IGNOTO DEO
D. D. D.
Creio em ti, Deus: a fé viva
De minha alma a ti se eleva
És: -- o que és não sei. Deriva
Meu sêr do teu: luz... e treva,
Em que -- indistinctas! -- se envolve
Este espirito agitado,
De ti vem, a ti devolve.
O nada, a que foi roubado
Pelo sôpro creador
Tudo o mais, o há-de tragar.
Só vive de eterno ardor
O que está sempre a aspirar
Ao infinito d'onde veiu
Belleza és tu, luz és tu,
Verdade és tu só. Não creio
Senão em ti; o ôlho nu
Do homem não vê na terra
Mais que a dúvida, a incerteza,
A fórma que engana e erra.
Essencial! a real belleza,
O puro amor -- o prazer
Que não fatiga e não gasta...
Só por ti os póde vêr
O que inspirado se affasta,
Ignoto Deus, das ronceiras,
Vulgares turbas: despidos
Das coisas vans e grosseiras
Sua alma, razão, sentidos,
A ti se dão, em ti vida,
E por ti vida têem. Eu, consagrado
A teu altar, me prostro e a combatida
Existencia aqui ponho, aqui votado
Fica este livro -- confissão sincera
Da alma que ti vôou e em ti só spera.
Almeida Garrett
(Folhas Cahidas)