Primeiro capítulo

Um guia para a utilização de Arabidopsis thaliana

Escolha das sementes

A Arabidopsis thaliana (L.) Heynh é uma dicotiledónea anual que pertence à família Cruciferæ (também conhecida por Brassicaceæ) e se encontra distribuída por vários continentes (cf. segundo capítulo), principalmente nas regiões temperadas do hemisfério Norte, onde se conta Portugal -- tanto no continente como nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores -- conhecendo-se também a sua ocorrência na República de Cabo Verde [Rédei, 1969; Ratcliffe, 1965].

As suas sementes são muito parecidas com as de Capsella, mas de reduzidas dimensões, podendo facilmente confundir-se com migalhas de pão ou grãos de areia: Rédei [1969] cita para sementes produzidas em laboratório um comprimento médio de 0,5 mm, e largura média de 0,32 mm. Para cada mililitro de semente limpa devem contar-se 50000 sementes (volume médio 20.5 × 103 mm3). Estimativas do peso dessas sementes dão cerca de 50000 em cada grama, enquanto no caso das provenientes de colheitas no campo, por serem maiores, o número fica pelos 32000 por grama [Rédei, 1969].

Populações naturais

As suas sementes podem ser colhidas na Primavera, embora a época exacta varie segundo as características climáticas e a sazonalidade em cada população. Embora seja comum afirmar-se que as populações naturais de Arabidopsis thaliana são virtualmente isogénicas, resultado previsível da quase exclusiva autogamia das flores e tendo implícitos mecanismos de selecção dos genótipos melhor adaptados, a evidência experimental não confirma esta noção, aparentemente em virtude da manutenção de polimorfismos por heterose [Karbe & Röbbelen, 1968; Cetl, 1965; Kranz, 1976; Cetl, 1987]. Deste modo, para ter uma representação da diversidade genotípica numa população, o que pode interessar por exemplo se se projectarem experiências de selecção em laboratório, é importante que se maximize o número de plantas progenitoras donde se faz a colheita, e a mesma se faça ao longo de várias visitas a uma mesma população, caso alguma dessa diversidade se expresse em variações na fenologia da floração.

Colecções

Alternativamente, e é por certo a opção mais comum, obtêm-se as sementes de colecções de germoplasma ou de laboratórios onde a Arabidopsis thaliana é estudada. A primeira colecção foi iniciada por Laibach em 1937 e visou desde logo abranger todas as localizações da planta [Röbbelen, 1965; Rédei, 1969; Kranz, 1976]; os trabalhos mais extensos de documentação da biodiversidade das populações de Arabidopsis thaliana têm associados os nomes de Röbbelen [1965], Kranz [1976] e Napp-Zinn [1976] na Alemanha, Cetl [1965, 1978] na Morávia, e Ratcliffe [1965] na Grã-Bretanha.

As colecções publicamente disponíveis incluem actualmente o Nottingham Arabidopsis Stock Centre no Reino Unido [www2] e o Arabidopsis Information Management Service nos Estados Unidos [www3], que integraram a colecção de Laibach e subsequentes adições, uma colecção Sendai no Japão [www4], e finalmente uma empresa comercial (Lehle Seeds [www4]), esta última com uma colecção mais restrita.

Viabilidade

As sementes permanecem viáveis pelo menos 2 anos a +20 ºC, com declínio acentuado a partir dos 4 ou 5 anos [Rédei, 1969], e dezenas de anos a 20 ºC, se convenientemente secas [www2]. São geralmente fornecidas em tubos de plástico de 0.5 ou 1.5 mL, que vedam a entrada de humidade; é norma colocá-las no frigorífico (+2 a +6 ºC), mal são recebidas, até sua utilização; caso se pretenda assegurar a redução do seu conteúdo em água, nomeadamente para serem congeladas, devem incubar-se no escuro a 32 ºC durante 3 semanas (tratamentos de pós-maturação, cf. secção b-i [Rédei, 1969]).

Germinação e emergência das plântulas

Embebição

As sementes maduras requerem um período de hidratação para germinarem, o que pode ser realizado no próprio substrato onde as plantas irão crescer, ou em meios transitórios, seja agar a 0.75% contendo KNO3 a 0.01%, em perlite regada, ou em papel de filtro molhado com água. Para aumentar a uniformidade cronológica das culturas, é recomendado estratificar as sementes, isto é, realizar a sua embebição a temperaturas próximas do ponto de congelação. Os procedimentos de estratificação a empregar variam segundo certos detalhes do tratamento ou preferência dos utilizadores: por exempli o Nottingham Arabidopsis Stock Centre recomenda 5 dias no frio, após a sementeira no solo [www2]; usando placas de Petri com uma folha de papel de filtro molhada, a estratificação pode ser feita a 4 ºC durante 7 dias, antes de proceder a outras manipulações [Valvekens et al., 1988]. Em todos os casos, pode ser melhor iniciar a embebição à temperatura ambiente, durante 1 hora, antes de transferir para o frio [Lawrence, 1966; Antonovics, 1973].

Terminada a estratificação, transferem-se as sementes uma a uma para a superfície do substrato de cultura, sem as enterrar, usando uma pinça micro-cirúrgica ou um pincel fino. No caso da pinça, há que ter o cuidado de não danificar as sementes; para tal, é recomendável molhar as pontas da pinça e procurar, com um mero toque das duas pontas segurando cada semente, fazer com que ela adira a uma dessas pontas -- este procedimento funciona desde que se tenha evitado que as sementes agregassem entre si durante a embebição. Uma alternativa apresentada como muito conveniente é realizar uma suspensão das sementes em agar líquido (a 0.1%), tal que se conheça o número de sementes por unidade de volume dessa suspensão e se possa, pela regulação dos volumes pipetados, assegurar uma rápida e precisa distribuição da sementeira [Rédei, 1967].

A germinação transitória em agar, seguida de transplante para o solo, justifica-se em diversos procedimentos pelo reduzido espaço que as plântulas ocupam durante as manipulações que venham a ser necessárias. Neste caso têm sido recomendados esquemas de embebição mais complexos para assegurar a uniformidade do desenvolvimento das plantas. Van der Veen [1965] preconizou que as sementes fossem primeiro incubadas a 32 ºC durante 3 semanas no escuro e a seco (passo de pós-maturação), semeadas no agar contendo KNO3 e mantidas 24 horas em temperatura ambiente e à luz (passo de germinação propriamente dita), depois no escuro durante 2 a 3 dias (passo de estiolação), após o que os hipocótilos atingiam 1 a 1.5 cm; finalmente, mais 2 dias de novo à luz (passo de recuperação) antes de transferir para o solo. Esta transferência era preparada, logo antes da estiolação, cortando no agar, com um tubo de vidro, uma rodela à volta de cada semente: na altura da transferência bastava usar uma pequena espátula de modo essa realizar a operação sem tocar nas plântulas. A pequena porção de agar transferida serve de reserva de água para as plântulas (mas pode não dispensar, mesmo com rega por capilaridade, que se use um pequeno nebulizador) e acaba por desaparecer. Para mutagénese nas sementes [Van der Veen, 1968] (cf. segundo capítulo, secção b), a exposição aos raios X (até 16 kR) faz-se a seguir ao passo de estiolação; com o mutagénio químico EMS, faz-se a seguir ao passo de pós-maturação e requer o prolongamento do passo de germinação para 32 horas de modo a sincronizar com controlos não-mutagenizados(1).

