Segundo capítulo
Desde há décadas que se reconhece na Arabidopsis thaliana uma notória diversidade natural no que concerne aos tempos de floração, à qual se atribui grande parte da capacidade desta espécie de colonizar os mais diversos habitats, desde a Noruega até ao arquipélago de Cabo Verde, do planalto do Pamir à Alemanha e à Líbia [Rédei, 1969]. O facto de ser uma planta autogâmica levaria a supor que cada população seja constituída por apenas algumas linhas puras, ou mesmo ser virtualmente isogénica. Porém, a realidade não parece ser essa: amostragens relativamente abrangentes revelaram que numa determinada população pode existir heterogeneidade genética e que uma larga proporção dos indivíduos dão descendências marcadamente heterogéneas também [Cetl, 1965, 1987; Karbe & Röbbelen, 1968; Napp-Zinn, 1976; Kranz, 1976]. Tal deve-se provavelmente a situações de polimorfismo equilibrado, isto é, à manutenção de uma proporção significativa de heterozigóticos em diversos loci na população, por vantagem em relação aos homozigóticos (heterose) [Kranz, 1976; Usmanov et al., 1978; Cetl, 1987]; a tendência para o polimorfismo é um pouco facilitada pela polinização cruzada [Cetl, 1987], provavelmente mediada por insectos, que se pode presumir atingir mais de 2% em populações naturais [Lawrence & Snape, 1971].
A Arabidopsis thaliana é considerada, em função da sua localização predominante, uma espécie europeia, mas certos autores vêem o seu centro de origem nas regiões do Afeganistão, Tadjiquistão, e cordilheira dos Himalaias, onde ocorrem muitas das outras espécies do mesmo género [Rédei, 1969]. Em todo o caso, a sua diversificação fisiológica na Europa e costa norte de África tem levado à sua utilização como modelo de adaptação ecológica para muitas espécies anuais com distribuição semelhante [Ratcliffe, 1965].
Segundo Laibach [1965], as espécies anuais são classificadas em anuais de inverno que se desenvolvem vegetativamente durante o outono e inverno para florirem na primavera, e anuais de verão que só germinam depois de passarem o inverno como sementes. Na Arabidopsis thaliana há populações de inverno assim como as há de verão, o que se considera reflectir o potencial adaptativo da espécie a diversos climas, solos e fitocenoses; o reconhecimento precoce desta variação levou a que as colecções de germoplasma tivessem sempre sido caracterizadas não só em termos de morfologia como também de tempo de floração [Rédei, 1969; Röbbelen, 1965]. O comportamento sazonal da Arabidopsis thaliana na Inglaterra central é paralelo ao de outras plantas anuais, o que não só indica uma convergência fisiológica entre diferentes espécies, mas acima de tudo sugere que os caracteres determinantes da época de germinação e de floração podem ter uma forte correlação com a adaptação geográfica [Ratcliffe, 1965]. Em conformidade, Ratcliffe procurou estabelecer uma classificação para as populações europeias e da bacia mediterrânica, subordinando-as às regiões climáticas correspondentes. Segundo as temperaturas e regime de chuvas, assim em cada população prevaleceriam os genótipos que germinem e floresçam nas épocas mais propícias à permanência dessas populações. Deste modo, Ratcliffe [1965] definiu 4 classes de populações de Arabidopsis thaliana segundo a localização geográfica e postulou os padrões de dormência das sementes e indução floral mais adequados (tabela 2.1):
Tabela 2.1 -- Características climáticas e adaptação fisiológica correspondente em Arabidopsis thaliana, segundo Ratcliffe [1965]
Populações | Pluv. máx | Temp.inv. | Temp.verão | Germinação | Vernal.* | Dormência* |
mediterrânicas | inverno | frio | elevada | outono | ±? | ?? |
atlânticas | inverno | frio | moderada | outono | + | provável |
nórdicas | (uniforme) | muito frio | fresca | out./fim inv. | ++ | ?? |
continentais | verão | muito frio | elevada | primavera | variável |
* note-se a indefinição quanto à classe mediterrânica
