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Apresentação

Usando como exemplo a macieira...

A produção agrícola depende de conhecerem-se as condições adequadas para o crescimento e protecção das plantas cultivadas. De acordo com a espécie (e com o tipo de produção), o conjunto desses requisitos será diferente; mesmo entre variedades duma mesma espécie é necessário realizar ajustamentos. Desde sempre (de uma maneira mais ou menos sistemática e necessariamente com base na tentativa-e-erro) estes conhecimentos foram-se acumulando sob a forma de "receitas" a aplicar caso a caso. Mas este património empírico foi-se construindo em geral sem ainda haver um conhecimento de base (por exemplo, do porquê de um maneio X estar mais ou menos certo para a planta Y) que, não tendo talvez uma relevância imediata para a produção agrícola, se reveste de importância mais geral. Este conhecimento de base situa-se no campo científico, propriamente explicativo, que compete nomeadamente à Fisiologia e à Patologia, assim como à Genética, na medida em que a determinação dos comportamentos ou respostas de cada indivíduo acabam por remontar à expressão dos seus genes.

Uma macieira é uma macieira porque, entre outras características codificadas sob o nome Malus domestica L., produz maçãs. O lugar que aqui compete à Genética é, em parte, o de explicar essas características. A explicação genética da Vida ainda se processa ao nível básico, em interacção estreita com os conhecimentos que em paralelo se vão adquirindo nas disciplinas que lhe estão ligadas, nomeadamente a Bioquímica, Biologia Celular, Desenvolvimento, Fisiologia e Patologia. Não se pode dizer que haja muitos conhecimentos sobre as bases genéticas da Fisiologia e Patologia de qualquer planta (por exemplo que genes determinam que a macieira produza maçãs e não cerejas, por exemplo, e sobretudo de como actuam), nem sequer naquela que é mais intensamente estudada deste ponto de vista, a Arabidopsis thaliana (L.) Heyhn. As disciplinas interdependentes com a Genética estudam o que se pode caracterizar como as manifestações dos genes, cada uma de um ponto de vista específico: a explicação da macieira a nível genético é necessariamente indirecta, pois passa pela análise da própria macieira — isto é, dos seus fenótipos — pelos métodos de outras disciplinas.

A Genética utiliza como material de estudo a variação. Reconhecemos a acção de um determinado gene se, por comparação entre indivíduos crescendo nas mesmas condições, detectarmos diferenças resultantes da substituição desse gene por outro gene. Portanto a Genética parte de uma diferença visível (de uma variação fenotípica) para chegar aos determinantes "invisíveis" dessa diferença (aos diferentes genótipos).

Os trabalhos de Mendel (Morávia, 1865) definiram a metodologia necessária à decifração dos genótipos, com base em princípios probabilísticos de análise das gerações obtidas experimentalmente. Estes princípios não podem ser aplicados a alguns tipos de variação, dando lugar, utilizando muitas vezes a mesma metodologia de cruzamentos, à análise estatística das gerações (desenvolvida em grande parte a partir dos trabalhos de Fisher, Inglaterra, 1918-1930), donde se podem colher informações genéticas úteis do ponto de vista prático, se bem que prescindindo da definição dos genótipos. O modelo da molécula do DNA, portadora do material genético (Watson & Crick, Inglaterra, 1953), e os avanços no decurso dos anos 60 no domínio da Genética Molecular, permitiram entender que a expressão fenotípica imediata da maior parte dos genes são geralmente proteínas, envolvidas nos diversos tipos de metabolismo ou na sua regulação. Já nos anos 70 passou a ser possível caracterizar em detalhe o código nucleotídico de qualquer gene, e a partir dos anos 80 iniciou-se a era da genética "reversa", isto é: a partir do gene (nomeadamente da sua sequência de nucleótidos), tentar caracterizar o fenótipo resultante da sua acção (pelo menos a nível bioquímico).

