PRISMA

O Céu já tivera outra cor
Havia um anjo brilhante de luz própria, perfeita
Que em tudo se prestava ao Senhor
O atendia, Lhe obedecia, O incitava
Reflectia e dedicava o mais completo Amor

Nessa época antes da primeira
Ele quis -- desejou -- mas não lhe coube
Assimilar o Divino, ser verdade inteira
Ele, o que melhor e mais sabia, fez-se rebelde
Olhou para Deus a vez derradeira, e largou

Anjo caído a que outros anjos renderam homenagem
Senhor das trevas, o Diabo de que fazemos a imagem
Assim o Tempo iniciou a contagem
Concebeu-se fecunda a ideia do Universo
Uma síntese dos Céus, agora em azul, e deste novo reverso

Judas, o melhor discípulo do Filho, sofria
Na sua lucidez, olhando as multidões
Mente esbraseada dizia -- é a Hora, como não vedes?
Não o ouviam -- não era Verbo, eram vãs ambições
E traiu quem amara, afinal cumprindo a Profecia

O timbre de Deus vibra em todas as criações
À perfeição da sua imagem se fez o modelo do Homem na Terra
Sumos mistérios os Seus, de ficar sempre coisa imperfeita!
Dotado de poderes e ilusões
Que o empurram, em busca de paz, para a guerra

Vejo-te, meu irmão, perdido em massas humanas,
E como te imaginas a pairar acima delas
Convences-te disso porque castigas e mandas
Quando no fundo nem a ti mesmo dominas
Soubesses tu parar, que a importância largava-te, e verias!

Contudo, fui um teu devoto, dedicado
Quis que antes me visses um servidor que uma utilidade
Foi um orgulho meu, quase te perdi
Quase me perdeste; mal ou bem aqui estou
Para quê não sei ainda, mal me usas, mal te sirvo...

Num labirinto de pretextos achaste: irascível!
Uma qualidade que, em mim, te desgosta;
Não admira que os meus defeitos, esses,
Acarinhes e adores conforme aos teus preceitos
Como se não soubesses eu vivê-los impossível...

Hoje eu remexo as águas que te baloiçam
Onde erras em precário refúgio
Não sei de quem te fizeste Diabo, ou do quê
Não me interessa; eu iria ser Diabo de ti
Mas para viver à procura da luz como tu...
Porto/Évora, Julho / Dezembro de 1990, Outubro de 1991, Junho de 1992