A dormência das sementes (estado de não-resposta à embebição) de Arabidopsis thaliana, que pode durar vários meses após a plena maturação das mesmas, é um carácter altamente adaptativo e para o qual se supõe bastante variação entre populações (cf. segundo capítulo, secção a). Uma precaução elementar para verificar a dormência num lote de sementes é colocar uma amostra a embeber em papel de filtro e com luz: se não estiverem dormentes (e forem viáveis), hão-de ver-se as raízes primárias em crescimento quanto muito ao fim de 7 dias [Cetl et al., 1970]. Se por este critério uma elevada proporção de sementes está dormente, então o passo de estratificação antes mencionado é indispensável, podendo alternativamente utilizar-se compostos como o ácido giberélico, acetaldeído a 0,01%, ou ainda raios X para provocar a germinação [Rédei, 1969]. Quando as sementes estão para germinar em agar, a estratificação (durante 5 dias no escuro a 10 ºC) é feita antes de passarem à luz, portanto antes de iniciarem a germinação propriamente dita, estiolação, etc. [Van der Veen, 1968; Rédei, 1969].

A colheita de sementes imaturas, isto é, tiradas de frutos ainda verdes, permite atalhar a entrada em dormência e assim reduzir ao mínimo o intervalo de tempo entre gerações (cf. secção f-ii).

No fim das primeiras 24 horas de embebição em agar, considera-se que as sementes estão sincronizadas, em termos de desenvolvimento vegetativo, para entrarem em tratamentos de vernalização visando induzir uma transição precoce para a fase reprodutiva (cf. secção d-ii), a qual é distinta da estratificação precedente porque já se faz no material em germinação e não sobre sementes quiescentes ou até dormentes (isto é, quando se pretenda estratificar e induzir a transição para a fase reprodutiva num conjunto de sementes, o procedimento envolverá duas incubações no frio, entre as quais se intercala o passo de germinação à temperatura ambiente).

Culturas em solo

Há duas opções para o substrato onde se faz a cultura: em solo ou em agar. No primeiro caso, a recomendação unânime é que se utilize um solo leve para Arabidopsis thaliana. Há diversas fórmulas propostas, geralmente misturas à base de areia ou turfa, eventualmente suplementadas com nutrientes minerais ou por solo de jardim ou composto.

A Arabidopsis thaliana é particularmente sensível a certos solos, e a adequação de uma mistura não é evidente senão por tentativa e erro. As razões para um mau resultado, para além das características mecânicas do substrato, podem implicar deficiências nutricionais ou a presença -- ou desenvolvimento -- de substâncias inibidoras; a natureza destes factores pode ser tão diversa, que cada utilizador acaba por chegar a um substrato preferido por pesquisa própria [Rédei & Zuber, 1967].

A importância da leveza do substrato, especialmente na camada superior onde se fez a sementeira, deve-se à fragilidade das plântulas. Se com areia em proporção maioritária talvez não seja necessária nenhuma precaução com a compacção do solo, quando haja turfa ou composto em proporções significativas torna-se fundamental deixar cerca de 1 cm da superfície totalmente desprovido de compressão e finamente peneirado [Lawrence, 1966].

A densidade de sementeira, tendo em conta a competição entre plantas pelos nutrientes e consequente influência no grau de desenvolvimento que elas virão a atingir, é também factor importante a considerar (cf. secção f-iii,1).

A rega mais conveniente, em experiências que não envolvam grandes espaços, é por capilaridade: os recipientes (vasos ou placas de alvéolos) contendo o solo são colocados dentro de tabuleiros com água, deixando que esta penetre por baixo e chegue até à superfície antes mesmo de se semear. A capilaridade tem diversas vantagens: o nível da água no tabuleiro permite controlar a suficiência da água nas raízes, assegura um bom arejamento das raízes e evita alterações na estrutura do solo ou lixiviação por acção da gravidade. Quando se façam grandes sementeiras, em viveiros ou em estufas, o sistema de nebulização programada será talvez o mais vantajoso.

Culturas em agar

As sementes germinam facilmente em agar, e as plantas, dentro de certas condições, podem completar o seu ciclo de vida inteiramente neste substrato. Nomeadamente para caracteres de variação contínua, em cuja análise genética se requer uma redução ao mínimo da componente não-genotípica, verificou-se que a cultura em tubos contendo meio nutritivo com agar oferece uma uniformidade de condições ideal [Griffing & Scholl, 1991]. A produção de sementes, porém, é bastante reduzida quando se compara com as culturas em solo [Rédei, 1975].

Os cuidados de assépsia que prevalecem em trabalhos de microbiologia têm neste caso de ser observados rigorosamente, com autoclavagem do substrato, recipientes e utensílios de manipulação, e realização das manipulações em atmosfera estéril. A eliminação de microrganismos contaminantes das sementes, especialmente quando o agar contenha fontes de carbono orgânicas como sacarose ou glucose, não pode ser dispensada; os protocolos de esterilização da superfície das sementes variam com os autores, alguns empregando hipoclorito, outros misturas de peróxido de hidrogénio com etanol, etc. (cf. apêndice). Só no caso de experiências com mutagénios químicos a esterilização parece ser contraproducente [Rédei, 1969], pelo que o ciclo de vida tem de ser completado em solo.

Dada a enorme importância que este sistema tem para a selecção de mutantes (cf. capítulo 2, secção b-iv), qualquer utilizador da Arabidopsis thaliana deve estar preparado para fazer a germinação em agar. Os requisitos de assépsia podem ser razoavelmente aproximados utilizando uma vulgar panela de pressão em vez do autoclave para a esterilização do substrato e restantes materiais, e de um bico de Bunsen para esterilizar a atmosfera(2), pelo que esta técnica não será particularmente difícil de aplicar mesmo em escolas secundárias.

As fórmulas dos meios de cultura em agar, e respectivas referências, encontram-se no apêndice; os nutrientes são minerais, à excepção de 1 2 % de sacarose ou glucose; a concentração de agar é bastante crítica, não saindo da gama dos 0,5 a 0,8% (w/v).

Caso se façam as sementeiras em placas de Petri e enquanto não se faça o transplante para outro substrato, é importante que sejam colocadas aproximadamente na vertical para orientar o crescimento da raiz e parte aérea correctamente. Schiefelbein & Sommerville [1990] faziam esta reorientação 48 horas após a sementeira.

Também se fazem culturas hidropónicas com Arabidopsis thaliana, sendo utilizadas em geral plântulas germinadas em agar cuja cultura é continuada em flutuação no meio nutritivo [Meyerowitz, 1987].

