Objectos Indutores e Formação do Valor
Eduardo Jorge
Esperança
"Ninguém ignora - nem
mesmo os economistas - que o mercado da arte, antigo ou contemporâneo, é uma
construção extremamente sofisticada e que a primeira realidade a analisar é a
sociológica. O preço ratifica com efeito um trabalho não económico de
credibilização sobre o plano estético, um trabalho de homologação realizado
pelos especialistas, historiadores, teóricos e críticos de arte, conservadores
de museu, profissionais da arte de todos os géneros. A certificação do valor artístico de uma obra particular, operada
pelos experts (...) intervém num momento chave no processo de construção do
valor artístico, quer se trate da entrada da obra no museu, ou do seu leilão.
Reduzindo a incerteza sobre o valor das obras, a certificação do valor de arte
pelos experts é um meio de corrigir a assimetria da informação característica
dos mercados de arte."
Traduzido de De La Valeur de
L`art, Raymonde Moulin, ed. Flammarion, Paris, 1995, p. 256
Dentro das
condições de constituição e manutenção do Espaço Público, observa-se a
existência de
uma experiência inerente a este espaço que impõe condições de visibilidade.
Condições de um determinado tipo, daí
emergindo a necessidade de exposição e acesso ao próprio espaço público. "Remontando historicamente
ao Iluminismo, a preocupação Moderna com a aparência é sinal da necessidade
imperativa de controlar o aparecer, numa situação permanentemente assolada pelo
inesperado, onde tudo o que aparece fora do ontrolo humano, surge como
catástrofe ou como acidente. (...)A invasão do Espaço Público pela cultura
mediática, a tecnologização das formas de mediação, a acelerada Bilderstreit que ataca a centralidade da
palavra, a explosão das categorias políticas clássicas(...) Apesar das semelhanças formais com a agora grega, há uma diferença que se
revela decisiva: o espaço público é abstracto e ldeslocalizado, tendo limites
extremamente flutuantes, o que não acontecia no «espaço» grego ou medieval, que
era concreto e localizado."[1]
Fazendo a
generalização possível, para o acesso ao valor e formas de valoração inerentes
e exigindo exposição no Espaço Público, os objectos "candidatos" a
essa forma de exposição e valoração, sujeitam-se aos constrangimentos de adequação às morfologias específicas que cada medium impõe.
Destaca-se,
assim, a capacidade intrínseca de adequação de cada objecto a um dado medium.
Existirão objectos que, pela própria morfologia original, parecem talhados para
o sucesso num determinado tipo de medium. Por exemplo, um objecto
simbólico-ideológico, símbolo/ideia enformada
pela palavra que lhe dá corpo, será necessariamente um "objecto"
com estatuto de privilégio na imprensa escrita. O mesmo não acontece com o
mesmo objecto incorporado na palavra e na linguagem ao emergir num medium
imagético como a televisão - no caso da palavra, esta terá de ser embrulhada,
"packadged", com imagens -
para ter acesso ou ser acedida num medium de imagem.
Observa-se,
por vezes, alguma inépcia dos produtores publicitários quando se nota a sua
negligência relativamente a este factor - a morfologia da palavra escrita -
essencialmente imagética, não é a mesma da palavra falada, que produz uma
imagem fonética. Há nomes que são agradáveis de ver escritos e horríveis de
ouvir, e vice-versa. O meio não será a mensagem em termos absolutos, mas a
mensagem/sinal que não tiver em conta o meio, arrisca-se a não chegar ou chegar
mal ao receptor.
Mas, qual é
hoje a ordem do privilégio? Que formas
de expressão e objectos mais adequados saem hoje beneficiados, perante o
panorama mediático que se nos apresenta?
Sem grandes
contestações, podemos observar uma morfologia que se caracteriza por implicar:
1 - a
necessidade impressiva da imagem;
2 - a
necessidade de performatividade;
Uma cruza-se
com a outra. Só por razões heurísticas as separamos. A imagem impressiva tem
implicada, entre outras, a performance da impressão; por outro lado, é difícil
perceber a performatividade num qualquer processo que envolva acção, sem prévia
impressão.
