Música clássica

É toda aquela cuja transmissão está totalmente dependente de uma partitura. O compositor cuida de anotar todos os detalhes da execução de modo que os sons sejam os que pretende, e com alguma sorte também a expressão o seja. A notação musical foi uma necessidade criada pela prática do Canto Gregoriano, cuja vastidão de repertório terá colocado graves problemas de preservação, pois baseava-se apenas na tradição oral dos conventos e em mnemónicas mais ou menos abstrusas. No século XIV tornou-se quase actual com a definição rigorosa dos ritmos, donde resultou a primeira corrente realmente vanguardista da música ocidental, a Ars Nova onde pontificou o compositor e poeta Guillaume de Machaut.

Mas a música clássica é essencialmente o percurso evolutivo que enraiza na tradição vocal do século XV, altura em que uma sucessão de grandes compositores franceses e flamengos constroem edifícios sonoros com a mesma sofisticação que a Ars Nova mas com uma linguagem que produz a tradição onde nos reconhecemos: primeiro as canções de Dufay, depois as obras litúricas de Ockeghem e de Josquin. É de facto deles que quase toda a técnica clássica de composição deriva, e a partir daí o que se trata sobretudo é de explorar novos meios de expressão. Inicialmente têm relevo os vilancicos ibéricos (Juan del Enzina e seus pares), a canção parisiense e "pictórica" (Janequin e muitos outros em França), e sobretudo os madrigais italianos (Marenzio, Vecchi, Monteverdi, Gesualdo) e ingleses (Byrd, Weelkes, Wylbie).

No século XVII os instrumentos musicais começam a emancipar-se, desembocando no repertório de câmara e concertante do barroco (Corelli, Vivaldi e Domenico Scarlatti, Purcell, Telemann e Bach). A dramatização dos textos nos madrigais e uma pretensão equivocada de recriar o teatro entoado da Grécia Clássica deu origem à ópera (Alessandro Scarlatti, Purcell e Haendel), com um derivativo no campo religioso, as oratórias / Paixões (as Vésperas de Monteverdi, e ainda as obras de Schütz, Bach e Haendel). Por outro lado, a qualidade dos trabalhos de Monteverdi em estilo moderno vergou as últimas resistências à reformulação da teoria musical, que se deu nesta altura impondo o sistema tonal como a regra que já desde o século XV se vinha tornando dominante nas obras europeias.

Na segunda metade do século XVIII iniciou-se a progressiva transição, acompanhando as mudanças sociais e intelectuais da época, do músico-artífice protegido por mecenato para o músico-produto disponível no mercado e com mais poder de iniciativa. Esta transição fez-se com a chamada Escola de Viena como testemunha, desenvolvendo-se pela mão de Haydn a forma-sonata, enquanto entrava em cena o pianoforte (parente directo do piano), inovações que viriam a ocupar um lugar central na produção musical europeia, em obras de câmara ou de orquestra, no domínio instrumental. No domínio vocal surge a canção com piano (o lied), e a ópera dá mostras de adaptação às novas correntes, mudando radicalmente de carácter. O acto criativo, impregnado de individualismo e cultivando obsessivamente a originalidade, irá deixar no repertório clássico obras de cunho pessoal, mas segundo os gostos da época, que constituem o grosso do que se ouve actualmente desse repertório. Alguns exemplos de especial sabor:

A música para piano solista constituiu um caso àparte no século XIX, pois praticamente todos os compositores eram pianistas, e procuraram neste instrumento o meio mais imediato de expressão. Beethoven (as cinco últimas sonatas, começando com a opus 106) e Schubert (qualquer das obras que sejam D 900-e-tal) estabeleceram padrões muito altos de expressão que foram igualados e expandidos pelos que se lhes seguiram, nomeadamente Schumann (por exemplo «Carnaval», «Estudos Sinfónicos», «Kreisleriana»), Chopin (por exemplo as 4 baladas, as mazurcas, os nocturnos), Liszt (a sonata em si menor) e Brahms (temas com variaçoes, sonatas).

No século XX, até à segunda guerra mundial, prolonga-se o esquema criativo do século anterior, com os mesmos meios de expressão. Mas a busca de originalidade vai a tal ponto que leva à caducidade do sistema tonal clássico, gerando-se um caleidoscópio de estilos que já não são da época mas dos indivíduos, o que fatalmente levou à perda de identidade com o público, progressivamente favorecendo outros géneros musicais mais enraizados, como o jazz. No entanto, a extrema beleza de alguma dessa música tem-lhe valido muita estima:

Novamente há aqui um caso àparte: uma «2ª escola» de Viena consolidou, à volta do ensino e obras de Schoenberg, uma fase fecunda de obras completamente atonais (por exemplo a ópera «Wozzeck» e o 1º quarteto de cordas de Alban Berg, certas obras de câmara de Webern ou o «Pierrot Lunaire» de Schoenberg), de início apenas uma consequência «expressionista» das obras de Wagner e de Richard Strauss, para depois, nos anos 20, se iniciar uma nova era segundo um sistema de séries de notas (e não só) a que se deu o nome de dodecafonismo. Ao contrário de toda a restante música em todo o mundo, que mais ou menos inconscientemente condiciona as melodias às relações acústicas naturais, o sistema dodecafónico depende por completo da artificial escala temperada (que na música europeia já constituía um compromisso do sistema tonal) para inventar em cada obra uma nova relação de sons, ao arbítrio do compositor, que é a série e suas derivadas. Ao contrário do que se possa julgar, há exemplos deste sistema, tanto do seu criador Schoenberg como dos seus mais brilhantes alunos, que são dignos de muita admiração: «Variações para orquestra opus 28» de Schoenberg, «Suite lírica» e concerto para violino e orquestra de Berg, e as duas cantatas de Webern. Mais espantoso ainda é constatar como, no pós-guerra, todos os compositores adoptaram este sistema mais ou menos integralmente... destacam-se, no meu gosto, Berio, Penderecki e Xenakis. Pelo meio, mas noutros sistemas, encontram-se muitos outros compositores cujas obras também mostram vitalidade, donde Dallapicolla, Messiaen e Ligeti. Paulo de Oliveira