Esta classificação visa estabelecer uma correspondência idealizada entre o ciclo anual de cada população e as condições em que o mesmo se desenrola; assim, no clima atlântico -- tipificado pela Grã-Bretanha central -- a dormência termina entre Agosto e Setembro, o que com o solo molhado implica germinação e crescimento o mais tardar no outono mas, por causa do fotoperíodo curto e também da baixa temperatura, obriga em princípio a atravessar o inverno sem haver produção de flores: as plantas continuam desenvolvendo a roseta, enquanto se sujeitam a temperaturas próximas de 0 ºC (o que constitui uma fase de vernalização), e é a partir de Janeiro-Março que a actividade de reprodução realmente começa para em Março-Maio efectivar-se a maturação das sementes (as variações temporais neste esquema acompanham a latitude: quanto mais ao Sul, mais cedo se dá a floração e produção da semente). A dormência é assim um meio de evitar que estas sementes germinem logo a seguir à sua maturação, ainda na primavera e início de verão, pois supõe-se que a época mais seca do verão seria altamente prejudicial ao desenvolvimento das plantas, consequentemente com o risco de desperdício de recursos genéticos.
No entanto, o controlo da dormência constitui apenas uma parte das adaptações fisiológicas aos habitats demonstradas em Arabidopsis thaliana: nestas populações que tipificam o regime atlântico, a indução floral é fortemente dependente de um período de frio (a vernalização referida na tabela 2.1, cf. primeiro capítulo, secção d-ii) que previne a precocidade, neste caso a da floração (evitando que se dê entre o outono e início do inverno).
Em contraste, as populações mediterrânicas não deverão requerer dormência -- só no outono a água proveniente das chuvas permitirá a germinação; e "talvez" não tenham requisito de vernalização porque o clima só temporariamente propicia temperaturas próximas da congelação. O fotoperíodo, já sendo curto, não conduz ao desenvolvimento precoce da inflorescência. No extremo oposto encontram-se as populações nórdicas, com um estrito e prolongado requisito de vernalização, coincidente com invernos longos, mas uma provável ausência de dormência, devido aos verões breves. Como se vê, segundo este esquema geral trata-se de três classes que se separam arbitrariamente no que parecem ser gradientes fisiológicos de requisito de vernalização (oposta à precocidade de floração) e de dormência (figura 2.1).
Quanto às populações em clima continental, onde as temperaturas de outono são mais baixas e o solo mais seco que no clima atlântico, não tenderão a germinar antes do inverno, e se o fizerem não têm condições para florir senão na primavera. Para isso deverá contribuir um período de dormência que as faça não responder à humidade do solo durante o verão. Por conseguinte, em geral passam o inverno como sementes e germinam na primavera, mas têm de ser indiferentes à vernalização.
Figura 2.1 -- Gradientes fisiológicos, do grau de dormência das sementes e do requisito de vernalização para indução floral, das populações de Arabidopsis thaliana segundo os três regimes climáticos não-continentais da Europa.
Indubitavelmente estas correlações com as características dos habitats são sugestivas do significado adaptativo do ajustamento da duração da dormência nas sementes e da sensibilidade a sinais como a temperatura para efectivar-se a indução floral; mas são demasiado redutoras, por exemplo em relação às variações entre anos sucessivos: há populações no clima continental que podem ser "anual de inverno" num ano e no ano seguinte "anual de verão", apenas em função das flutuações climáticas [Laibach, 1965]. Por isso talvez seja menos significativo tentar submeter a variação em Arabidopsis thaliana aos conceitos genéricos de ciclo de inverno ou de verão, apesar da sua conveniência, para em lugar disso referir as populações em termos de dormência e de tempo de floração, precoce ou tardia (cf. secção iii).