Desenvolvimento vegetativo

Ao fim de 7 ou quanto muito (no solo) 10 dias após a sementeira, a maior parte senão todas as plântulas já são visíveis pelo aparecimento dos dois cotilédones verdes que se expandem e abrem perpendicularmente ao hipocótilo, e também da raiz primária (quando a germinação se realiza em agar). As posições de sementeira que por esta altura não dêem sinais de germinação (o que no caso do solo pode dever-se à semente ter sido enterrada um pouco abaixo da superfície) são em regra preenchidas de novo com mais sementes devidamente embebidas -- se houver, na sequência, duas plântulas a emergir numa posição, isso é fácil de detectar precocemente e de corrigir, removendo uma delas.

Morfologia

O desenvolvimento da plântula, a partir da emergência dos cotilédones, passa a depender dos nutrientes e da luz(3); numa primeira fase, o meristema apical caulinar limita-se praticamente a projectar, com grande regularidade temporal, novos primórdios foliares, segundo uma filotáxia que parece ser variável nesta espécie, produzindo-se uma roseta característica; há um progressivo alongamento dos pecíolos e dos limbos, e surgimento de uma nítida serração da margem do limbo nas novas folhas -- esta heterofilia parece dever-se ao alargamento do meristema à medida que a planta se desenvolve [Rédei, 1969]. As folhas apresentam tricomas (pelos) ramificados. É raro haver ramificação do caule nesta fase do crescimento, isto é, não se devem observar duas ou mais rosetas associadas a um mesmo sistema radicular.

A raiz é aprumada, sem crescimento secundário; o meristema da raiz primária [Scheres et al., 1996] individualiza-se a partir de um primórdio no embrião derivado da célula hipofísea, enquanto os das raízes secundárias se desenvolvem pós-embrionariamente a partir de grupos de células do periciclo que entram em divisão(4). A genética destes processos de desenvolvimento encontra-se ainda pouco explorada [Scheres et al., 1996].

O crescimento radicular orienta-se em resposta a três ordens de estímulos: a gravidade, que leva a um crescimento preferencialmente na vertical e para baixo; a luz, que orienta o crescimento na direcção oposta à sua proveniência; e o toque, que tanto pode ser num grão de areia ou na superfície do agar, e que provoca uma curvatura da ponta da raiz, como que a contornar o que é percebido como um obstáculo(5).

Apesar de não ser uma planta muito susceptível a nemátodes parasitas (cyst nematodes em inglês) das raízes, o facto de se ter conseguido adaptar a Arabidopsis thaliana à investigação nesta área [Sijmons et al., 1991], constituindo um bom modelo para a dissecção experimental das interacções genéticas com os patogénios, leva a perguntar se não poderá vir a tentar-se o mesmo para o estudo de endomicorrizas, apesar da provável ausência deste tipo de associações em crucíferas [Marschner, 1995].

Do meristema apical caulinar partem todas as folhas da roseta e restantes primórdios, incluindo gemas axilares, da parte aérea. Dado que a morfologia de toda a parte aérea acaba, em última análise, por assentar na fisiologia desta minúscula estrutura, interessa compreender a sua anatomia (figura 1.1). Distinguem-se três regiões no meristema apical caulinar de Arabidopsis thaliana [Meyerowitz, 1997]: uma zona central (CZ), com actividade mitótica relativamente reduzida, presumivelmente apenas para continuação da estrutura, uma zona periférica (PZ) com elevada actividade mitótica, donde se formam os primórdios foliares por divisão periclinal, e uma zona basal (sob a CZ e a PZ), onde as divisões celulares são segundo o eixo de crescimento (como nas células proximais dos pró-meristemas radiculares [Scheres et al., 1996]), daí se diferenciando as estruturas da medula, feixes vasculares e córtex(6).

Figura 1.1 -- Meristema apical caulinar na fase de desenvolvimento vegetativo de Arabidopsis thaliana (fase de roseta). À esquerda, esquema de uma planta vista de topo, com as folhas irradiando do centro onde (fora de escala para melhor se evidenciar) se situa o meristema com as suas zonas central e periférica, e onde se representam dois primórdios foliares. À direita, corte longitudinal atravessando o centro do mesmo meristema, ilustrando a delimitação aproximada das zonas central, periférica e proximal ("rib" em inglês), e onde também se mostra a sua distribuição em relação às duas camadas superficiais da parte aérea (segundo Meyerowitz [1997]). As setas representam as direcções de crescimento a partir da PZ, na formação e desenvolvimento dos primórdios foliares, e a partir da zona proximal, na extensão dos tecidos do córtex e da medula do caule. Em meristemas florais observa-se uma anatomia semelhante.

Também não há crescimento secundário da parte aérea.

Luz, temperatura e controlo de infestações

A luz que se fornece às plantas pode ser um factor determinante não só para o vigor vegetativo que irão desenvolver, mas também para o tempo e quantidade de produção de flores e frutos. Os regimes de luz podem ser: ao ar livre, com a luz solar incidindo de preferência indirectamente; em estufa, com a luz solar por vezes suplementada artificialmente para prolongar o fotoperíodo; ou em câmara de crescimento, com luz artificial fluorescente suplementada com lâmpadas incandescentes (estas últimas contribuindo luz em comprimentos de onda do vermelho longínquo).

A Arabidopsis thaliana cresce bem ao ar livre, desde que nas horas de maior intensidade luminosa fique protegida da irradiação directa; a colocação das plantas deve ser de tal maneira, perto de um canto formado por duas paredes ou sob uma pala, de modo a que a só recebam luz solar directa no início ou no fim do dia; em sendo observado este cuidado, pode dizer-se que a luz nas condições de Portugal não constitui qualquer problema e que as plantas suportam bem variações entre dias enevoados e dias límpidos, seja de Verão ou de Inverno (assume-se, nesta afirmação, que as restantes condições de crescimento não são de modo a implicarem stress para as plantas). Uma medição realizada em 29 de Agosto de 1995(7), num dia de céu limpo, deu um máximo de 325 µEinsteinm2s1 recebido pelas plantas (que não pareciam dar sinais de excesso ou falta de luz) em penumbra e através de uma rede protectora de plástico de cor branca, até ao momento, cerca das 19 horas, em que a luz solar passou a incidir directamente (passou a 700 µEinsteinm2s1, mas declinando rapidamente). Quanto à luz artificial, parece dever ficar no intervalo entre os 100 e os 150 µmolm2s1 [Estelle & Sommerville, 1987; Putterill et al., 1995].

O fotoperíodo utilizado tem grande importância no controlo do desenvolvimento (cf. secção d-ii). Dado que com a Arabidopsis thaliana um fotoperíodo curto (por exemplo 8 horas de luz por cada 24 horas) não é propício ao desenvolvimento das inflorescências, mesmo que já se tenha dado a transição para a fase rreprodutora, pode nessas condições maximizar-se o crescimento estritamente vegetativo; com este retardamento do desenvolvimento reprodutivo, as plantas continuam (se bem que não indefinidamente) a desenvolver-se vegetativamente, pela expansão das folhas da roseta e prolongamento e ramificação das raízes.