A ordem da
performatividade determina aqui O QUE É CAPAZ/ o que age/ consegue;
Observa-se na
contemporaneidade um império do valor
da performatividade na acção —
grande auxiliar do operador técnico e das suas lógicas de valoração. Só no fim
desta cadeia de constrangimentos se pode perceber qualquer fenómeno de
conversão de valores, (tendo como plataforma os media).
A
Morfologia espectacular da mediação —
a evolução
para um novo modelo da visibilidadeErro! Marcador não
definido.
O
espectacular, caracterizado enquanto a operacionalização do que é dado a ver, como factor, ocupa um lugar de destaque na
"montra" do espaço público contemporâneo. Para abordar mais
practicamente esta questão podemos, por exemplo, observar na preponderância dos
edifícios, que hoje recebem o nome técnico de "património ou parque
edificado", o modo como são contabilizadas todas as dimensões de espectacularidade: as dimensões inerentes ao modo
objectal/objectivo como o edifício se corporifica na sua presença envolvente;
as dimensões temporais em que o mesmo se presentifica ao sujeito como
palimpsesto dos tempos e dos usos a que foi sujeito. O edifício é, à partida,
um objecto passível de espectacularização. De entre as criações do homem, esta
é um dos suportes ideais para tudo o que pode ser oferecido ao olhar, numa
altura em que o olhar é um acto preponderante e valorizado na constituição das
diversas práticas sociais que se desenrolam no quotidiano actual. A própria
noção de património enquanto expressão abrangente, cobre um conjunto de factores
e adquire uma dinâmica, por entre as situações e os objectos que dão a cara,
que se mostram e se constituem ao olhar como espectáculo.[2]
Por exemplo, o
Património, integrado no pelouro da cultura, não se afasta da lógica de
espectacularização, antes pelo contrário. A especificidade do campo, todo ele
constituído por objectos de maior ou menor porte, mas todos potencialmente
espectacularizáveis, é uma fonte de exposição e "preenchimento da
face" frente a um espaço público ávido de imagem. Em Portugal há exemplos
de sobra relativamente ao predomínio da acção espectacularizável, em prejuízo
da acção menor ou neutra em termos espectaculares. A começar pelo investimento
no Centro Cultural de Belém, e depois na EXPO 98, com toda a polémica gerada e
vigente, e cuja observação sociológica daria, decerto, um trabalho volumoso;
ou, em organismos menores em que estivemos envolvidos, como o Arquivo Nacional
de Imagens em Movimento, que só arrancou quando, por persistência, foi possível
convencer a tutela de que não há museu sem arquivo, também no caso do cinema,
pois a parte mais importante são os filmes a recuperar.
Também no caso
da avidez mediática e de espectáculo, a observação sociológica é obrigada a
cruzar e perceber a economia eleitoral com a psicologia política dos sujeitos
no poder, cuja orientação é regida pela permanente construção de uma imagem
pública securizante dos seus actos executivos e políticos. É a esta imagem que
o político português presta cada vez mais atenção, ora rodeando-se de
especialistas, ora produzindo uma "bricolage" (do-it-yourself), que
vai do genial ao desastroso, consoante a capacidade mediática da personalidade.[3]
Praticamente
toda a vida das sociedades nas quais se sustentam as condições modernas de
produção pode ser observada como uma enorme acumulação de espectáculos; o que é dado a ver, se expõe e assume essa como a sua
primeira função. Toda a vivência directa do mundo se afasta para dar lugar à representação.[4] A encenação e o espectáculo não podem ser compreendidos como o
abuso de um mundo da visão, o produto das técnicas de difusão massiva de
imagens. Ele é bem mais uma Weltanschauung tornada efectiva, materialmente traduzida. É
uma visão do mundo que se objectivou nos locais e corpos mais propícios à
exposição.
