá variações eventualmente induzidas pelo objecto? Por razões de conveniência metodológica, algumas destas devem manter-se como questões em suspenso.

Apesar de ter, nos contornos da ciência, uma aparição bastante recente, a expressão "comunicação" é antiga e veio pela História sofrendo as vicissitudes inerentes ao uso que o senso comum lhe quis outorgar.  Como outras formulações e noções mais sintetizadas, os perfis comunicacionais de uma série de actividades tratadas pela ciência em maior pormenor desde meados do século passado, estavam já imanentes;  da teoria quântica aos textos de Freud, as perspectivas jogavam essencialmente com os conceitos definidos na altura. O termo «comunicação» aparece na Europa nos séculos. XIV-XV numa acepção próxima do latim comunicare — estar em relação com, partilhar, colocar em comum. Um século mais tarde, o sentido da expressão centra-se no que é posto em comum. No século XVIII, acresce-lhe uma ideia de passagem de um lugar a outro, de transporte, de via de comunicação. No século XX a expressão polifacetou-se e chegou a adquirir um sentido quase equivalente ao de "informação" para designar globalmente as novas técnicas de difusão de massa, as indústrias culturais e a publicidade. Pode dizer-se que, no seu sentido original, a comunicação denota a relação, permuta e circulação de informação, bens ou pessoas, num circuito, de um ponto a outro, por intermédio de vias naturais ou artificiais. "De contornos vagos e indefinidos, a comunicação presta-se aos mais diversos usos estratégicos, a ser invocada pelos diversos campos sociais e a circular pelas esferas em que se verificam diferendos e conflitos. De facto, à medida que, no mundo moderno, as sociedades têm vindo a segmentar-se numa diversidade de campos autónomos, comunicar tem-se tornado um imperativo ético e uma urgência política."[xxxvi]

Esta presença da comunicação começa a fazer-se sentir neste século a partir essencialmente dos anos 40 na sociedade americana, de modo mais pragmático, e na Europa, de um modo mais académico e crítico.[xxxvii] Desde aí, a comunicação tem sido o núcleo de muitos trabalhos de investigação e formação de equipas, mas sem conseguir formar um campo ou sub-campo mais homogéneo de produção de saberes. Pela sua intersticialidade, quem quer que trabalhe a/na comunicação tem de explorar e adaptar saberes de áreas mais e menos localizadas que vão da filosofia à sociologia, passando pelas ciências da linguagem e outras. É sempre um trabalho de extensão e reunião, síntese e análise, em que a trave constituinte do saber passa pela perspectiva específica como são levadas a cabo essas análises e sínteses. Numa metáfora interessante acerca do estado em que estão as "ciências da comunicação", Jean-Luc Michel afirma que estas se encontram um pouco "dans la même position de la physique nucléaire actuelle entre les qurcks et les particules de charme: on rassemble des données et on les étudie dans des micromondes de plus en plus isolés jusqu'à ce que la perspective de les interpréter dans une théorie unitaire s'éloigne comme un idéal lointain et mythique à évoquer seulement les jours de spleen."[xxxviii]

Podem encontrar-se algumas razões para a ausência de uma teoria unitária ou corpo consensual nesta área dos estudos da comunicação; para lá do cruzamento que fazem de todos os outros campos do saber, para lá da sua complexidade inerente, a sua diversificação e, por vezes, antagonismo, tem parte da sua origem nas teorias socias que se vêm confrontando desde a Modernidade.  De qualquer modo, a história "desta" comunicação é recente, e está bem trabalhada[xxxix]; não vamos por isso revê-la, a não ser sobre aquilo que se cruza com o nosso objecto de estudo. Não esqueçemos que estamos sobre o trabalho da relação que acontece por entre as malhas do tecido das práticas acima referidas.

É ponto assente que toda a comunicação acontece num contexto determinado por variáveis de espaço-tempo; que as fronteiras desse contexto são apenas determinadas pela capacidade de cobertura (estudo) na abordagem ao fenómeno; que idealmente é impossível abordar e concluir a 100% o estudo de seja o que for, quanto mais não seja pelos nossos limites existênciais em contraposição com a velocidade na dinâmica de qualquer fenómeno comunicacional.

 

 

 

4.1    Que "Comunicação"Erro! Marcador não definido.?

 

Os obstáculos a ultrapassar nesta área são não só a sua vastidão, o enorme espaço de opções de alinhamento epistemológico que se torna necessário ter em conta, conjugar, valorizar e seleccionar, como a permanente multiplicidade de domínios que toca e interpela.

O que aqui se tenta definir é essencialmente o perfil deste vector de abordagem a um campo, o património, em volta do qual andará todo o restante trabalho crítico, de pesquisa teórica e empírica. Uma questão deve surgir à partida: quais poderão ser as condições de possibilidade de uma abordagem comunicacional, tanto do ponto de vista do objecto visado que a ela é sujeito, como da constelação de saberes a utilizar, e que se constitui a partir das diversas ciências que podem individualmente observar as práticas sociais de onde se destaca o emergir deste campo?  De algum modo, uma vez problematizado este fenómeno e definidos os contornos do campo,  é a abordagem comunicacional que melhor capacidade apresenta para a sua exploração.

A centralidade morfológica do campo é, assim, determinante na selecção de saberes que o podem abordar. Não seria sentato pensar a constituição de mais uma ciência separada que se justaporia às Linguísticas, Histórias, Sociologias e Psicologias para ocupar mais um espaço e multiplicar os objectos. Parece preferível administrar com cuidado a produção de um conjunto eclético de saberes, na esteira do que de melhor se pode fazer em termos transdisciplinares, do que perder tempo e recursos a tentar autonomizar disciplinarmente um saber heteróclito, autonomia igualmente difícil de fundamentar ontologicamente[xl]. Há um certo  holismo[xli] nesta perspectiva, de que é impossível escapar sempre que se busca uma fundamentação mais transcendental para um acto teórico que não pode ser assente apenas em relações de concomitância, ou suportado por outros discursos epistémicos legitimados por processos que não podemos indagar.

Alguma desta indeterminação pode pode ser parcialmente contornada com o auxílio heurístico de um modelo comunicacional que possamos privilegiar.

 

 

 

4.2    Esboço de um modelo comunicacional Erro! Marcador não definido. ;

 

 

Existem hoje dezenas de modelos que tentam pré-figurar a troca de mensagens, o intercâmbio de informação, o processo comunicacional  das mais diversas formas.

O modelo que aqui fica, mais não é que um esboço a explorar num contexto de razoabilidade em que se insere qualquer acto comunicacional. Não vamos ter a pretensão da originalidade, mas teremos de partir de uma base suficientemente conhecida para elaborarmos um esqueleto expressivo e representativo das formas de relação entre agentes e da circulação de informação. Como tal, o esquema que a duas dimensões se apresenta, é apenas um guia do pressuposto que mantivemos na produção deste estudo; uma referência mais para a definição do carácter desta abordagem.