A temperatura considerada ideal para o crescimento em laboratório da Arabidopsis thaliana situa-se entre os 22 e os 25 ºC. É frequente, em câmaras de crescimento, baixar-se a temperatura em 2 a 4 ºC durante o período nocturno (por exemplo 22 ºC de dia com 70% de humidade relativa e 18 ºC de noite com 80%, usando fotoperíodo longo [Antonovics, 1973]). Esta margem de temperatura define-se pela maior velocidade de crescimento atingida, por isso deduz-se que temperaturas mais elevadas ou mais baixas reduzem o crescimento. Estes limites foram definidos em genótipos provenientes da Europa Central, e é conhecida a sensibilidade de alguns desses genótipos a temperaturas da ordem dos 30 ºC, que em certos casos são análogas a mutantes sensíveis à temperatura que recuperam o crescimento normal por suplementação com nutrientes orgânicos [Griffing & Scholl, 1991; Rédei, 1969]. Dada a larga distribuição desta espécie [Kranz, 1976], inclusivamente nas regiões mediterrânicas, é possível que as condições geralmente tidas como "óptimas" tenham de ser verificados com amostras de outras proveniências com climas bastante diferentes.

Se o crescimento é feito em agar, dado que se faz em compartimentos isolados (tubos ou placas de Petri), coloca-se o problema da temperatura no interior dos mesmos, que pode elevar-se muito.

Tanto ao ar livre como em estufa a presença de outros organismos é inevitável: algas, musgos e fungos são comuns, mas estes últimos podem ser patogénicos e, pelo menos em estufa, têm de ser controlados com fungicidas; a maior ameaça para as culturas de Arabidopsis thaliana, porém, está nos insectos, e acima de tudo os afídeos, que nas culturas ao ar livre são presença certa a partir da Primavera. Outras presenças indesejáveis são larvas de insectos, que podem devorar dezenas de plantas cada uma. A solução adoptada por um viveiro para a eliminação de insectos [comunicação pessoal de George Coupland, John Innes Centre, Norwich] é a fumigação periódica com nicotina.

Nutrientes e densidade de sementeira

A Arabidopsis thaliana adapta-se a praticamente qualquer regime nutritivo, seja ele pobre ou rico, para conseguir completar o seu ciclo de vida com a produção de algumas sementes pelo menos [Sroka, 1967]. Mas é também em resposta à nutrição disponível que esta planta exibe o máximo da sua plasticidade fenotípica em todos os seus caracteres [Pigliucci et al., 1995]. Se por exemplo o experimentador quiser obter 10000 sementes por planta, o que se diz ser possível cultivando em solo [Meyerowitz, 1987], terá de saber optimizar, além das condições de luz e temperatura, a nutrição mineral.

Em primeiro lugar, a disponibilidade dos nutrientes implica limites à densidade de sementeira; por outras palavras, o factor densidade é tanto mais importante quanto mais pobre for o substrato [Myerscough & Marshall, 1967], o que até pode ser explorado na utilização de Arabidopsis thaliana como bioindicador. Embora seja possível semear até 10 indivíduos por cm2, os espaçamentos de 5 cm são o recomendado para culturas em solo [Lawrence, 1966]. Mesmo que se pretenda compensar o efeito de uma maior densidade por suplementação do solo com nutrientes, há que contar ainda com outro limite, que é o da sombra de uns indivíduos sobre os outros.

É de admitir que vários laboratórios a trabalhar regularmente com Arabidopsis thaliana tiveram de passar algum tempo a testar diferentes combinações de substratos até conseguirem chegar a uma que satisfizesse as necessidades que tinham de rendimento e reprodutibilidade. Em lugar de recomendar-se uma receita baseada em produtos que se possam encontrar disponíveis comercialmente em Portugal, visto que não foram testados, é preferível formular algumas sugestões gerais quanto à sua escolha: a areia, quando devidamente tratada ([Myerscough & Marshall, 1967]; cf. terceiro capítulo, secção a), constitui sempre um substrato adequado, mesmo que relativamente pobre. A suplementação da areia com soluções nutritivas é uma possibilidade óbvia [Myerscough & Marshall, 1967], mas que se pode revelar muito trabalhosa se exigir vários adicionamentos ao longo de uma experiência, para além dos riscos de hiperosmolaridade; pode ter como alternativa vantajosa a intercalação de uma camada de granulado nutritivo perto da base do recipiente para o substrato, a qual se vai libertando progressivamente com o movimento de capilaridade da água de rega. A suplementação com composto, turfa ou solo tem a desvantagem de poder ser menos reprodutível, mas pode ser mais benéfica para as plantas e será do maior interesse na utilização da Arabidopsis thaliana como organismo bio-indicador.

Quanto à estrutura do substrato, a figura 1.2 ilustra o que parece ser o consenso para a cultura de Arabidopsis thaliana [Lawrence, 1966; Cetl et al., 1970].

Figura 1.2 -- Esquema da estrutura do solo a utilizar em culturas de Arabidopsis thaliana. A camada de sementeira deve ter até 1 cm de espessura, ser totalmente livre de compacção, e finamente peneirada; a camada intermédia (substrato nutritivo) deve corresponder a 2/3 do restante (por exemplo 4 cm, ou 10 cm), ficando 1/3 para a camada de suporte, por exemplo cascalho (respectivamente, 2 ou 5 cm).

Desenvolvimento dos eixos florais

Neste trabalho o termo indução floral designa uma mudança no padrão de crescimento da parte aérea, em que cessa a formação de novas folhas na roseta e o eixo do caule irá prolongar-se e ramificar-se para servir de suporte a uma ou mais inflorescências. O termo inglês usado para esta transição é bolting (um dos significados do verbo to bolt é endireitar), pois resulta num crescimento na vertical do caule e suas ramificações.

Morfologia

A partir da indução floral, o comportamento do meristema apical caulinar, se bem que com a mesma estrutura interna, resulta numa morfologia marcadamente diferente da parte aérea: os entrenós passam a ser muito mais longos, cada nó produz uma folha apeciolada e uma gema axilar, e o número de nós é limitado; depois do último nó foliar inicia-se uma inflorescência em cacho simples, sem brácteas, de tipo indeterminado e acropétala (isto é, a ordem de maturação das flores, centrípeta, começa na mais antiga, junto à última gema axilar, e continua no sentido do ápice) [Gola et al., 1959]. A figura 1.3 esquematiza uma planta nesta fase.

Cada gema axilar, por sua vez, pode também desenvolver pelo menos um eixo que recapitula todo este processo, inclusivamente produzindo uma ou mais gemas axilares (figura 1.4) -- a ramificação do caule é, assim, também indeterminada(8).