A eventual validade da subdivisão das populações de Arabidopsis thaliana segundo as grandes regiões climáticas da Europa não deixa, em todo o caso, de perder-se a nível local. Um exemplo bem documentado de heterogeneidade local é o de populações presentes numa região relativamente pequena da Morávia, distribuídas por diversas altitudes [Cetl, 1965, 1978], onde a baixas altitudes (e temperaturas mais altas) predominam ciclos de inverno e nas maiores altitudes um ciclo de verão. Muitas destas populações pareciam conter bastante heterogeneidade de tempos de floração [Cetl, 1965], e demonstrou-se que essa heterogeneidade era determinada geneticamente [Cetl, 1987]. Outro exemplo de heterogeneidade local em Arabidopsis thaliana foi relatado em no Tadjiquistão [Usmanov et al., 1978]. Uma explicação sugerida para os padrões genoclinais observados refere que a colonização das altitudes mais elevadas foi feita a partir das zonas baixas, acompanhando duas migrações humanas ocorridas séculos atrás, e que nas condições climáticas de maior altitude o requisito de vernalização da planta para indução floral teria deixado de conferir vantagem adaptativa; em virtude disso, ter-se-iam fixado nessas populações genes recessivos aos quais parece estar associada uma perda da sensibilidade à vernalização (revisto em Cetl [1987]).
Em contraste com a vernalização, o fotoperíodo não influencia a indução floral, limitando-se a promover o crescimento vertical do caule [cf. a discussão em Ratcliffe, 1965]. Cetl [1978] concluiu, aliás em concordância com Napp-Zinn [1976], que existe uma equivalência, em termos de valor adaptativo, entre a variação na fisiologia da dormência das sementes e na da indução floral -- assim, é o conjunto das condições de fotoperíodo e temperatura, e o estado de dormência, junto com a eventual contingência de um requisito de vernalização, que determinam no outono qual é o comportamento das populações. Adicionalmente, registe-se que persiste no solo uma reserva de sementes de Arabidopsis thaliana que não germinam mesmo tendo condições, permanecendo viáveis mas dormentes para anos subsequentes [Ratcliffe, 1976], o que acrescenta alguma complexidade ao quadro de adaptações desta espécie no sentido de assegurar a sua permanência nos habitats.
O termo ecótipo refere uma população para a qual se define um conjunto de características com suposto valor adaptativo para o respectivo habitat natural. Em Arabidopsis thaliana essas adaptações são quase sempre de carácter fisiológico, designadamente as que determinam as épocas de germinação e de reprodução, em contraste com as características morfológicas, que dada a sua plasticidade apresentam variações não-adaptativas -- mas a existência de heterogeneidade para o crescimento da roseta já foi evidenciada em populações naturais [Karbe & Röbbelen, 1968]. Mais ainda, é comum verificar-se heterogeneidade genética, precisamente nas características de maior valor adaptativo, dentro de cada ecótipo: assim, numa aparente uniformidade fenotípica para cada proveniência pode albergar-se uma reserva de diversidade genética importante.
Sabendo-se isto, o uso do termo ecótipo em referência a linhas puras utilizadas nas mais diversas manipulações laboratoriais é incorrecto. Mesmo nos "ecótipos" com que se trabalha em laboratório, apesar de apresentarem heterogeneidade e mesmo que recém-obtidos das colecções de germoplasma estabelecidas, se tem de questionar se são ainda representativos das populações originais (ou de quaisquer populações naturais de Arabidopsis thaliana): nas sucessivas gerações de manutenção ex-situ é extremamente difícil controlar a erosão genética, não só por via da eventual fixação de alelos mas sobretudo pela diminuição da frequência de genótipos heterozigóticos, sem os factores que na natureza os contrabalançam. Tais considerações podem não ter grande relevância para a maior parte do trabalho com Arabidopsis thaliana, mas terão de ser levadas em conta para o estudo da relação entre o património genético das populações e os padrões de adaptação desta espécie.