"O
carácter fundamentalmente tautológico do espectáculo decorre do simples facto
de os seus meios serem ao mesmo tempo a sua finalidade.(...) O espectáculo
apresenta-se como uma enorme positividade indiscutível e inacessível. Ele nada
mais diz senão que "o que aparece é bom, o que é bom aparece. A atitude
que ele exige por princípio é esta aceitação passiva que, na verdade ele já
obteve pela sua maneira de aparecer sem réplica, pelo seu monopólio da
aparência."[5] Somos convidados a reparar
em alguns elementos homólogos que emergem na cena do Património. O edifício que
se restaura e ilumina; o objecto que se expõe no museu ou na galeria; a peça ou
o concerto (espectaculares) que se levam à cena no "Centro Cultural"
em salas contíguas àquelas em que se expõem objectos; enfim, a
"cultura" que se espectaculariza.
A própria
teoria e acordos mundiais acerca dos procedimentos de restauro de edifícios e
obras de arte, passa pelo privilégio da imagem do objecto, da percepção da
exterioridade do corpo do objecto que se deve manter, o que é mais que meio
caminho andado para a potencialidade espectacular do objecto
restaurado."La consistencia física de la obra de arte debe tener
necesariamente prioridad, porque representa el
lugar mismo de la manifestación de la imagen."[6] Isto para não falar nos constrangimentos económicos que não vão
decerto permitir um investimento pesado de restauro, sem a garantia de uma
rendibilidade posterior, que passa pela exploração espectacular.[7]
Os próprios
media, que atrás observámos, se enquadram totalmente nesta lógica da
imagem-visão, mesmo quando na ritualidade dos seus procedimentos, lhe chamamos
"transparência".[8] De algum modo, podemos considerar as diversas formas e dispositivos de espectacularização nos campos da
cultura e do património como agentes mercadológicos dos bens espectacularizados;
um agenciamente que vai interferir na génese
do valor desses bens, tanto dentro como fora do campo.
É preciso
então ter em conta a dimensão de espectacularidade que se torna cada vez mais
candente no espaço público, na força da imagem que o bem veícula. Existirão
assim, conforme a morfologia do objecto, envolvimentos experiênciais mais e
menos espectaculares. Algo que vai determinar
a força axiológica desse objecto e experiência específica a ele associados.
Torna-se por isso importante especificarmos as características e morfologia
desse «valor» que nos serve aqui de instrumento para o esboço de uma tipologia
axiológica geral. Esta é uma análise que nos leva ao destaque das formas
reificantes que emergem para a "lubrificação" da máquina de exposição e consumo sobre a qual emerge o
«valor» mais ou menos estabilizado, mais ou menos indexado aos campos de
origem. São os efeitos produzidos pela acção de reificação que a racionalidade
Moderna proporcionou, assim como a facilitação que um campo de representações
reificadas proporciona à constituição do valor a partir da interacção e relação
entre representações estabilizadas. É preciso atentar ainda no papel da troca
enquanto acção de intercâmbio na génese de um valor supra-campo, indexado a um
outro estalão e uma outra racionalidade axiológica com base no valor de troca
produzido no cenário do consenso possível e circunstancial do momento e da
situação contextual.
Se quisermos
descer um pouco ao nível de podermos observar a arqueologia dessa produção é
necessário, pelo menos, estatuir alguns princípios conhecidos de emergência do
valor. Este é, antes do mais, uma
representação pré-figurativa de um acto de relação, de troca, de comparação
com, de transacção. O valor
indexado, por exemplo, a um objecto, implica que se pressuponha um quadro de
opções de agenciamento, um quadro de hipóteses de actos de valoração no qual se
situa o objecto. O ponto onde se situa o bem a valorar nesse quadro de opções
de selecção — antes, depois de, ao mesmo tempo, primeiro que tudo, em segundo
lugar, etc — constitui a representação do seu valor pelo nível de prioridade de
selecção.[9] Ao definir assim o «valor» como constituindo-se com base nas prioridades de selecção, temos uma certa
dificuldade em chegar aos modos hiper-reificados como hoje se operam a
generalidade das transacções e relações
num «mercado» tão vasto e abrangente como o que aqui contextualiza esta noção
de «valor».