Figura 1.3 -- Esquema de uma Arabidopsis thaliana nas primeiras fases de desenvolvimento do eixo floral principal.

Figura 1.4 -- Esquema da mesma planta da figura 1.3 numa fase de desenvolvimento posterior, já com uma ramificação desenvolvida.

O momento da transição do crescimento em roseta para o crescimento vertical é uma característica importante para o estudo da variação em Arabidopsis thaliana (cf. segundo capítulo, secção a). Nas formas de floração precoce (cf. secção seguinte), esta transição é prontamente assinalada pela presença de um botão no centro da roseta que, com fotoperíodo longo, em poucos dias deverá começar a subir por alongamento dos entrenós do caule; nas formas de floração tardia, essa transição pode ser muito anterior ao alongamento do caule, sendo considerado mais rigoroso observar directamente os primórdios florais (que se evidenciam por serem mais redondos e pálidos que os foliares) para confirmara a passagem para a fase reprodutiva em cada planta [Cetl et al., 1970].

A filotáxia da inserção das folhas e flores parece não seguir um padrão uniforme para a espécie [discussão em Müller, 1965].

Sinais para o início do desenvolvimento dos eixos florais

A Arabidopsis thaliana é uma espécie de dia longo facultativo, isto é, na natureza o crescimento na vertical inicia-se quando o período de escuro dura menos de 12 horas, mas esta limitação parece não ser rígida: se se mantiver a planta com fotoperíodo curto (por exemplo 8 horas de luz por cada 24 horas) ela levará mais tempo a iniciar este crescimento, mas acaba por fazê-lo.

Quando se disponha de uma câmara de crescimento, e se pretenda um ciclo de desenvolvimento e reprodução rápido, o melhor regime é a iluminação contínua [Antonovics, 1973; Cetl 1965]. Nas condições de Portugal, quando a cultura seja feita ao ar livre ou se, dentro de uma estufa, não houver suplementação da luz natural, as sementeiras têm de ser feitas entre a Primavera ou meio do Verão, para que as plantas possam florescer ainda com fotoperíodo longo; senão, podem só produzir flores na Primavera seguinte.

No sentido de se poder controlar a época em que as plantas iniciam o crescimento vertical é também necessário conhecer as características das plantas com que se trabalha, em termos de indução e desenvolvimento dos eixos florais, que nesta espécie variam muito entre populações (cf. segundo capítulo, secção a). Em particular, há proveniências que requerem um período de vernalização, ou seja de permanência a temperaturas baixas. Sem vernalização, o tempo para a indução floral, mesmo que com fotoperíodo longo, pode variar entre 3 a 4 semanas (floração precoce) e cerca de 6 meses (floração tardia) após a sementeira [Napp-Zinn, 1976]; com vernalização, as plantas de floração tardia podem florir muito mais precocemente [Ratcliffe, 1965; Kranz, 1976], o que em termos de utilização laboratorial pode ser muito importante, não só em termos do tempo dispendido mas também para facilitar a comparação com plantas de floração precoce.

A vernalização requer, para que se dê uma indução floral precoce, temperaturas perto do ponto de congelação (em termos experimentais, pois ecologicamente admite-se que até aos 10 ou mesmo 15 ºC serão efectivos [Ratcliffe, 1965]) e fotoperíodo curto [Laibach, 1965]; as fases de desenvolvimento onde tem de ser aplicada correspondem à semente em germinação (cf. secção b-i) ou então só a partir dos 15 a 20 dias após a germinação [Rédei, 1969]. Concluída a vernalização, que pode ter de durar 3 semanas ou até mais [Cetl et al., 1970; ver também Ratcliffe, 1965], as plantas são colocadas à temperatura ambiente e mantidas em fotoperíodo longo para produzirem flores precocemente. Se tal não acontecer (vernalização insuficiente), pode tentar compensar-se com alta intensidade luminosa ou com aplicação de cinetina [Rédei, 1969].

Correlação entre o desenvolvimento da roseta e o momento de transição para a fase reprodutiva

O número de folhas da roseta, dentro das mesmas condições ambientais e com o mesmo genótipo, depende do tempo que medeia entre a germinação e a indução floral, mas cada folha da roseta continua a desenvolver-se mesmo depois de terem sido acrescentadas outras folhas novas. Pode dizer-se que a assimilação pela planta a partir da indução floral depende do desenvolvimento da parte vegetativa: indivíduos com floração retardada, seja porque foram cultivados em fotoperíodo curto seja porque têm certas mutações, mostram um crescimento vertical muito vigoroso, e um maior número de flores que o normal [Rédei, 1969; Coupland, 1995](9).

Experiências de competição (em condições de estufa) entre os mutantes de floração tardia, nos loci GI, CO e LD e indivíduos normais mostraram a possibilidade de um maior fitness destes mutantes [Rédei, 1969], mas as características de muitas populações naturais, que têm floração precoce (cf. segundo capítulo, secção a) levam a colocar alguma precaução neste resultado: as condições naturais nem sempre favorecem fenótipos de floração tardia, apesar do seu vigor vegetativo ser previsivelmente maior. Acrescente-se que, apesar de haver uma correlação positiva entre o tempo de transição para o crescimento vertical e o número de folhas da roseta, o número de frutos em plantas de floração tardia pode ser mais reduzido [Pigliucci & Schlichting, 1995].

Polinização

Embora tecnicamente não seja fácil, a polinização cruzada em Arabidopsis thaliana figura obrigatoriamente entre as manipulações desta planta que é importante dominar. Procurar-se-ão transmitir neste capítulo as recomendações dos que a praticam por rotina e juntar algumas observações próprias.

Morfologia da flor

As flores de Arabidopsis thaliana são, como as das crucíferas em geral (figura 1.5)(10), constituídas por 4 sépalas verdes, alternando radialmente com 4 pétalas brancas, 6 estames (2 dos quais mais curtos) com antera e pólen amarelos, e 2 carpelos cujos estigmas estão fundidos e exibem, na altura da receptividade, pelos transparentes relativamente longos, a formar uma estrutura em "escova". Nessa altura, uma flor de Arabidopsis thaliana tem aproximadamente 2,5 mm de comprimento desde a base do cálice [Antonovics, 1973].

Desenvolvimento da flor e procedimento para a polinização artificial

Inflorescência

Ao longo do eixo de cada inflorescência há flores em sucessivos estádios de desenvolvimento, pelo que em qualquer momento da fase reprodutiva de uma planta é possível encontrar uma ou mais flores em cada inflorescência que estejam em condições para remoção das anteras (emasculação) e subsequente polinização(11). As restantes flores, que deverão ficar auto-polinizadas, não têm de ser removidas após a polinização, pois a ordem das flores nas inflorescências não se altera e a posição das flores manipuladas pode ser registada sem ambiguidades.