Assim, parece-nos indispensável admitir dois polos essenciais ao modelo, e conhecidos como polos de emissão e recepção.

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

Acontece que neste esquema/modelo não é possível observar pólos rígidos de emissão e/ou recepção; são pólos, de facto, porque se devem situar para serem entendidos, mas a sua função exacta, tanto no espaço como no tempo, é mais difícil de discernir; um pouco como no modelo quântico: sabe-se que àtomos lá estão, o que andam a fazer, mas não se sabe bem onde nem exactamente quais são. Sabe-se que, para se admitir comunicação, é necessário que ambos emitam e recebam. É menos importante, para o nosso trabalho, sabermos exactamente quando estão a receber ou a emitir, porque até o podem fazer ao mesmo tempo. Para que algo se registe, é igualmente necessário que se admita a existência de um observador que tenha acesso ao fluxo de informação entre os dois polos, e à generalidade de elementos de mediação que os envolve. Mas mais importante que a localização territorial ou epistémica de polos e observador, é a capacidade de conhecer tanto os elementos de mediação da emissão e da recepção, como os factores de mediação da observação. Os elementos de mediação da emissão e recepção constituem o contexto próximo que envolve os pólos, e que toda a transmissão de informação tem de cruzar para que se considere a completude do processo de comunicação. Estes elementos são da mais diversa ordem, e vão depender da morfologia do pólo comunicante. Relativamente a sujeitos humanos — o exemplo mais próximo — esses elementos constituintes do contexto de mediação podem, por exemplo, ser:

 

— a memória (a sua especificidade e o modo como orienta/determina         a recepção e emissão da mensagem);

— os orgãos dos sentidos (o seu índice de precisão receptora e        emissora; a sua capacidade de definição, etc);

— as extensões artificiais auxiliares dos órgãos dos sentidos e da      memória(todas as          extensões que vão dos óculos aos     microfones, passando pelo computador, etc);

 

 

Quanto aos factores de mediação da observação, estes incluem os mesmos elementos constituintes da mediação para os polos, e passam pelas dimensões de análise do processo de observação, as perspectivas adoptadas e localizadas nalgum território disciplinar, assim como a generalidade das extensões auxiliares que o observador possa utilizar. Como se observa, este modelo destaca a intervenção contextual no processo comunicativo, e tem como premissa a obrigatoriedade da presença de todos os factores envolvidos no processo; pelo menos todos os que se possam detectar.

Por alguma razão isto é um esboço, e como tal não nos alongamos em precisões que estreitariam qualquer abordagem. Esperamos, com a especificação deste modelo, poder ter contribuído para uma maior nitidez no entendimento do que a seguir, por todo este trabalho, queremos expôr.

 

 

 

4.3    Relação e revelação — o contraste e a especificidade do objectoErro! Marcador não definido.;

 

A interactividade atrás destacada e o quadro que forma o interface com os sujeitos — usando uma terminologia hoje tão vigente quanto criticada[xlii] — são reveladores da imperatividade da relação, da necessidade da relação para o próprio existir tanto do sujeito como do objecto num panorama pavimentado pela tecnologia de base reticular. Nesta rede automatizada, para ter identidade e existir basta "estar-ligado" à rede[xliii].

A unidade, coerência e estabilidade significante do objecto; edifício, livro, quadro, estátua, etc, acontecem dentro de um primeiro nível de tratamento e investimento cultural quase directo, provenientes das relações directas dos objectos com os receptores mais massificados ou com as elites mais críticas. Porque, é a um segundo nível de síntese que trabalham os operadores institucionais classificadores e estabilizadores de boa parte dos conceitos operatórios com que funcionam os operadores de primeiro nível[xliv]. Cabe aqui igualmente ao investigador verificar permanentemente o modo como as relações de correspondência entre discurso teórico e práticas passa, nessa representação conceptual das práticas produtivas, pela contaminação de um nível pelo outro, e até que ponto e onde existem preponderâncias operacionais de um e de outro.  O objecto enquanto exposto a observação e tratamento  por um discurso científico — o segundo nível; e enquanto imerso no éter cultural que o envolve e sujeita a um tratamento primeiro — primeiro nível, deve ser permanentemente questionado e percorrido ao longo das linhas valorativas que o investem até à determinação da sua origem ou relação de rede onde se produz o conceito original. Esta perspectiva genealógica destinar-se-ía apenas a cartografar, localizar os  envolvidos no tratamento do objecto. É que no momento em que investigamos o modo como um discurso produz a representação de uma experiência, se apodera de uma experiência específica e a transforma em objecto comunicável, é necessário dominar a generalidade dos vectores[xlv] utilizados nessa abordagem e reconstituição do objecto. Como é que em cada campo particular das ciências humanas, o discurso desse campo envolve conceptualmente uma determinada experiência e a constitui em objecto de conhecimento através das diversas práticas de modelação do sentido, mais ou menos codificadas e inerentes a esse campo.

A observação dos vectores por onde passa a relação do discurso com a experiência é um dos pontos fundamentais na constituição do nosso objecto, destacando em particular a heterogeneidade de factores envolvidos na relação/relações que nos permitem, seguindo os diversos discursos promotores, identificar o que chamamos a experiência social da comunicação. Neste caso, a experiência social da comunicação centrada num campo determinado — o património.

Um pressuposto de base para o recorte empírico do que possa surgir neste trabalho é assim enunciado por L. Marin no que pode ser convertido em postulado base da comunicação: "Enfin en employant le terme "saisie" du sens, nous désirons mettre en évidence un rapport ambivalent entre une compréhension du sens et un blocage du sens. La structuration de l'expérience dans et par un langage a fondamentalement une fonction de communication:  l'application sur l'expérience d'un réseau de langage (quel que soit ce langage) vise essentiellement à la transmission de cette expérience, par ce système, à un récepteur, operation qui est possible à la seule condition que le récepteur partage totalement ou partiellement à la fois l'expérience qui est le contenu de cette communication et la langue abstraite qui en produit le sens".[xlvi]

Agarrar o sentido é aquilo que fazemos sempre que congelamos um conceito ou cobrimos uma experiência para a podermos reproduzir e comunicar em seguida. De algum modo, as formas de representação da linguagem natural reproduzem no seu modelo linguajeiro um modelo da experiência que é constituido em objecto do conhecimento do que se pode chamar uma prática teórica específica dentro de um determinado quadro epistémico.

 

 

 

5.      Uma noção multidimensional de «experiência»Erro! Marcador não definido.;

 

Para terminar este capítulo orientador do trabalho de pesquisa, queremos apenas destacar as condições de entendimento da generalidade dos fenómenos que vamos abordar. Essas condições de entendimento passam por uma noção da «experiência» alargada e multidimensional que deve justificar-se como suporte orientador da metodologia de abordagem neste trabalho. 