As investigações mais detalhadas sobre variação natural foram levadas a cabo sobretudo na Alemanha, Morávia e Grã-Bretanha. Pelo contrário, as referências às populações mediterrânicas de Arabidopsis thaliana assumem-se como hipotéticas e baseadas em extrapolações [Ratcliffe, 1965] -- mesmo no estudo de colecções que por certo incluíam representantes de tais populações, pouco se refere explicitamente [Kranz, 1976]. Por outras palavras, o conhecimento sobre populações como as que existem em Portugal é largamente superficial.
A ser aprofundado, esse conhecimento poderá complementar os dados sobre outras populações da Europa àcerca dos determinantes da dormência e da indução floral na espécie. Trata-se de um tema cujo interesse vai além da descrição da ecologia da espécie, e que tendo em conta a disponibilidade dos seus ecótipos para a análise experimental pode contribuir para o esclarecimento de questões em fisiologia com relevância não só para a Arabidopsis thaliana como, presumivelmente, para muitas outras espécies.
O facto da Arabidopsis thaliana ter características tão adequadas à experimentação controlada deu lugar a sistemas experimentais que procuraram analisar, comparando as diferentes populações, os determinantes fisiológicos dos tempos de germinação e de floração.
Um dos principais problemas na comparação entre estes sistemas de análise é o facto de em geral estar a realizar-se uma observação, se bem que correlacionável com a variação adaptativa em estudo, diferente de uns para os outros: Ratcliffe e Kranz empregaram protocolos comparáveis de vernalização, mas o crescimento subsequente não foi nas mesmas condições, e só no caso de Kranz procurou-se uma quantificação por comparação com controlos; este, surpreendentemente, não deu quaisquer indicações àcerca das proveniências geográficas e sua correspondência com as classes definidas pelo valor de (se não houvesse uma correlação com climas, então toda a argumentação desenvolvida por Ratcliffe seria invalidada). Cetl e Napp-Zinn usam estratégias semelhantes entre si, mas os dados não são comparáveis, pois nem Cetl determina os tempos médios de floração nem Napp-Zinn deu percentagens de indução num tempo pré-fixado; para além disso, as condições utilizadas por este último não foram especificadas, impedindo que um limiar de distinção entre populações precoces e tardias fosse estabelecido analogamente ao trabalho de Cetl -- mesmo assim, a inversão dos padrões de covariação entre tempo de floração e altitude entre estas duas linhas de trabalho sublinha bem como é difícil generalizar sobre as relações entre variação fisiológica e influências climáticas, como Ratcliffe [1965] sugeriu inicialmente. Por isso estes trabalhos estão longe de ser conclusivos, mas o exposto poderá constituir um padrão para o delineamento de futuros estudos.
Apesar de se conhecer a heterogeneidade genotípica nos caracteres de floração dentro de várias populações, e das excelentes condições experimentais desenvolvidas para a Arabidopsis thaliana, poucos são os exemplos de selecção artificial [Rédei, 1969], e pelo que parece nunca numa perspectiva de correlação entre variação natural e adaptação aos habitats. As tentativas de análise genética destes caracteres, inclusivamente pelo estudo da distribuição de isoenzimas, não levaram ainda à identificação dos loci intervenientes, e não se conseguiram induzir mutantes que recapitulem rigorosamente a variação natural [Kranz, 1976; Coupland, 1995].
Estas investigações, para terem significado, tiveram de basear-se em amostragens "de fresco" no campo [Ratcliffe, 1965; Cetl, 1965, 1978; Karbe & Röbbelen, 1968; Napp-Zinn, 1976; Usmanov et al., 1978], pois o recurso às colecções de germoplasma [Kranz, 1976], não deixando de ter representatividade, não deixa também de implicar, pelo facto de se manterem as plantas em estufa, uma perda de informação e uma potencial causa para observações de significado discutível: em estufa deixam de estar em jogo as condições de selecção dos habitats naturais, o que conjugado com uma autogamia ainda maior que na natureza [Lawrence & Snape, 1971] implica uma inevitável redução da proporção de loci heterozigóticos; acrescente-se, que pela tendência para uniformizar as condições ambientais (ainda por cima artificiais) com todas as populações da colecção, independentemente das especificidades das suas proveniências, se corre o risco de acelerar o afastamento entre as linhas mantidas em estufa e as populações naturais.