Emasculação

O desenvolvimento da flor é ligeiramente protogínico, ou seja, o gineceu adianta-se no seu crescimento ao longo do eixo da flor em relação ao androceu [Antonovics, 1973; Estelle & Sommerville, 1987]; posteriormente, com a corola bem aberta, já os estames atingiram o estigma e as flores encontram-se auto-polinizadas. A ântese dá-se ainda antes dos estames mais compridos alcançarem o estigma, e essa etapa marca o último estádio do desenvolvimento da flor em que é possível obviar a autopolinização por remoção das anteras. Identifica-se esta fase a olho nu pelo facto de as pétalas já serem mais compridas que as sépalas (a flor tem 2 mm de comprimento), mas não o suficiente para que a corola se encontre totalmente aberta, antes continuando as pétalas paralelas ao eixo de simetria da flor. Em fases mais precoces, dado que a flor é (ainda) mais pequena e porque as sépalas ainda encerram por completo os estames, é mais difícil de manipular. No entanto, como também há flores numa fase em que o estigma chega a projectar-se além dos limites das sépalas, também é possível realizar-se a polinização prévia à ântese sem danificar as flores e até sem emasculá-las. Nesse caso, recobrindo-se completamente o estigma com o pólen do parceiro de cruzamento, a possibilidade de autopolinização pode ser diminuta [Antonovics, 1973].

A emasculação pode ser feita com o auxílio de uma lupa binocular, mas é frequente as inflorescências crescerem a uma altura que já não poderem ser focadas por este instrumento. Uma lupa de mão em posição fixa ou um óculo de relojoeiro (5 10×) são geralmente preferíveis. Em qualquer caso, é indispensável uma iluminação suplementar das flores para realizar a operação.

Figura 1.5 -- Diagrama floral (traço grosso) e modelo "ABC" (vide texto) de determinação dos órgãos florais a partir do meristema floral. O círculo a tracejado define o limite do meristema floral para melhor situar a localização dos mRNAs de cada gene.

Segura-se a flor que se escolheu para emascular entre o polegar e o indicador de uma mão, enquanto com a outra mão as anteras são removidas com uma pinça ou uma tesoura microcirúrgica. Qualquer dano ao gineceu, à corola ou ao cálice, mesmo que se trate duma leve quebra de uma das peças florais de protecção, pode comprometer o êxito da polinização -- esta é uma tarefa que requer bastante prática para começar a dar resultado por rotina.

Alternativamente, pode construir-se um dispositivo de sucção dos estames para um tubo de calibre adequado, accionado pelo operador por intermédio de um pedal eléctrico [Rédei, 1969].

Segundo parece, com suficiente treino e perícia chegam a poder executar-se 20 a 30 polinizações artificiais por hora [Estelle & Sommerville, 1986]. As flores polinizadas após emasculação podem dar cerca de 20 sementes híbridas cada uma, pelo que na maior parte das circunstâncias apenas algumas flores terão de ser polinizadas para conseguir-se uma F1 suficientemente grande. Se se pretenderem grandes números de semente híbrida -- mas abdicando da possibilidade de cruzamentos recíprocos -- então é preferível recorrer a mutantes que facilitam a polinização cruzada, nomeadamente a do mutante "as" (asymmetric rosette leaves), que desenvolve o gineceu prematuramente, alguns dias antes da ântese [Barabas & Rédei, 1971]. Actualmente são preferidos os mutantes "ms" (male sterile) que têm tão pouco pólen, ou mesmo nenhum, que só se reproduzem quando polinizados artificialmente [Antonovics, 1973; Estelle & Sommerville, 1986].

Colheita e aplicação do pólen

O pólen, que não é particularmente abundante, deve ser obtido de flores plenamente desenvolvidas (corolas abertas) e recolhido num pequeno quadrado de papel, que se dobra ao longo da diagonal de modo a formar um vértice que se direcciona para o estigma. Alternativamente, usa-se um pincel para realizar a transferência do pólen recolhido para o estigma.

Prática dos cruzamentos

A emasculação requer que as sementeiras tenham sido feitas em pequenos vasos (ou caixas rasas, se isso melhorar as possibilidades de utilizar uma lupa binocular para a polinização), de preferência com uma planta cada. Dependendo do número de tentativas que se considera necessário, assim se dimensiona o número de plantas a preparar.

Se se pretenderem fazer cruzamentos recíprocos, para a detecção (ou rejeição) de efeitos maternos ou hereditariedade citoplásmica, ambos os genótipos a cruzar terão de ser emasculados.

Os pólens, dado que esta planta produz pouca quantidade, serão preferencialmente colectados de culturas em massa feitas à parte (não necessariamente em simultâneo com as dos parceiros de cruzamento, mas neste caso deverão ser conservados no frigorífico ou no congelador).

A auto-polinização na própria flor que se emasculou é uma possibilidade, pelo que os progenitores têm de estar marcados geneticamente, tal que o feminino seja homozigótico para um alelo recessivo em relação ao alelo que provém do pólen: deste modo, só as verdadeiras F1 (derivadas do pólen transmitido artificialmente) apresentarão o fenótipo dominante, distinguindo-se das plantas resultantes de autopolinização apresentadoras do fenótipo recessivo. É sempre de contar com uma percentagem de falsas F1, por isso a vantagem de um reconhecimento precoce do fenótipo materno na descendência deve guiar a escolha da mutação marcadora.

O retrocruzamento da F1, polinizando-a com o pólen do genótipo materno, acarreta trabalho de cruzamentos desnecessário, pois a F2 obtida por autopolinização é fácil de obter e em grandes quantidades; quando se está a analisar a segregação de um fenótipo mutante induzido, o retrocruzamento tem a desvantagem de não permitir observar a segregação de outros genes que possam ter sido mutados em simultâneo com o que se estuda [Last & Fink, 1988].

Frutos

Uma vez polinizadas as flores, o primeiro sinal do desenvolvimento dos frutos é o alongamento do gineceu, antes mesmo da senescência dos restantes órgãos florais. Este crescimento prolonga-se até uma extensão para lá de 1 cm, produzindo-se uma silíqua verde, e ligeiramente encurvada, que ao fim de 2 semanas pós-polinização começa a amadurecer. As sementes estão maduras (e eventualmente em dormência) quando a silíqua está totalmente seca -- a qual se abre espontaneamente ao mais leve toque, para as libertar.

Morfologia

Conforme à anatomia do ovário [Sessions & Zambryski, 1995], o fruto é biloculado com um septo mediano (chamado replo), resultante da fusão das margens desses carpelos (figura 1.6). As sementes, de inserção parietal nas margens dos lóculos, ficam por isso ligadas ao septo enquanto se desenvolvem e amadurecem(12).

Figura 1.6 -- Silíqua madura. Desenho segundo ilustrações em Sessions & Zambryski [1995]. 1, pedicelo; 2, replo; 3, sementes (acinzentado); 4, valva; 5, vestígio do estigma.

Colheita das sementes

Como já referido anteriormente (cf. secção b-i), caso se pretenda evitar que as sementes entrem em dormência, é importante colhê-las antes do amadurecimento final dos frutos, por exemplo quando começam a transitar do verde para o amarelado e o tegumento das sementes ainda é relativamente descolorido; é necessário bastante cuidado na manipulação destes embriões, e a sua sementeira tem de ser imediata.