Para além de explicar "a macieira", a Genética (ou, para ser mais específico, o Melhoramento) procura tirar partido das diferentes macieiras para obter melhores macieiras. O objectivo é juntar pelo cruzamento as vantagens hereditárias do indivíduo A com as do indivíduo B, e fixar numa geração posterior, descendente desse cruzamento, o máximo dessas vantagens de ambos. Continua-se aqui a utilizar a variação como matéria-prima, embora a explicação da base genética das vantagens fenotípicas não constitua um objectivo do trabalho: interessa sobretudo conseguir a recolocação dessas vantagens numa só população "melhorada geneticamente".

E no entanto são estas características com interesse económico as que poderiam fazer avançar mais significativamente o propósito explicativo da Genética: se um indivíduo contém genes "melhores", eles são melhores porque actuam em conjunto para o desenvolvimento do fenótipo "desejado". Bem entendido, todos os genes estão presentes na generalidade das células do organismo, mas a sua expressão é regulada de modo a que actuem numa medida certa, e num local (tecido) e tempo certos: os genes da resistência a um fungo parasita das raízes da macieira são provavelmente diferentes dos da resistência ao bicho da maçã, tanto porque os parasitas são diferentes, como porque o órgão que lhes resiste é diferente. Por isso uma macieira pode ser susceptível nas suas raízes e resistente nos frutos ou vice-versa. A enxertia resolve certos problemas com relativa facilidade, embora possa acarretar outros; mas o facto de haver genes para cada uma destas características de resistência faz parte da explicação da macieira, que na natureza "lembrou-se" de desenvolver os mecanismos respectivos, provavelmente pela necessidade de sobrevivência dessas populações na natureza. A questão da susceptibilidade das variedades comerciais poderá residir no facto de se terem seleccionado artificialmente, a partir das macieiras selvagens, os indivíduos que tinham (ou prometiam) certas características — maçãs maiores, ou mais doces, ou em maior densidade por árvore — sem prestar a atenção devida a que, no processo de selecção, fruto por exemplo da ausência do parasita, se perderia uma parte do património genético de resistência que a população de origem continha.

Ao melhorador compete, a curto prazo, introduzir os genes de produtividade ou de resistência "que faltam" na descendência das populações que manipula, por cruzamentos e selecção; mas existem outras aplicações para além disso: estes genes podem não ter sido apenas "invenção" das macieiras, isto é, provavelmente todas as árvores de fruto ou mesmo todas as dicotiledóneas (ou... etc.) têm versões homólogas, e com a mesma eficácia. Isso permite uma expectativa de detecção de populações, de outras espécies com interesse agrícola ou suas afins, que expressam as mesmas resistências, as quais possam ser utilizadas nos respectivos programas de melhoramento.

Mais ainda, o fenótipo maçãs-sem-bicho (e sem insecticida...), porque depende da acção concertada dos (provavelmente muitos) genes dessa resistência, pode ser um modelo de estudo da fisiologia do desenvolvimento do fruto e assim servir de pretexto para ir expandindo o conhecimento às outras componentes desse processo, igualmente com interesse económico. O ponto de partida é invariável: haver macieiras diferentes, umas resistentes e outras susceptíveis (mas com o mesmo background genético), como base de comparação fenotípica; a partir da análise genética, identificar um ou mais elos do encadeamento genético/ fisiológico da resposta ao parasita.

Cientes das consequências imprevisíveis, a nível genético, da perda de genes importantes durante os processos de selecção, os melhoradores preservam as variedades "ancestrais" e não só (quer cheguem ou não ao mercado) seja em bancos de germoplasma (colecções de sementes) ou em campos experimentais. Os agricultores, por seu lado, pelos motivos mais diversos (até por atavismo), também o fazem à sua maneira. A nível mundial, este trabalho de preservação envolve o reconhecimento das populações de origem de uma determinada espécie cultivada, consideradas "centros de biodiversidade" em que os factores condicionantes do património genético foram (e são) as condições naturais de adaptação da espécie. Esse reconhecimento entronca no trabalho pioneiro de Vavilov (URSS, anos 20 e 30).

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