Os coros amadores formam, de maneira mais ou menos consciente, um movimento cultural de razoável dimensão. Há numerosos coros no nosso país, como aliás noutros países, e tal não admira por não serem exigíveis à partida grandes capacidades dos seus elementos, mas mais ainda, a meu ver, por a sua actividade servir primeiro que tudo o preenchimento lúdico de quem canta. O acto de cantar satisfaz uma necessidade de expansão pessoal, também de expressão de sentimentos, e nos coros a sua realização em grupo adquire uma dimensão social que permite classificar o coro amador como uma compensação muito saudável, senão até uma solução, para muitos problemas do quotidiano.
Noutros países da Europa ocidental, a qualidade média dos coros amadores não é particularmente superior à dos portugueses, embora isso não queira dizer que os nossos sejam bons; mas podemos orgulhar-nos de ter exemplos de notável qualidade neste campo, como são o Coral de Letras da Universidade do Porto e, sobretudo, a obra do compositor Fernando Lopes-Graça sobre repertório tradicional, criada em torno do Coro da Academia dos Amadores de Música de Lisboa, e hoje com uma forte aceitação em Portugal. São excepções à regra que me serviram, e a muitos outros servem, de referencial para uma busca do sublime que a prática artística encerra. Até há poucos anos havia um ciclo de cursos de regência, apoiados pela Secretaria de Estado da Cultura, que o maestro José Robert ministrava. A sua eficácia era desigual, pois dependia demasiado da disponibilidade espiritual de cada estagiário para assimilar doses intensivas (numa semana) de uma prática, técnica e artística, que lhe era estranha. Faltava um acompanhamento que permitisse, a quem realmente quisesse evoluir, fazê-lo na presença do próprio coro. Foi assim que, alguns anos atrás, já com o Coro de Psicologia entre mãos, concebi a realização de um livro que contribuisse para uma melhoria substancial da prática da música por coros amadores. O texto introdutório anexo é, nesse sentido, como que um manifesto que cristaliza a concepção que eu tenho de um espírito (note-se que não falo de ideais, mas de metas ao alcance da pessoa "comum") que eu desejaria ver lançado através da divulgação deste livro.
Considero de particular importância haver uma verdadeira distribuição da obra. Não há recanto de Portugal onde não se espere encontrar um coro, dentro ou fora das igrejas, vivendo dentro dos limites de um conhecimento geralmente empírico, pois de "escola" não se pode falar, nem sequer entre os que seguiram os cursos da S.E.C.. É extremamente raro ver-se um director artístico com uma géstica (arte de pré-figurar a expressão musical a partir dos movimentos dos braços) eficiente, intencional, outro tanto se vê da preocupação com o trabalho vocal, ou de um mínimo de originalidade e qualidade dos repertórios. A actividade de composição para coros é muito fraca e, de falta de hábito de assistir a estreias absolutas, o público vive muito pouco a música viva, aquela que é de compositores seus contemporâneos. A importância deste guia reside em quebrar o isolamento espiritual em que a maior parte vive, pois tudo farei para esclarecer estes e todos os outros pontos sobre os quais posso falar, baseado na minha própria experiência. E fá-lo-ei pela experiência pois a realidade dos coros é muito dependente dos hábitos característicos das populações portuguesas, do ambiente cultural do nosso país a meu ver, necessitado de uma "mexidela" não sendo por isso nada fácil adaptar concepções desenvolvidas em outros países, como por exemplo a Inglaterra ou o chamado Leste europeu. Muitos serão os interessados, estou certo; quando não sejam os directores artísticos de cada coro a procurar este livro, serão os presidentes dos coros ou colectividades onde há coros que o levarão até eles. Os coros congregam-se num grande amor por aquilo que as pessoas construem em conjunto; mais não é preciso para que se interessem por este livro pioneiro.
Paulo de Oliveira