A expressão experiência mostra-se insuficiente para conter todo o sentido que se lhe investe na determinação do que é necessário ter em conta no acontecer para o seu registo. Por exemplo, no alemão distingue-se claramente entre "Erlebnis, que se pode traduzir por «experiência vivencial» ou «o vivido», e Erfahrung, que corresponde às condições de existência de toda a experiência possível, mormente a erlebnis."[xlvii] A abordagem passa por esta noção multidimensional da experiência precisamente porque tem em conta, mas não se fica pelos quadros de experiência constituídos e estabilizados, seja pelos campos instituídos, seja por outras formas de autoridade na percepção do mundo. Esta reserva, essencial ao entendimento e recorte estrutural dos objectos em observação, pode ela própria constituir-se como uma forma de experiência da investigação; uma noção que implica uma grande capacidade de envolvimento até à imersão total no quotidiano vivido e, ao mesmo tempo, a distanciação indispensável à produção teórica.[xlviii] Enquanto atitude e modo-de-estar na pesquisa, destacamos a atenção não só aos modos de vivência como aos modos como se constitui a percepção dessa vivência pelos que a vivem; os modos como a experiência se estrutura e estabiliza em automatismos, rituais e outras formas cristalizadas de sentir e agir.[xlix] Por outro lado, relativamente ao que estudamos, esta pesquisa desloca-se desde o ponto em que se começam a operar as primeiras inculcações sociais (socialização primária) a partir das duas grandes instâncias de mediação da experiência colectiva — a família e a linguagem — que estruturam nos sujeitos a forma e as temporalidades de adequação às representações da sociedade à sua volta; até ao ajustamento aos quadros que delimitam a experiência colectiva e as formas de a representar.

Teremos assim de ter em conta o processo de secularização que se operou com a emergência da Modernidade e a relativa autonomização de esferas de experiência que antes se fundiam todas no sagrado/religioso. Algo que, como mais à frente se observará melhor, implica uma plurilocalização de perspectivas consoante o ângulo de observação da esfera em que se situa o observador. Assim, estudar os quadros de constituição da experiência social de um determinado fenómeno; analisar a diversidade e evolução das suas formas de representação e mediação; indiciar os efeitos da interacção entre esferas no seio dessa multidimensionalidade, é algo que deve aqui ficar pré-definido. O que se tenta fazer não é apenas o desmontar do devir constitutivo  da experiência, observável no tempo, é igualmente o levantamento topológico das relações que permitiram/agenciaram e  permitem essas localizações indexadas a experiências mais e menos territorializadas. Como adianta J. Bragança de Miranda, "é preciso pensar no mesmo acto o agir, o institucional e o discurso. (...) Evita-se assim, (...) as duas abordagens mais típicas da experiência, a saber:

1) o positivismo, que considera a experiência como reduzindo-se ao dado, ao existente (reprimindo a ideia de que este é constituído), tudo se centrando na descrição das instituições, e

2) o subjectivismo, que a considera a partir da viência dos indivíduos (Erlebnis), centrada na vontade, desejo e interesse(s) do(s) sujeito(s)"[l]

 

Ao investigar os modos instituídos de segurar e cristalizar os procedimentos de entendimento e representação da experiência, talvez possamos perceber melhor o quadro em que se acha a sua constituição, como a dinâmica transaccional que cada esfera privilegia e matizando assim a sua relação com o mundo.

 

 

 

6.      Uma noção de Campo Social — para uma observação      operacionalErro! Marcador não definido.;

 

Para o nosso trabalho de observação das  dinâmicas e práticas diversas, é necessário que consigamos encontrar um modelo de racionalização das relações entre agentes sociais, auxiliando o avanço desta análise sobre o modo como se recortam, estabilizam e dinamizam essas relações num meio específico.

A noção de campo que temos vindo a utilizar já desde o início do capítulo, merece ser especificada relativamente à sua aplicação neste contexto. Esta noção que encontramos em vários investigadores das Ciências Sociais, não sendo original no modo como metaforiza o modelo emprestado da Física ondulatória, serve-nos com algumas nuances operatórias. Para Bourdieu[li],que mais frequente e extensivamente tem aplicado o conceito de campo nas suas pesquisas, tudo se joga num contexto/fundo de luta entre dominados e dominantes, num eixo axiológico articulado pelos polos do poder/domínio em que a constante é o conflito a que ele chama "luta". Este é um contexto agonístico até ao extremo do conflito — que acontece, mas nem sempre pode ser pressuposto — caracterizado por um sentido pan-teleológico e de envolvimento estratégico da generalidade dos elementos. Se formos capazes de o substituir por um fundo que admita o acaso, a inércia e até a irracionalidade, talvez consigamos produzir um modelo teórico dos campos, mais representativo, mais próximo, do que tentamos abordar.

O campo seria assim caracterizado pelo perfil das relações específicas que nele se foram constituindo entre agentes, estruturando posisões e propriedades inerentes a estas, independentemente de outras identidades. A observação da maior abertura ou fechamento do campo está então dependente do modo como nele se polarizam os valores, os sentidos e as forças que o dinamizam e o constituem. Por isto, pressupõe-se que existe entre os sujeitos agentes dentro do campo, uma cumplicidade latente que se expressa na identidade de interesses, de experiências e acções, dinamizadoras da coesão do campo[lii]. Esta coesão que investe identidade no campo tem, para Bourdieu, origem no crédito/crença disseminada pelos sujeitos que através desse liame estreitam o seu vínculo ao campo. A crença, é a malha de segurança  que move o campo na direcção do seu objectivo de monopólio de legitimação, de produção dessa legitimação, num determinado território do espaço social[liii]. Daqui que o campo se constitua como o próprio produtor daquilo que pretende monopolizar; por exemplo, a sagração do artista e da sua obra, que só existem como tal, através do trabalho prévio do campo cultural, que depois "expõe" o seu produto no espaço público.[liv]

 

 

 

7. ConclusãoErro! Marcador não definido.

 

Este capítulo introdutório e de exposição metodológica e conceptual apresentou, por vezes, alguma fragmentação, mesmo na abordagem aos pontos principais que queríamos ver tratados na passagem pelos diversos territórios epistemológicos que atravessamos. Essa fragmentação é o preço que temos de pagar pela extensão dos territórios que abordamos, pela pluridimensionalidade que assume o nosso objecto de estudo — o património.     De qualquer modo, acreditamos que ficou clara a orientação epistemológica desta pesquisa transectorial, o modo como é possível encontrar o suporte-fundamento de articulação deste estudo.

Começámos, neste capítulo, por delimitar as práticas e os campos de saber  envolvidos, adentro da capacidade possível num estudo transversal como este se apresenta, aplicado ao tema específico que o exige. Observaram-se então as formas de instrumentalização e redução que as metodologias das ciências sociais plasmaram de um positivismo reinante e fonte de todas as legitimações discursivas que partilham o seu modelo. Foram igualmente observadas algumas características inerentes à complexidade do campo em análise e o modo como se podem encontrar formas de abordagem, heuristicamente mais rentáveis, no cruzamento de campos de saber tradicionalmente sectorializados.