Quando se fazem sementeiras densas, e principalmente pela tendência dos eixos florais para se ramificarem e encurvarem, é bastante provável que estes se entrelacem de tal maneira que a colheita das silíquas uma a uma seja complicada e morosa. Mas devem ser poucas as situações, como quando se pretende a colheita de sementes antes da maturação, em que colher uma a uma seja necessário -- há meios expeditos de fazer colheitas em conjunto: cessando-se a rega, as plantas secam em poucas semanas (em geral completando a maturação das sementes), para em seguida poderem cortar-se os eixos florais pela base, separando-os das rosetas, e transferirem-se todos os frutos presentes nesse emaranhado para uma folha de papel suficientemente grande (tanto a operação de corte como a de transferência implicam algum cuidado para que se minimize a queda de sementes); o papel é em seguida enrolado à volta dos eixos florais, o que permite a recolha da maior parte das sementes, que são finalmente separadas do resto do material vegetal passando-as por um crivo (ou um vulgar passador) com cerca de 1 mm de malha.

Quando se pretendem individualizar as descendências de cada planta, seja para contagem de letais (cf. segundo capítulo, secção b-iii) ou para análise de segregações, então as plantas têm de estar completamente separadas entre si, ou por espaçamento ou por sementeira individual em vasos. Feenstra [1967] verificou que a protecção lateral dos eixos florais, com uma manga de polietileno, faz com que quase não se percam sementes -- sem dúvida porque as protege das deslocações de ar. Mal comece a aparecer a primeira flor do eixo principal, um tripé de 30 cm de altura por 7 cm de lado é enterrado em redor da planta, sendo-lhe fixada a manga com clips, deixando um espaço de arejamento rente ao solo, eventualmente suplementado de pequenos orifícios a 5 cm do solo. Na altura da colheita soltam-se os clips, corta-se a base dos eixos florais, sela-se a manga apertando-a a essa base, em seguida pressionando-a lateralmente para soltar as sementes, analogamente ao descrito acima. O problema deste processo, em estufa pelo menos, é a dificuldade acrescida em combater os afídeos e outros insectos. Existe uma variante deste procedimento ("pods-a-plenty"), usando garrafas de plástico de 1.5 litros fixadas à margem dos vasos [www1/4].

Factores determinantes da produção de sementes

Factores ambientais

Vários estudos, alguns dos quais bastante detalhados, [Pigliucci et al., 1995], identificaram o nível de nutrientes, em comparação com o de rega ou de iluminação, como o factor que mais distintamente influencia a produção de sementes. A nutrição das plantas influencia nomeadamente a ramificação do caule e consequente número de inflorescências, entre outros caracteres [Pigliucci & Schlichting, 1995].

Se é importante obter muitas sementes por planta, a sementeira deve fazer-se em solo; o espaçamento dado e a riqueza nutritiva do substrato devem ser tais que providenciam o máximo de crescimento das plantas -- eventualmente amplificado por regimes de fotoperíodo e temperatura que adiem a floração para que a roseta atinja grandes dimensões. Uma vez induzida a floração, o fotoperíodo deve ser longo, a temperatura próxima dos 25 ºC e os nutrientes disponíveis suficientes para suprir as vigorosas plantas que se desenvolveram. Meyerowitz [1987] refere que em condições adequadas uma só planta produz frutos quase indefinidamente, sendo possível chegar-se às 10000 e mesmo às 50000 sementes por indivíduo.

Factores genéticos

Em heterozigóticos produzidos por polinização cruzada entre linhas homozigóticas de Arabidopsis thaliana [Cetl, 1987], o número de sementes é a característica onde mais fortemente se expressa a heterose; em contraste, as características temporais (número de dias desde a germinação até ao primórdio floral, etc., até à maturação da primeira silíqua, assim como o correlato número de folhas na roseta) mantém-se inalterada nos heterozigóticos. É assim de esperar que, quando se realizem cruzamentos entre progenitores de backgrounds genéticos diferentes, as F1 produzam mais sementes (talvez para cima do dobro, segundo os dados desse estudo) que os respectivos progenitores crescendo em paralelo e nas mesmas condições. Quando se trate de cruzamentos entre linhas puras com o mesmo background (por exemplo entre um mutante homozigótico e a linha onde foi induzida a mutação) tal efeito de heterose deverá ser mais a excepção do que a regra, embora o trabalho de Cetl [1987] indicasse a possibilidade de sobredominância num locus ser determinante dessa heterose -- por isso, quando se verifique esse efeito num heterozigótico contendo essa nova mutação, é importante estar alerta para a eventualidade no sentido de ser submetida à análise genética.

1. O requisito de luz para a germinação prende-se com a actividade de um sistema dual de fitocromos que regula a resposta à luz durante a germinação e em todo o desenvolvimento da planta, com efeitos antagónicos entre si, codificados pelos loci PHYA e PHYB [Kwok et al., 1996]; PHYA é induzido pelo vermelho longínquo (FR) e inibido pelo vermelho (R), sendo a sua actividade favorecida quando a semente ou planta se encontra debaixo da sombra de outras plantas; uma razão R:FR baixa mantém a quiescência da semente, tal facto interpretando-se como uma estratégia de evitar a sombra. Mutantes deficientes para PHYA não têm esta nem outras respostas à razão R:FR.

2. Também contribui para a assépsia: borrifar previamente o volume de ar sobre a bancada de trabalho com álcool a 70%; lavar e desinfectar as mãos com etanol a 70%; usar uma bata esterilizada (em panela de pressão); cobrir os cabelos com uma touca; colocar uma máscara de cirurgião para a boca e o nariz.

3. Existem dois modelos de crescimento na germinação: com luz suficiente, o modelo que funciona por defeito consiste da expansão dos cotilédones, que ficam verdes (processo que neste contexto recebe o nome de fotomorfogénese, por oposição ao de escotomorfogénese ou resposta ao escuro [Kwok et al., 1996]); com luz insuficiente, dá-se o alongamento do hipocótilo, sem expansão cotiledonar nem produção de clorofila (estiolação), fruto da indução de uma bateria de genes repressores da fotomorfogénese (COP1, COP8, COP9, COP10, COP11, DET1, FUS4, FUS5, FUS11, FUS12), mas sem interferência com a acção do sistema PHYA/PHYB; todos eles foram identificados através de mutantes que não alongavam os hipocótilos no escuro [Kwok et al., 1996]; sabe-se que alguns alvos desta repressão são genes da fotossíntese, nomeadamente RBCS (ribulose-5-bifosfato carboxilase subunidade pequena) CAB (proteínas que ligam a clorofila a) e CHS (chalcone sintetase).

4. O gene ALF4 parece ser necessário à transição que leva as células do periciclo a iniciar os primórdios de raízes laterais [Scheres et al., 1996].