Impõe-se, no
mínimo, reconfigurar a noção de «valor» que aqui queremos utilizar. Esta começa
pela relatividade implicada em todas as actualizações em que emerge. É quando a
transacção se realiza que o «valor» é observável. Por isso se torna necessário
ter sempre bem presente o contexto contingencial, a situação em que se
actualiza num qualquer género de bem, a que aqui chamamos bem-de-valor, numa
redundância que é suposto apenas representar essas duas faces — a material e a
axiológica — do objecto/bem. Esse contexto é constituído pelo «mercado», na acepção igualmente
alargada a que antes aludimos e que, em poucas palavras, se pode definir como o conjunto das circunstâncias que
contribuem para a indexação de uma determinada qualidade e quantidade de
«valor» a um objecto/bem.
Assim, e em
termos de caracterização do que pretendemos aqui abordar, percebe-se que o
«valor»:
a) Está
indexado a um objecto/bem que o materializa;
b) Só emerge,
só se actualiza no processo de transacção entre instâncias de permuta que, na
sua frequência e multiplicidade constituem um «mercado»;
c) Esse é um
contexto de relatividade (maior ou menor), — por relação a — consoante o lugar
que ocupa o bem indexado entre as selecções de prioridade;
d) Encontramos
essencialmente dois padrões diferentes de emergência do «valor», diferindo
consoante a morfologia do território em que emerge:
d-1) A
actualização do «valor» dentro de um campo social específico emerge pautada por
uma axiologia muito precisa e pré-configurada pela axiologia própria do campo;
pode dizer-se que o valor actualizado dentro de um campo tem muito pouco de
contingente dada a lógica de
continuidade e estabilização por que se rege. Pode dizer-se que esta
actualização transaccional do «valor» é nitidamente mediada pela axiologia («mercado» localizado) do campo.
d-2) A actualização do «valor» num
«mercado» global e vasto como o económico ou mesmo o da generalidade das
indústrias culturais, é padronizada pela contingência
determinada por uma infinidade de
elementos co-presentes em qualquer acto de transacção. Uma lógica de
emergência que não respeita qualquer axiologia pré-constituída — excepto a
níveis muito reduzidos e apenas com fins operacionais para facilitar e acelerar
as transacções. Uma lógica, em princípio, articulada apenas sobre o acordo (sobre o valor) entre as partes;
mediada pela situação (de necessidade maior ou menor, de informação, de poder
extra-negocial, etc) das partes, sua localização
na contingência do mercado global e do tempo.
Uma vez que o
índice de visibilidade do objecto no Espaço Público está dependente da
adequação da sua morfologia à morfologia do medium, pode partir-se para a
asserção de que existe uma relação não directa, mas condicionada, entre visibilidade e capacidade de valoração
logo, entre a morfologia do objecto e a sua capacidade de valoração;
Existem
portanto objectos, à partida, com diversos potenciais de valoração, cujo índice
pode ser mais ou menos aferido pela sua morfologia mais ou menos espectacular
em termos de visibilidade, mais ou menos indutores
de performatividade. — Os objectos
espectaculares são, na contemporaneiadade, os objectos naturalmente mais
valorados. Falamos de uma espectacularidade "natural"[10] inerente à morfologia
objectal do objecto.
No entanto,
podemos encontrar outras formas de espectacularidade, estas mais de tipo
retórico-narrativo que, a um certo nível se poderiam considerar virtuais. Estas
formas de espectacularidade podem ser encontradas nos discursos, narrativas e cenários constituídos em volta
dos objectos. As situações mais demonstrativas disto ocorrem quando são
envolvidos objectos de visibilidade e espectacularidade quase nula, mas
expostos sobre cenários constituídos a partir da enunciação produzida por
individualidades com capital de
visibilidade e valoração adquiridos. A estes podemos chamar sujeitos e objectos indutores de valoração.