Em seguida, observaram-se algumas alternativas possíveis em termos do encarrilamento metodológico deste trabalho, a partir das condições prévias conhecidas e assumidas como, por exemplo, o estatuto de complexidade da experiência que se aborda, assim como as formas de localização e rastreamento das fronteiras e relações cruzadas entre o campo em análise, as suas periferias e pontos de relação mais distantes;  isto num modo de espacialização — até uma proxémica — que auxilie o recorte das posições dos elementos, da estrutura relacional que atravessa o campo, e que auxilie igualmente a observação das formas de operacionalidade específicas, práticas próprias do campo, e as formas homólogas aos outros campos em geral.

Encontrada e trabalhada a melhor forma de abordagem ao objecto de investigação, observou-se, ainda que localmente, o campo de onde parte a abordagem, algumas formas de constituição dos elementos que assumem o papel de sujeitos activos nesta investigação. Isto começa pela análise do interesse da ciência e o modo como ela própria, na sua positividade e interesse operativo/produtivo, recorta o seu campo em disciplinas que depois encontram alguma dificuldade em se articular na abordagem às experiências que elege como objecto de investigação. Esta, uma transdisciplinaridade que deve, pelo menos, ser estatuída e assumida para permitir encontrar, nessa transversalidade disciplinar, os melhores processos de navegação, indispensáveis à abordagem de qualquer experiência  que se constitua como objecto de estudo. O ecletismo, por vezes aparente, por vezes real que daqui resulta, é igualmente necessário a esta perspectiva que parte do princípio que a análise da experiência, mesmo localizada, não admite uma sectorialização do seu escopo, dada a forma global como qualquer experiência ocorre e, por analogia, é suposto ser acompanhada pela abordagem científica que a reconstitui. Alguns problemas se destacam nestas considerações, e estes ocorrem particularmente nos processos de procura, levantamento e observação dos objectos de pesquisa; na utilização de "instrumentos de navegação" epistemológica e constrangimentos emergentes; na observação das múltiplas perspectivas envolvidas e da qualidade deste "ecletismo".

O modelo comunicacional que se mostrou, serve apenas de guia aos modos de abordagem à relação e formas de relacionamento dos elementos constituintes da experiência em análise. É igualmente a melhor via que encontramos de, teoricamente, fazer destacar a importância da estrutura de relações comunicacionais e das suas formas específicas de matização numa economia do intercâmbio simbólico. Este modelo destaca precisamente o eixo da relação e da revelação. Como mais à frente veremos, ao entender o património como campo de práticas que se constituem numa experiência relativamente autónoma, de uma outra forma se destaca novamente esse polo da relação.

São a seguir definidos, no âmbito desta abordagem e seu enquadramento teórico, dois conceitos centrais: «experiência» — no seu sentido pluridimensional, e «campo social», no modo como se estabilizam lógicas de legitimação e coerência de procedimentos nos diversos espaços de acção social.

Passamos, de seguida, ao próximo capítulo, onde iniciamos a abordagem às diversas formas de representação do património, em particular as mais definitórias; um trabalho que permite, depois, iniciar o questionamento d"o que se representa" e define — a problematização do património.

 

 

 

 


 


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[i]A propósito desta problemática, ver  Perriault, J. La Logique de l'usage, ed. Flammarion, Paris, 1989, e também Scardigli, V. Les sens de la technique, ed. PUF, Paris, 1992.

 

 

[ii]mais particularmente, como à frente se referencia, uma abordagem ao campo que potencialmente abriga a totalidade dos objectos patrimonializáveis.

 

 

[iii]Esta é a expressão mais exacta que encontro para nomear o trabalho mais exaustivo num espaço alargado; a detecção dos saberes operacionalizáveis sobre este objecto heteróclito. Poderá ser, como mais à frente se pormenoriza e agora se define, o scanning do campo teórico de dispersão do objecto para a constituição de um esboço teórico de conhecimento desse objecto e determinação das possibilidades da sua autonomização enquanto objecto de conhecimento.

 

[iv]É claro que, a juntar ao trabalho qualitativo acima referido, a exaustividade deste trabalho de campo  circunscrita a estes dois géneros de objectos — os filmes e os objectos artesanais — podem, pelo menos na actualidade, operar como amostra qualitativa extensível ao restante estudo.

 

 

[v]Em termos gerais são, essencialmente, a História e a Sociologia da Ciência que se preocupam com esta questão, no momento em que inventariam e investigam o cumprimento de metodologias gerais ou individuais, quando procuram seguir os percursos originais dos investigadores que se destacaram por alguma criação original e socialmente bem recebida.

 

[vi]James Joyce foi o responsável pela conversão deste termo cristão —"epifania"— em termo crítico, tendo passado ao uso comum no campo literário, significando algo como "momentos de clarividência evanescente" sobre um determinado tópico.

 

 

[vii]Entendido como o espaço que delimita o conjunto de práticas e procedimentos que o congregam a partir da definição que fazemos dos seus elementos constituintes; o conjunto de relações que se organizam produzindo uma dada figura. A noção de "Campo", contrapõe-se, pela sua dinâmica, à noção de "Objecto" que define essencialmente a identidade de uma figura de relações que se apresentam como não sendo problemáticas ou problematizáveis. Podemos entender  aqui por "campo" o modo como se organizam as relações com um determinado perfil formando uma figura específica, identificável especialmente pelas características das relações que a constituem.  Quando essa figura se cristaliza numa identidade não problemática, já "corporificada pelo social" num nome ou numa imagem, então temos um "objecto".

Á frente, a noção de "campo" é aprofundada, na sua articulação com a noção de "experiência"*(ref)

 

 

[viii] Vale a pena citar uma referência tão manifesta sobre esta questão como é a de Raymond Williams ao precisar os modos por que deve enveredar uma sociologia da cultura ao abordar os diveros objectos que lhe cabem em tarefa.

"A sociologia da cultura, (...) deve pois levar em conta a diversidade tanto histórica quanto contemporânea. É importante reter toda a extensïo da classificaçïo provisória de instituiç¢es e tipos de relaç¢es, como instrumentos para análises específicas, e nïo trabalhar com as fórmulas (pré-sociológicas) de "o artista" e "seu público", ou "a superestrutura cultural" e "a base económica". De facto, é simultaneamente a história social em mudança e a complexa sociologia das instituiç¢es e relaç¢es em mudança que nos levam, para além dessas formas, à possibilidade de uma análise mais precisa."

