O Jazz não é exclusivamente o que eu vou definir, mas é-o no essencial e é o que importa:
Foi só nos anos 70 que, com um certo florescimento da música no então recém-independente Mali, se verificou que o blues do Mississipi conservava com notável fidelidade os mesmos modos e expressões de certos géneros praticados nas margens da primeira metade do rio Niger. Diga-se de passagem que esta região é um dos focos civilizacionais mais perenes e importantes de toda a África, pelo controlo do tráfego através do Sahara, com pelo menos três impérios a sucederem-se desde o século IX d.C..
Esta herança veio para os Estados Unidos com os escravos daquela região de África, mas passou a ser cantada em francês e em inglês. Ocasionalmente aparecia ao de cima das mais diversas maneiras. Ainda nas primeiras décadas do século XX, as troupes nos navios do Mississipi, os bailarinos de sapateado, e sobretudo cantores de Blues como Bessie Smith e Big Bill Broonzy reflectem esta fase, que hoje persiste como género semi-tradicional, no campo e em cidades como New Orleans, como blues e não só.
Mas um músico que merece a todos os títulos ficar para a História como o Sr. Jazz, Louis Armstrong, começou a emancipar esta música, brilhando na Chicago da Lei Seca durante os anos 20. Outro grande talento precoce, o branco Bix Beiderbecke (referenciado no filme "Cotton Club"), teve uma atitude semelhante mas desapareceu muito cedo. Foi Louis, junto com Earl Hines, quem passou o testemunho para a fase seguinte, que havia de ser liderada por um grande chefe de orquestra (idem no mesmo filme), Duke Ellington. O que no entanto fez de Louis o Sr. Jazz foi a identificação a 100% com toda a evolução deste género musical, fazendo com que, mesmo nos anos 60, qualquer intervenção sua, a que nunca faltou a necessária inventividade, trouxesse de repente ao de cimo o modelo com que afinal todos trabalhavam. Isto apesar de passados 40 e tal anos de carreira e das evoluções incríveis que se deram neste género de música!
Outras estrelas desta época foram Sidney Bechet, saxofonista também de New Orleans, e Coleman Hawkins, outro saxofonista mas de [onde?] e ligado a New York (?).
Duke Ellington liderou a segunda metade dos anos 30, e início dos 40, desenvolvendo um som de orquestra de formidável qualidade e que todos reconhecemos como o swing. É através dessa orquestra e da de Count Basie que vão ganhando dimensão vários solistas, acima de todos um de extraordinária originalidade, Lester Young. Com ele, os solos do jazz passam a ser de uma lógica que desafia a espontaneidade, ao mesmo tempo retendo uma liberdade de linguagem e de fraseado incríveis. As suas gravações com Count Basie e com a grande cantora Billie Holiday ou do pianista Teddy Wilson mostram-no à exaustão, mas quem dera lá ter estado!
No decurso da 2ª Guerra Mundial estava em incubação uma nova fornada de talentos que desenvolveram, de novo nos limites do pequeno grupo de solistas, um estilo onde também os pianistas, contrabaixistas e bateristas eram sistematicamente chamados a rivalizar com os sopros em brilhantismo e originalidade. O estilo é o bebop e Charlie Parker o seu guru, mas a constelação de nomes engloba Dizzy Gillespie, Fats Navarro, Miles Davis, Sonny Rollins, Wardell Gray, John Coltrane, Dexter Gordon, Milt Jackson, os pianistas Bud Powell, Thelonius Monk e Horace Silver nos primeiros tempos, os contrabaixistas Oscar Pettiford, Charles Mingus e Ray Brown, e os bateristas Kenny Clarke, Max Roach e Art Blakey. Segundo me parece, o filme que melhor retrata este ambiente é o "New York, New York" (embora também reconheça muito interesse em vários aspectos do filme-biografia de Parker, "Bird"): música electrizante, que evolui alucinada aravés de solos virtuosísticos; a comunicação em palco é a razão de ser de toda ela, e a comunicação com o público, que não chega a dançar com este som, deve ter mais sido de levá-lo à estupefacção do a outra coisa.
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Paulo de Oliveira