Como é que os podemos definir:
Sujeitos
indutores de valoração, podem ser consideradas todas as individualidades e
personalidades ou instâncias que se apresentem frente a um público -
televisivo, radiofónico, etc, - e que de algum modo transportem consigo um
capital e um crédito que podemos nomear como capital histórico de exposição,
caracterizado pela história das suas aparições - força, impacto e tempo de
exposição - nos media. O resultado
oferecido é um determinado nível de referência no espaço público, constituinte
do seu capital de exposição.
Objectos
indutores de valoração, podem igualmente ser considerados todos os objectos
que, devido a fenómenos modais, ou pela sua adequação ao olhar, são
naturalmente detentores de um capital de exposição e valoração adquiridos ao
longo do tempo.
A indção,
tanto por parte de sujeitos, como de objectos, ocorre sempre que determinado
objecto - geralmente de índice de valor fraco - é associado a um objecto de
maior capital. Assim ocorrem todo o tipo de associações por parte de sujeitos
com capital que se pronunciam sobre objectos ou sujeitos-objecto de modo a
produzir uma contaminação de valor do seu capital para o do objecto.
Podem ocorrer
vários tipos de operação nesta economia do intercâmbio de valores ou da
comunicação dos valores, que são sempre levadas a efeito por sujeitos, mas que
podem expôr apenas objectos. Por exemplo, quando alguém associa objectos
diferentemente valorados de modo a que se observem contaminações de valor,
sejam elas positivas ou negativas.[11]
A partir daqui
há a hipótese arriscada de gisar um quadro contemporâneo da produção axiológica, isto é, perceber e definir a rede por onde se
cruzam formas diferentes de valor emergente na contemporaneidade , a sua
morfologia, os modos de emergência e os padrões inerentes aos campos em que
emerge.
Interessa
então, a partir da parcelização operada por este quadro, conseguir encontrar um
outro, ao mesmo tempo técnico, operativo, envolvendo uma percentagem de
determinação, e compósito na sua constituição qualitativa e axiológica. Quer
isto dizer que iríamos observar, em termos de uma pragmática:
a) a
performance dos vários tipos de indutores colocados em campo, particularmente
nos media;
b) se é
possível separar ou indexar indutores naturais e indutores construídos;
c) O que
caracteriza a sua acção , modelo de acção, e lhes define uma identidade técnica
para nosso uso (tangibilidade metodológica);
d) Que formas
de articulação se podem encontrar entre sujeitos e sujeitos, sujeitos e
objectos, objectos e objectos de indução;
e) Se é
possível descortinar constelações padronizadas de indutores.
Em termos de síntese, observamos na
contemporaneidade, na ordem da
videosfera, da imagem e da presentação,
a generalidade das condições que constrangem o percurso dos objectos. Sabemos
que há uma faceta de engenharia comunicacional que faz render a excedência do
simbólico, do imaginário mas, essencialmente, do espectacular e que é hoje bem
paga.
Por exemplo, O
PATRIMÓNIO, enquanto (marca/etiqueta) — é hoje uma casa dispersa onde se
encenam os espectáculos do valor. —
onde acontecem, e por onde se induzem as metamorfoses possíveis — entre-campos,
com os media como plataforma de conversão.
Já foi
amplamente discutida nos anos oitenta, e está cada vez mais fora de questão
confiar na transparência formal dos
media.
Por outro
lado, existe uma pulverização das
constituições axiológicas (como é que esta se construíu) mas, ainda assim,
existem estabilidades.