                 Cultura, Raymond Williams, ed. Paz e Terra, S. Paulo, 1992 p.55,   or. Culture, ed.Penguin,              1988

 

"Há limites decisivos de coerência lógico-argumentativa, de operacionalidade heurística e explicativa e de compatibilidade entre interpretações; repudiemos, portanto o ecletismo sem regra. Mas, dentro desses limites, os paradigmas utilizáveis não são estanques, não são incomunicáveis; e nenhum deles está definido uma vez por todas. Recusando vincular-se a qualquer corpo de dogmas(...)Gostaria, pois, de conservar uma ampla margem de liberdade face às localizações teórico-institucionais, para explorar melhor os caminhos da reelaboração de abordagens analíticas dotadas de um elevado grau de generalidade. (...)interessa observar as dinâmicas através das quais, em diversos contextos socioculturais, diversos grupos e instituições vão estruturando e reestruturando o território da cultura, vão construindo representações acerca do que seja a cultura, vão criando e transformando campos e agentes especializados, identificados como culturais - todas essas dinâmicas produzindo factos culturais num segundo sentido."

Tempos Cruzados, um estudo interpretativo da cultura popular, Augusto Santos Silva, ed. Afrontamento, Lisboa 1994, pps 9,16.

 

[ix]"Les Topologies de la Culture", George Steiner, in Après Babel, ed. Albin Michel, Paris, 1978,  p.382

 

 

[x]Esta maneira de ver o real, que é hoje chamada Holismo (ver Holism: a shopper's guide, by Jerry Fodor & Ernest Lepore, ed. Basil Blackwell, Londres 1992), tinha para Peirce outro nome; Sinequismo, um termo que ele aplicava ao princípio de continuidade que considerava operante em todas as formas de continuidade, noção que havia já sido engendrada por Herbart, uns anos antes (in ibid, Kurze Enciclopadie der Philosophie, 1841). Viriam, uns anos depois, as teorias da física quantica, baralhar e dar de novo, particularmente na excitação de dois choques com as representações vigentes:

1- O da não separabilidade, segundo o qual, as particulas continuam em contacto permanente, independentemente da distância ou da relação de causa que as separa.

2- A existência de uma rede dinâmica de elementos interligados — as particulas sub-atómicas — que, enquanto entidades abstractas, em nada se parecem com os objectos consistentes da física clássica, mantendo no entanto o seu estatuto de interconexão de coisa com coisa, mesmo sem localização precisa. 

 

 

[xi]"A contaminação do sentido", em Ardis da Comunicação, H-P Jeudy, ed. Imago, Rio de Janeiro, 1990, p.13

 

 

[xii]Entre os problemas que se nos colocam no processo de pesquisa por esta via, este é um dos mais candentes e curiosos: como é que se articulam, fazem articular, instrumentos de pesquisa provenientes das várias ciências humanas, boa parte delas de morfologia tão diversa? Como se articulam instrumentos científicos que apresentam, por vezes, formas de validação dos seus resultados, tão díspares. Este problema pôs-se aos filósofos desde o início da modernidade e exerce uma sedução que creio inerente à faceta instrumental que a sua resolução oferece. Essa resolução passaria pela criação de um dispositivo científico de "interface" entre as várias ciências capaz de emular/compatibilizar os resultados provenientes das diversas áreas. Nos dois últimos séculos não têm faltado candidatos atarefados neste labor, mas o que acontece é, nas poucas produções de sucesso, a criação de mais uma área, particularmente no vasto campo das Ciências Humanas e Sociais. Este é um ponto ciclicamente tocado neste trabalho sempre que se torna relevante destacar a espacialização epistemológica para efeitos de localização de um objecto ou vectores de abordagem ao mesmo. "Mais, inversement, l'ouvre d'art connaît un autre type de dissolution puisque la prétension d'en maîtriser la richesse et la complexité conduira à la viser de façon multiple par des méthodes et des procédures analytiques hétérogènes, relevant des problématiques théoriques différentes, sans que soit fournie, voire élaborée, une problématique de deuxième ordre, une métaméthodologie opérant théoriquement l'intégration de ces différentes méthodes dans l'unité d'un objet signifiant construit scientifiquement."

                "L'ouvre d'art et les sciences humaines", Louis Marin, Enc. Universalis , Vol.17, p.123

 

[xiii]"C'est parce que, dans notre culture, un tableau, une sculpture d'abord et principiellement se regardent, que la connaissance qui en sera prise(...) sera d'abord et principiellement d'interprétation et de déchiffrement d'un ensamble de relations de communication symbolique."

"L'ouvre d'art et les sciences humaines", Louis Marin, Enc. Universalis , Vol.17, p.122

ver, à frente, património e espectacularização*.(ref)

 

[xiv]Voltamos ao processo de sectorialização da ciência e  pulverização do social que Marc Guillaume aqui muito bem expressou já há duas décadas:

"Or le cloisonement actuel des sciences humaines n'est pas admissible scientifiquement. Même en réalisant une synthèse de différents approches séparées on ne reconstitue pas une image satisfaisante du fonctionnement social. En réalité, ce cloisonnement assure seulement un fonctionnement gratifiant des différentes communautés intellectuelles associées à ces disciplines séparées. Il reproduit, dans le champ scientifique, léclatement de l'homme en diverses fonctions sociales(...)."Le Capital et son Double, Marc Guillaume, ed.PUF, Paris, 1975, p.11

 

[xv]isto é, transformação, transfiguração, produção, gestão, adaptação etc, todo o tipo de operações a que o tempo, apreendido sob a forma do mais diverso tipo de temporalidades,  se sujeita.

 

[xvi]"A desintegração cultural pode muito bem vir a ser o resultado da especialização cultural e essa é a mais radical desintegração que uma sociedade pode sofrer. Não é a única espécie de desintegração, nem é o único aspecto sob o qual a desintegração pode ser estudada, mas seja qual for a causa ou efeito, a desintegração de uma cultura é a mais difícil e séria de reparar.(...) p. 26 T.S.Eliot  T.S. Eliot

"Notes Towards a definition of culture"ed.  or. Faber and Faber, 1962

"Notas para a definição de cultura"

Zahar ed., Rio de Janeiro, 1985

 

 

[xvii]Sobre isto ver A Estrutura das Revoluções Científicas, T.S. Kuhn, ed. Un. de Brasília, 1979, or. The Structure of Scientific Revolutions, ed. The University of Chicago Press, Chicago, 1970.

 

[xviii]É conhecida a conflitualidade e a força cristalizante exercida pela generalidade das ciências portadoras do modelo positivista e pelas aspirantes a tal. Um retrato razoavelmente nítido das premissas que estão na origem desta força é-nos oferecido por Voegelin: "A destruição causada pelo positivismo é consequência de duas premissas fundamentais. Em primeiro lugar o esplêndido desenvolvimento das Ciências Naturais foi responsável, juntamente com outros factores, pela premissa segundo a qual, os métodos utilizados nas ciências matematizantes do mundo exterior possuíam uma virtude inerente, razão porque todas as demais alcançariam êxitos comparáveis se lhe seguissem o exemplo e aceitassem tais métodos como modelo.(...)Ela tornou-se perigosa por se haver combinado com uma segunda premissa, qual seja a de que os métodos das ciências naturais constituíam um critério para a pertinência teórica em geral"

A Nova Ciência da Política, Voegelin, Eric. Brasília, 1982, p.19

A partir daqui, toda a cientificidade de um trabalho viria a ser aferida pela proximidade de tal modelo.