5. A intervenção das auxinas no gravitropismo da raiz é mediada pelos loci AXR1 e (também para o gravitropismo do hipocótilo) AXR2 e DWF, cujos mutantes são relativamente insensíveis a estas fitohormonas e, pleiotropicamente, deficientes na resposta gravitrópica; também se reconhecem outros loci, AUX1 e AGR1, cuja intervenção na resposta gravitrópica não parece envolver a sinalização por auxinas; a resposta fototrópica das raízes é deficiente em mutantes nos loci RPT1, RPT2 e WAV1; finalmente, os loci WAV2, WAV3 e WAV4 parecem, através dos padrões anormais de crescimento dos seus mutantes, relacionar-se com o controlo da rotação da raiz quando responde ao toque [Okada & Shimura, 1992]. Os mutantes axr1­ apresentam um crescimento anormal da parte aérea e do desenvolvimento dos estames, pelo que é um locus com expressão em vários tecidos onde actuam as auxinas [Estelle & Sommerville, 1987]. Mutantes insensíveis ao etileno, com diversas alterações da morfologia dos cotilédones e hipocótilo durante a germinação, permitiram identificar os genes ETR, EIN1, EIN2, ETO1 e HLS1 [Okada & Shimura, 1992]. O gene RHD6 também responde ao etileno, mas nas raízes, determinando o posicionamento correcto dos primórdios dos pelos radiculares [Dolan & Roberts, 1995].

6. O locus STM favorece a manutenção da proliferação no meristema apical caulinar, inibindo a diferenciação celular, e foi identificado através de mutantes que não constituíam o primórdio deste meristema durante a embriogénese; CLV1 e CLV3 regulam o tamanho do meristema, controlando o ritmo das divisões celulares (os mutantes têm meristemas gigantescos e, entre outras anomalias, produzem carpelos supranumerários nas flores) [Meyerowitz 1997]. DIM [Takahashi et al., 1995] é um gene necessário ao alongamento das células pós-meristemáticas, e os seus mutantes são deficientes na reorganização das microfibrilhas de celulose das paredes, necessária a esse processo, dando plantas anãs células diminutas (algo surpreendentemente, descobriu-se que um segmento de DIM tem homologia com um gene humano de função desconhecida que é expresso em mioblastos!). Especificamente para as estruturas derivadas da camada L1 (a mais superficial do meristema) os genes GL1 e TTG complementam-se para a diferenciação dos tricomas na epiderme (pleiotropicamente, TTG contribui ainda para a distribuição dos pelos absorventes na epiderme das raízes); também foi identificado um locus, TMM, que parece regular o espaçamento dos estomas, por um mecanismo de repressão lateral da determinação destas estruturas [Dolan & Roberts, 1995].

7. As unidades SI são Jm2s1 ou Wm2, nem sempre sendo possível converter exactamente de unidades como lux, µEinsteinm2s1 ou µmolm2s1. O autor cinge-se em cada caso às informações disponíveis da literatura ou do aparelho utilizado.

8. A resposta à sombra, mediada pela indução do gene PHYA, traduz-se também nesta fase do desenvolvimento por uma menor ramificação do caule e aceleração da floração, interpretável como uma estratégia "altruísta" de encerramento do ciclo de vida, na impossibilidade de atingir um maior desenvolvimento vegetativo [Callahan et al., 1997]. O crescimento indeterminado dos eixos florais é mantido pela actvidade do já referido locus TFL, que inibe a expressão de LFY e de outro iniciador das inflorescências, AP1, no meristema apical caulinar; pelo contrário, a actividade do gene AG, para além de participar na determinação dos estames e carpelos das flores, implica a cessação da CZ do meristema, como o sugerem os mutantes ag­, cujas flores são aparentemente indeterminadas, com várias repetições de sépalas-pétalas-pétalas [Meyerowitz, 1997].

9. Os mutantes nos loci GI, CO e LD têm um atraso da floração em dias longos, mas quando se aplica no meristema apical caulinar o antimetabolito 5-bromodesoxiuridina (BrdU), que retarda transientemente a actividade mitótica nesta estrutura, têm um comportamento normal [Rédei 1975]; CO é responsável pela indução do locus LFY, que participa na iniciação da inflorescência [Simon et al., 1996].

10. Os loci AP2, AP3, PI e AG são, conjuntamente, os responsáveis pela determinação da identidade dos órgãos florais (figura 1.5). A expressão de AG abrange o círculo central do meristema floral e é circundada pela zona de expressão de AP2, com o qual não se sobrepõe; formando uma coroa intermédia, que se sobrepõe parcialmente às duas áreas definidas pela expressão de AP2 e AG, está a expressão de AP3 e PI. Correlacionando os fenótipos dos mutantes em cada um destes loci com esta distribuição da expressão dos quatro genes, concluiu-se que, da periferia para o centro, e por ordem cronológica na ontogenia, AP2 sozinho determina as sépalas, AP2+ AP3 + PI determinam as pétalas, AP3 + PI + AG determinam os estames, e AG sozinho determina os carpelos. AG também suprime o crescimento indeterminado do meristema floral (cf. secção d-i). Mutações nestes loci resultam em alterações na identidade dos órgãos florais, e por isso se diz que estes genes são homeóticos: por exemplo os fenótipos apetala, no caso dos mutantes ap2, caracterizam-se por duas coroas simétricas de estames e carpelos (estes na periferia e no centro), pois verifica-se que a expressão de AG passa a alargar-se à zona de expressão de AP2; no caso dos ap3, há duas coroas de sépalas e duas de carpelos. Já o espaçamento entre os primórdios florais (mas não vegetativos) é determinado pelo locus PAN, reconhecido através de mutantes com pétalas em excesso (todas as referências relevantes a estes genes estão revistas por Meyerowitz [1997].

11. O locus ER está envolvido em diversos aspectos do crescimento das inflorescências, sendo o mutante induzido por Rédei (numa linha Landsberg, cf. terceiro capítulo, secção a) caracterizado por uma disposição anormal das flores na inflorescência, presumivelmente por deficiência do crescimento do eixo que as suporta: uma imagem característica deste mutante é a aglomeração de botões florais, flores e frutos no topo da inflorescência. A maior rigidez dos eixos florais está na origem do nome erecta dado a este fenótipo, mas a expressão desta mutação observa-se na morfologia de várias outras estruturas (por exemplo, pedicelos e frutos curtos). Esta linha (abreviadamente designada Ler) tornou-se talvez no principal background para a indução de mutações (cf. segundo capítulo, secção b), pela conveniência de efectuar as polinizações neste tipo "compacto" de inflorescência.

12. Diversos alelos mutantes do locus ETT [Sessions & Zambryski, 1995] caracterizam-se por alterações na construção do gineceu (e desenvolvimento da silíqua, quando não sejam estéreis), atribuíveis a erros na coordenação da informação posicional sensu Wolpert dentro do carpelo entre ovário, estilete e estigma, e entre os dois lóculos, etc..