Nesta
pulverização da emergência e da constituição, Observa-se que:
O valor
inerente a um objecto/indivíduo/situação, pode aparecer em qualquer lugar ou
altura, mas só se mantém com o suporte
de um aparelho que é a rede, melhor ou pior constituída por um campo de
forças organizadas. Produz-se poder transaccional, força de exposição,
performance, chamem-lhe o que quiserem, mas, a
Valoração específica, e a sua manutenção está dependente da morfologia
específica e força de valoração de cada campo. Daqui a selecção de indutores
de valoração preferenciais conforme o campo.
A importância
das indústrias mediáticas (campo da mediação)
Os dois casos
exemplo que passamos a enunciar, ocorrem em termos comparativos apenas por
razões heurísticas; são o caso das gravuras , agora parque de Foz Côa, versus a barragem em construção. São o
caso de Timor versus Angola.
Aparentemente nada os associa, mas ambos os casos têm algo em comum:
a) Foram casos
hiper-mediatizados e
b) Os
circunstantes locais não foram, na generalidade, perdidos nem achados para a
decisão sobre o olhar.
Foz Côa tem, à partida e neste contexto, um problema — uma Imagem fraca. Figuras sumidas em baixo relevo; as camaras não ver,
e os olhos só de muito perto e no local.
O parque não
impressiona o vulgo; só os especialistas e os "convertidos" entendem,
choram, se comovem com Foz Côa — os
outros 4 milhões de telespectadores comovem-se e impressionam-se com
telenovelas — esses não se encontram nem vão a Foz Côa.
Foz Côa não
comove os votantes. Precisa de muitos e fortes indutores.
Estes são
constituídos pelas personalidades locais com mais capital de exposição e
valoração; por boa parte dos arqueólogos; por algumas individualidades fortes
da política (gov.PS) e da cultura (P. governo).
É
interessante, porque, como processo em aberto, pela sua morfologia frágil, está
sujeita a qualquer tipo de convulsões/ contingências. Particularmente porque se
envolve num conflito com outro bem social; uma barragem. — cenário:
Bem social de
cultura e prestígio
versus
Bem social de
bem estar e progresso.
O conflito
exorbitou o espaço nacional e envolveu arqueólogos de todo o mundo, e parte dos
media, particularmente os impressos.
O cenário Foz
Côa está em fase de estabilização, mas as convulsões ainda não pararam. Há
novos indutores a identificar.
O caso de
Timor pode assim enunciar-se:
à custa de
muita indução e capital político foi possível produzir sobre Timor uma
hegemonia opinativa e até interventora acerca do dever fazer e da política a
aplicar ao território. Intervenções de todos os quadrantes, donativos de todos
os quadrantes, resultado: um suporte em uníssono como nenhum outro objecto
antes obtivera.
Por outro
lado, Angola, outro "objecto" há muito carenciado, com fome e mortes
aos milhões e não aos milhares; com uma intervenção (igualmente vergonhosa) da
ONU que retirou quando mais era precisa, pouco ou nenhum impacto teve em
Portugal[12], tendo o país laços de
relação tão ou mais fortes que com Timor.
Há aqui muitos
factores envolvidos, em particular as circuntâncias contextuais, mas é difícil
perceber a "diferença de tratamento", e as orientações do olhar
público...
[1]"Com a crise do Espaço Público clássico - a
sua forma contemporânea é já um simulacro deste - chega ao fim a visão limitada
da mediação, que o restringia às instituições enquadradas institucionalmente,
aos espaços historicamente ligados às nações (i.e. com a geopolítica) ou então
mais decisivamente à sua relação ao Estado. A consequência inevitável acabou
por ser a crescente despolitização da vida pública, a difusão de um hedonismo
banalizado, a espectacularização do próprio Estado, etc. Agora é a própria
mediação que emerge como uma questão decisiva."O Novo Espaço Público, Bragança de Miranda, José. em Revista de Comunicação e Linguagens, nº
21-22 Comunicação e Política, ed. Cosmos, Lisboa, 1995, pps. 130,131,138.