 

[xix]"cada ciência social (...) constrói, produz activamente o seu próprio objecto científico, e é produzindo-o e reproduzindo-o metodicamente ao longo do tempo, que historicamente se configura, singulariza e destrinça das demais.(...) a experiência revela que, a respeito de um mesmo "objecto real" e sob a alçada de uma mesma ciência social, se podem construir vários "objectos científicos", vários esquemas conceptuais, não apenas diferentes uns dos outros, mas até visivelmente contraditórios."  Questões Preliminares sobre as Ciências Sociais, Adérito Sedas Nunes ed. Presença, 11ª ed. 1994  p.19

 

 

[xx] Sem compromisso, ver Visitas ao Poder, Maria F. Mónica, ed. Quetzal, Lisboa 1993. ver entrevista "O respeitinho é muito feio", Jornal de Letras nº 581, 24 a 30 de Agosto, em capa "Ela visitou as instituições..."

 

 

[xxi]"Eficiência" é um termo bastante colonizado pela ratio instrumental mecanizada que denunciamos, mas é o termo que na sua componente semântica abstracta melhor evoca a optimização das funções institucionais conforme estas se determinam na fundação das próprias instituições e do seu rendimento social numa ideal economia do "bem-estar".

 

 

[xxii]O modo como os objectos circundantes e, enfim, o mundo próximo enquanto superfície/suporte suporte de vida determinam a constituição da nossa perspectiva e modos de visão em geral, é particularmente destacado nos primeiros trabalhos de Bourdieu sobre os Kabylia na Argélia, trabalhos que vieram depois a influenciar todo o seu pensamento posterior relativamente à projecção da ordem, forma e transcendências dos artefactos na vida do Homem. Já não é só a importância da fisicalidade do objecto enquanto força de impressão na memória cultural do sujeito, é essencialmente o modo como os objectos do ambiente quotidiano marcam permanentemente a sua presença simultaneamente enquanto força material e simbólica. O resultado desta dinâmica dialéctica vai construir aquilo que Bourdieu veio depois a chamar um Habitus, um dos conceitos mais férteis por si desenvolvidos.

 

 

[xxiii] É incrível a contemporaneidade de algumas observações feitas ainda nos finais do século passado, como estas que se destacam em Simmel, e o modo como atravessam os campos culturais, da mais humilde quotidianeidade na nossa relação com os objectos, chegando até à pesquisa científica. "He notes the self-perpetuating nature of modern mass production "Thus vast supplies of products come into existence which call forth an artificial demand that is senseless from the perspective of the subject's culture", and argues that just as academic pursuits such as philology and archaeology, which start with certain aims, may develop as methods creating infinite classificatory refinements for their own sake, so people may become the mere instrument of that which they originaly developed...".in The Conflict of Modern Culture and other essays, Georg Simmel, ed. New York Teacher's College Press, N.Y., 1968, citado em Material Culture and Mass Consumption, Miller, D., ed. Basil Blackwell, Londres, 1992, p.4

 

 

[xxiv]"scanning"  é a expressão anglo-saxónica que pode ser traduzida por "rastreio", mas que por restrições do seu uso em português, não atinge a dimensão semântica do inglês; tanto que o calão informático quotidiano já tratou de importar o verbo "scanear". Este sentido é revelador da dimensão maquínica e electrónica do processo, implicando as suas componentes de eficiência e cobertura total do território a ser "scaneado/rastreado", com um mínimo de falhas ou perdas de informação.

 

 

[xxv]  Para mais pormenores, ver La Descodificacion de la Vida Cotidiana, Jose I.Ruiz Olabuenaga, Maria Antonia Ispizua, ed. Universidad de Deusto, Bilbao, 1989, particularmente pps.70,72,76. Ver, igualmente,  Local Knowledge: Further Essays in Interpretive Anthropology,Clifford Geertz, ed. Basic Books, N.Y., 1983. e The Interpretation of Cultures, ed. Hutchinson, London, 1975.

 

 

[xxvi] Aqui a assinalar a necessidade de recuperação de todos os momentos que possam propiciar a des-coberta de elementos enriquecedores para o trabalho teórico e de levantamento.

 

 

[xxvii] A metáfora é extraída das ciências "mais" exactas, mas a abordagem à concretude do objecto näo é.

 

 

[xxviii]"A natureza especializada do moderno conhecimento pericial contribui directamente para o carácter errático e fugidio da modernidade.(...) Os esforços de resolução de problemas pelos peritos tendem muitas vezes a serem medidos pela sua capacidade de definirem assuntos com crescente clareza e precisão (qualidades que por seu lado têm o efeito de produzirem mais especialização). No entanto, quanto mais um dado problema é delineado com precisão, tanto mais as áreas de conhecimento circundantes se desfocam para os individuos envolvidos e tanto menos é provável que sejam capazes de prever as consequências das suas contribuições para lá da esfera particular da sua aplicação.",

Modernidade e Identidade Pessoal, Anthony Giddens, ed. Celta, Lisboa 1994, pps 27,28.

 

 

[xxix]Os outros constrangimentos que é preciso referir e que condicionam igualmente a investigação, os campos e o nível de profundidade e extensão com que os atravessa, são o tempo e as possibilidades/capacidades de acesso deste agente da investigação. Este é um ponto que até os melhores projectos de pesquisa contemporâneos negligenciam; as limitaçöes humanas e contextuais, pura e simplesmente não são reconhecidas e assumidas, ou então, em boa parte dos casos, são imputadas a agentes externos enquanto bloqueadores da execução do projecto.

 

[xxx]objecto, aqui, no sentido do que se constrói a partir do recorte dos fenómenos abordados, da generalidade dos elementos articulados na rede morfológica constituinte desse objecto do conhecimento.

 

 

[xxxi]-Este é um conceito vigente no campo da arquitectura e que, como outros que aqui väo aparecer, é investido do sentido metafórico e expositivo - pela força da sua imagem conceptual. Com volumetria  quero, essencialmente, aqui dar corpo à capacidade  de deslocaçäo/movimento dos sujeitos no espaço tridimensional que envolve o objecto. 

 

 

[xxxii]ver A Estrutura das Revoluções Científicas, T.S. Kuhn, ed. Un. de Brasília, 1979, or. The Structure of Scientific Revolutions, ed. The University of Chicago Press, Chicago, 1970.

 

 

[xxxiii]Ver ponto 5.1, neste capítulo, acerca da noção multidimensional de «experiência».

 

 

[xxxiv]"Jeux discrets, presque imperceptibles et donc toujours négligés par l'analyse historique ou sociologique. Et pourtant ces pratiques furtives et ordinaires ménagent dans la quotidienneté des espaces de secret, d'oubli et de ruse qui, précisément, rendent cette quotidienneté vivable. En même temps, elles proposent un éclairage nouveau sur les forces qui son à l'oeuvre dans les dispositifs collectifs de conservation et dans l'idéologie qui leur est associée. (...)" La politique du patrimoine, Marc Guillaume, editions galilée, Paris 1980

 

 

[xxxv]Le paradigme esthétique la sociologie comme art, Michel Maffesoli, Sociologie et sociétés, vol XVII, nº2, Octobre 1985, p.34

 

 

[xxxvi]cont. "...o facto de a nossa época ser marcada por este lugar central dos dispositivos da informação na organização planetária da vida colectiva, mais do que um factor, pode ser antes considerado como um dos reflexos da nova ideologia comunicacional...Neste sentido, o ideal da comunicação é hoje encarado de maneira positiva como abertura de um espaço caleidoscópico de composição, não só da pluralidade de razões técnico-científicas que pretendem impôr-se como leituras legítimas da realidade, mas também das posturas anti-racionalistas que formaram, ao longo dos últimos três séculos, o seu negativo. (...) O facto de o seu discurso ser de natureza predominantemente quiasmática permite-lhe associar logicamente todos os contrários e apresentar-se sobretudo sob uma forma estética, autónoma em relação às fundações ontológicas e éticas dos ideiais modernos de progresso.(...) As pretensões consensualistas da implantação de uma sociedade da comunicação generalizada, por seu lado, revelaram-se como mais uma forma de o arbitrário institucional se legitimar, como uma forma doce ou soft do apagamento sistemático, não dos mecanismos da dominação, mas das suas marcas mais visíveis..."

"A Comunicação, Ideologia do Nosso Tempo",Comunicação e Cultura, Rodrigues, A.D., ed. Presença, Lisboa, 1994, p.13-16.

 

 

[xxxvii]Sobre o desenvolvimento destes estudos, ver igualmente "Perspectivas dos Estudos Modernos da Comunicação" em ,Comunicação e Cultura, Rodrigues, A.D., ed. Presença, Lisboa, 1994, p. 40-46.

 

 

[xxxviii]La Distanciation — Essai sur la Société Médiatique, Michel, J., ed. L'Harmattan, Paris, 1992, p.7.

 

 

[xxxix]Sobre este assunto aqui central, a lista é vasta, mas não podemos deixar este ponto sem ordenar alguns bons documentos que a ele se dedicam. Estes, por serem os mais acessíveis, e por abordarem as questões comunicacionais nas suas diversas vertentes:

 

Estratégias da Comunicação, Rodrigues, A.D., ed. Presença, Lisboa, 1990;

Analítica da Actualidade, Bragança de Miranda , J.B., ed. Vega, Lisboa, 1994;

A Teoria dos Media, Inglis, F., ed. Vega, Lisboa, 1994;

Introdução ao Estudo da Comunicação, Fiske, J., ed. Asa, Porto, 1993;

A Improbabilidade da Comunicação, Luhmann, N., ed. Vega, Lisboa, 1992;

A Comunicação como Processo Social, Bitti,P.R., Zani, B., ed. Estampa, Lisboa, 1993;

Crítica da Comunicação, Sfez, L. ed. Inst. Piaget, Lisboa, 1994;

Understanding Media, McLuhan, M., ed. McGraw-Hill, N.Y., 1964; trad. brasileira, Os Meios de Comunicação, ed. Cultrix, S.Paulo, 1979.;

La Communication, Baylon,C., e Mignot, X., ed. Nathan, Paris, 1991;

A Dictionary of Communication and Media Studies, Watson, J., & Hill, A., ed. Edward Arnold, London, 1993;

La Communication, Sfez, L., ed. PUF, Paris, 1991;

Dictionnaire encyclopédique et critique de la communication, ed. PUF, Paris, 1992;

La Communication: une interrogation philosophique, Reseaux, ed.CNET/CNRS, Paris, 1991;

Cours de Mediologie Générale, Debray, R., ed. Gallimard, Paris, 1991;

Manifestes Médiologiques, Debray, R., ed. Gallimard, Paris, 1994;

Mass Communication - A sociological perspective, Wright, C.R., ed. Random House, N.York, 1986;

 

 

[xl]Observe-se como Simmel, por exemplo, aqui defende a necessidade tanto da espacialização como da globalização do entendimento para se perceber a noção de cultura: "...aussi l'évolution de chaque être humain(...)apparaît-elle comme un faisceau de lignes de croissance, partant dans les directions le plus diverses pour des parcours de diverses longueurs: Mais ce n'est pas avec elles, dans leurs accomplissements singuliers, que l'homme se cultive: c'est seulement lorsqu'elles sont signifiantes pour - ou en tant que - le développement de l'indéfinissable unité de la personne. Ou, en d'autres termes: la culture, c'est le chemin que va de l'unité close à l'unité déployée, en passant par le déploiement de la multiplicité."(...) La culture naît - et c'est ce qui est finalement tout à fait essentiel pour la comprendre - de la rencontre de deux éléments, qui ne la contiennent ni l'un ni l'autre: l'âme subjective et les créations de l'esprit objectif." "Le concept et la tragédie de la culture", in "La Tragédie de la Culture et autres essais" Georg Simmel, ed. Rivages,Paris, 1988.pps. 180,182 or."Der Begriff und die Tragodie der Kultur" 1911, in Philosophishe Kultur, op. cit.,p.183-206.

 

[xli]Num sentido que se pretende distante dos "holismos catalogados". Este volta a reverter aqui para a mesma questão da perspectiva global inevitável a esta problemática.

 

 

[xlii]"O verdadeiro sujeito, promovido a actor da comunicação, deve manifestar seu desejo interactivo! Toda a vida social pode ser investida como a produção maciça de interactividade.(...)Os fanáticos pela interface fazem do encontro entre o homem e a máquina uma questão de encantamento e de osmose. Fruto da comunicação tecnológica, a interface torna-se o grande símbolo da união, para além de qualquer oposição entre as redes."  Ardis da Comunicação, H-P Jeudy, ed. Imago, Rio de Janeiro, 1990, p.73

 

 

[xliii]Para a crítica à teoria reticular, ver "As tecnologias do espírito" em Crítica da Comunicação, Lucien Sfez, ed. Inst. Piaget, Lisboa 1994, pps.257-268. Ver ainda em A Condição Pós-Moderna, "O campo: o saber nas sociedades informatizadas", J-F Lyotard, ed. Gradiva, Lisboa, 1986, pps.11-18

Ver igualmente "O Modelo da Comunicação Reticular", em Cultura e Comunicação, Rodrigues, A.D., ed. Presença, Lisboa, 1994, p. 133

 

 

[xliv]É natural que esta "arrumação" não passasse pela cabeça de Louis Marin na altura em que produziu este texto, mas já lá estavam algumas das posições aqui expressas, particularmente no modo como é preciso perceber o trabalho teórico nas distâncias que administra e nos modos como se contamina conceptualmente no seio das práticas que analisa: "Nous sommes donc conduits non seulement à faire apparaître la distantiation "théorique" initiale du sujet entendant, voyant, percevant, bref de la réception interprétative, mais encore les "fonctions pratiques" que les produits conceptuels et opératoires de cette distantiation occultent ou se subordonnent. Il s'agit dès lors de produire théoriquement la production ou les formes de production des produits culturels et en particulier des produits de l'art."