"Além disso
é um espaço público caracterizado pela presença de sondagens, que constroem uma
representação permanente da opinião pública.(...) Recenseámos pois, as
características da sociedade individualista de massa, que passam pela gestõ de
três parâmetros frequentemente contraditórios; a liberdade e a pluralidade da
informação; a valorização do individuo; uma sociedade marcada pelo número e
pelos estereótipos."
[2]"Le spectacle n'est pas un ensemble
d'images, mais un rapport social entre des presonnes, médiatisé par des images.
(...) Toute la vie des sociétés dans lesquelles règnent les conditions modernes
de production s'annonce comme une immense accumulation de spectacles. Tout ce
qui était directement vécu s'est éloigné dans une représentation." G. Debord,
La Société du Spectacle, Seuil 1976,
trad. Port. A Sociedade do Espectáculo,
ed. mobilis in mobile, Lisboa 1991
"Nous restons spectateurs de nous-mêmes,
sans devenir jamais les acteurs de notre vie. Nous nous offrons en permanence
des représentations, "expositions universelles" d'art et de savoir,
oú notre jouissance avide de ce que d'autres ont fait suffit à nous ravir. La
guerre elle-même est vécue pour nous sur le mode spectaculaire, papiers
imprimés au XIX siécle, images au XX, présentée comme nouveau stimulant au
gosier fatigué de l'homme avide d'histoire".
[4]E isto aos mais diversos níveis, quer na ordem
do simbólico e discursivo, no modo como a palavra se quer representar o
objecto, como na ordem do político ; "A representação é um motivo central
da ordem moderna, tendo relevância em todos os domínios da experiência., para
além do político.Especificamente do ponto de vista plitico, trata-se de uma
forma de resolver praticamente a oposição metafísica entre presença e
ausência.Assunto bem dramático, pois se todos os homens são cidadãos, e
portanto dotados de capacidade política, todos deveriam estar presentes na
decisão, deliberação e governo. Mas uns estão mais presentes do que outros,
como se sabe. (...)"
O Novo
Espaço Público, Bragança de
Miranda, José. em Revista de Comunicação
e Linguagens, nº 21-22 Comunicação e Política, ed. Cosmos, Lisboa, 1995,
nota 25, p.146.
[8]"A dessacralização e a transparência são,
por conseguinte, os mecanismos que presidem ao processo de ritualização do campo dos media."
[9]"(...) o valor sendo como é «uma ideia da
proporção entre a posse de uma coisa e a posse de outra no conceito do homem»,
«significa sempre valor de troca». Pois é somente no mercado de trocas, onde
todas as coisas podem ser trocadas por outras, que todas elas se tornam
«valores», quer sejam produtos do labor ou do trabalho, quer sejam objectos de
uso ou de consumo, necessários à vida do corpo, ao conforto da existência ou à
vida mental. Este valor consiste unicamente na estima da esfera pública na qual as coisas surgem como
mercadorias; e o que confere esse valor a um objecto não é o capital nem o
lucro nem o material, mas única e exclusivamente a esfera pública, na qual o
objecto surge para ser estimado, exigido ou desdenhado. O valor é aquela
qualidade que nenhuma coisa pode ter na privatividade, mas que todas adquirem
automaticamente assim que surgem em público.(...)"
[12]Mais visíveis foram apenas alguns peditórios
para as crianças carenciadas e algum trabalho das ONGs. Testemunho recente do
que aqui refiro são, na revista FOCUS nº 1 de 25 de Outubro - logo a seguir às
eleições legislativas em Portugal e ao uníssono Timorense, o título em capa de
revista «Angola a Tragédia Esquecida» p.66. E no Jornal Público, de 25 de Outubro de 1999, pag. 20 pode ler-se "Pelo menos 200 pessoas estão a morrer
diariamente na guerra de Angola, que o influente United States Institute of
Peace (USIP) já disse este mês ser a mais mortífera que actualmente se está a
passar no mundo "com muito mais gente a necessitar de auxílio do que no
Kosovo e uma mais elevada taxa de mortalidade do que Timor-Leste".