"L'ouvre d'art et les sciences humaines", Louis Marin, Enc. Universalis , Vol.17, p.123

 

[xlv]Recorrente neste trabalho é o processo da espacialização dos saberes e os diversos modos de o fazer. Sem recorrer a geometrias complexas, outras que a euclidiana, é possível pensar/imaginar uma volumetria tridimensional e, em certos casos, até uma quarta dimensão (temporal), como éter de suporte para  este mapeamento aproximado.

Esta é uma questão, uma problemática de dois gumes: por um lado, a espacialização e outras operações de localização e colocação dos saberes podem ser entendidas a bem  pela ajuda heurística que prestam na clarificação de algumas noções e relações entre as mesmas. Podem, por outro lado, ser entendidas a mal , acusadas do pendor objectivista de que podem enfermar.

 

 

[xlvi]"L'ouvre d'art et les sciences humaines", Louis Marin, Enc. Universalis , Vol.17, p.126

 

[xlvii]Analítica da Actualidade, Bragança de Miranda, J., ed. Vega, Lisboa, 1994, p.30

 

 

[xlviii]"A experiência quotidiana poderia, na melhor das hipóteses, ser compreendida (erklaren), a partir de procedimentos empáticos que pressupõem a capacidade do observador se colocar no lugar do observado, mas jamais poderia vir a ser racionalmente justificada (verstehen), à semelhança do que acontece com a ciência dos fenómenos da natureza. Só a poderíamos explicar racionalmente se constituísse um mundo objectivável, exterior ao nosso próprio mundo objectivo."

"Para uma sociologia fenomenológica da experiência quotidiana", em Comunicação e Cultura, Rodrigues, A.D., ed. Presença, Lisboa, 1994, p.86.

 

 

[xlix]Em Analítica da Actualidade, J. Bragança de Miranda dedica  três longos capítulos  — toda a primeira parte do seu trabalho — a uma meticulosa analítica da experiência, que passam no capítulo I pela "Teoria da Experiência" (p.23) e a crítica do saber adquirido acerca da experiência; no capítulo II por "Experiência e crise" (p.69) numa abordagem centrada na crise enquanto passagem caracteriada pela ausência de fundamentos estáveis e formas de experiência específicas; e no capítulo III pela "Constituição da Experiência" (p.113), análise das formas de estabilização dos quadro da experiência que se cristalizam e posteriormente agenciam todo o processo histórico.

 

 

[l]Analítica da Actualidade, Bragança de Miranda , J., ed. Vega, Lisboa, 1994, p.114

 

 

[li]Ver, BOURDIEU, P., Questions de Sociologie, ed. de Minuit, Paris, 1982,  pps.113-115

Leçon sur la Leçon, ed. de Minuit, Paris, 1982,  pps. 37-39  e  46-47.

 

 

[lii]"Les champs se présentent à l'appréhension synchronique comme des espaces structurés de positions (ou de postes) dont les proprietés dépendent de leur position dans ces espaces et qui peuvent être analysées indépendamment des caractéristiques de leurs occupants (en partie déterminées par elles).(...) Un champ, s'agirait-il du champ scientifique, se définit entre autres choses en définissant des enjeux et des intérêts spécifiques, qui sont irréductibles aux enjeux et aux intérêts propres à d'autres champs (...) et qui ne sont pas perçus de quelqu'un qui n'a pas été construit pour entrer dans ce champ. (...) Pour qu'un champ marche, il faut qu'il y ait des enjeux et des gents prêts à jouer le jeu, dotés de l'habitus impliquant la connaissance et la reconnaissance des lois immanentes du jeu, des enjeux, etc."               Questions de Sociologie, Bourdieu, P. ed. de Minuit, Paris, 1982,  p.113.

 

 

[liii]Ao explicitar os modos de estabilização da experiência na Modernidade, J. Bragança de Miranda expõe três formas  de constituição da experiência enquanto síntese, nas quais se enquadra a síntese de institucionalização. Esta elucidaria transversalmente esse processo de constituição "permitiria reconstruir toda uma série de processos de institucionalização que topologizam a experiência, criando um espaço de variação que vai das diversas instituições (escolas, famílias, empresas, associações, etc.,) — o seu nível mais empírico e imanente — passando pela sua estruturação em «campos sociais», até ao espaço público (Offentlichkeit) — o seu nível mais abstracto e transcendental.

Analítica da Actualidade, Bragança de Miranda , J.A., ed.Vega, Lisboa, 1994, p.142

 

 

[liv]Relativamente às condições sociais que tornam possível o monopólio da legitimidade, Bourdieu acrescenta: " Apparemment sans merci, ils sauvegardent l'essentiel: la conviction qu'y investissent les protagonistes. La participation aux intérêts constitutifs de l'appartenance au champ (qui les péssuppose et les produit par son fonctionnement même) implique l'acceptation d'un ensamble de présupposés et de postulats qui, étant la condition indiscutée des discussions, sont, par définition, tenus a l'abri de la discussion. (...) on peut mettre en suspens l'idéologie charismatique de la "création" qui est l'expression visible de cette coyance tacite et qui constitue sans doute le principal obstacle à une science rigoureuse de la production de la valeur des biens culturels. (...) Il suffit de poser la question interdite pour apercevoir que l'artiste qui fait l'oeuvre est lui-même fait, au sein du champ de production, par tout l'ensamble de ceux qui contribuent a le "découvrir" et a le consacrer en tant qu'artiste «connu» et reconnu. Il (le commerçant d'art, l'editeur) contribue à faire la valeur de l'auteur qu'il déffend par le seul fait de le porter à l'existence connue et reconnue, d'en assurer la publication en lui offrent en garantie tout le capital symbolique qu'il a accumulé et de lui faire ainsi entrer dans le cycle de la consécration qui l'introduit  en des compagnies de plus en plus choisies (...)"

"Le marché des biens symboliques", Les Regles de l'Art, Bourdieu, P. ed. SEIL, Paris, 1992, p.237-238.