Para os objectivos propostos no presente trabalho (cf. preâmbulo), são de realçar três aspectos relacionados com a variação natural em Arabidopsis thaliana:
As mutações ocorrem espontaneamente, mas a sua indução experimental com radiações ou com mutagénios químicos é indispensável para que a atinjam uma frequência aceitável para o isolamento sistemático de variantes genéticas. A quase totalidade dos fenótipos mutantes em Arabidopsis thaliana foi produzida desta maneira. Ao contrário da variação natural, que tende a restringir-se a caracteres de variação contínua como o tempo de floração ou o diâmetro da roseta [Kranz, 1976; Karbe & Röbbelen, 1968], a variação fenotípica provocada pela mutagénese experimental resulta em princípio de uma única alteração no genoma, produzindo classes fenotípicas cuja segregação é fácil de analisar pela metodologia mendeliana. Outra diferença está na variedade de fenótipos induzidos [Kranz, 1976], potencialmente abrangente de todos os loci da espécie, restando ao experimentador a tarefa de reconhecê-los, por observação directa ou por selecção.
As mutações resultam de erros de reparação ou de replicação do DNA, que para além de ocorrerem espontaneamente a uma taxa muito reduzida podem ser induzidas com o aumento do número de lesões a reparar, ou do número de erros de emparelhamento.
As radiações ionizantes (raios X, raios , neutrões rápidos) produzem indirectamente lesões no material genético, através da formação de radicais livres e electrões aquosos no interior das células, que por sua vez reagem com o DNA e outras biomoléculas [Willson, 1982]. Nucleótidos destruídos ou alterados são reconhecidos por sistemas enzimáticos de reparação do DNA, que os substituem fazendo a estrutura voltar ao normal; no entanto, existe a possibilidade de ser introduzido um nucleótido diferente do original, e esse erro ser propagado através da replicação do DNA. Nessa instância, promoveu-se uma mutação a nível nucleotídico que pode ser ou não reconhecível a nível fenotípico. A radiação ultravioleta (UVB) é também mutagénica porque, ao ser absorvida directamente pelos nucleótidos, pode favorecer ligações covalentes entre pirimidinas vizinhas (na mesma cadeia ou entre cadeias complementares) que também podem dar origem a erros de reparação.
Apesar de terem constituído durante décadas a opção mais largamente utilizada para a produção artificial de mutantes, as radiações ionizantes, pelo equipamento especializado que exigem e sobretudo pela consciência que entretanto se adquiriu do risco de saúde que comporta o seu emprego, foram quase totalmente substituídas pelos mutagénios químicos, cujos riscos são muito mais fáceis de controlar.
Quanto a estes, há os que produzem o seu efeito por alquilação directa dos nucleótidos (diversos derivados de ácido metilsulfónico), e outros de acção dependente do metabolismo, como a nitrosometilureia (NMU, que é inibida por EDTA ou por venenos metabólicos), diversas nitrosaminas metiladas (cuja acção é mediada por hidrolases endógenas) e a metilnitrosoguanidina a pH ácido (cuja acção, ao contrário do NMU, é potenciada por venenos metabólicos) [Rédei, 1969]. De todos, o mais estudado e utilizado é o agente alquilante EMS (etilmetanosulfonato CH3CH2OSO2CH3 [Merck Index]), que ataca as guaninas produzindo O6-etilguaninas, as quais emparelham com timinas e assim dão origem a transições G > A.
Todos os mutagénios, dependendo das dose utilizadas, podem dar indivíduos estéreis e também taxas de letalidade significativas, mas no caso do EMS a relação entre o número de mutantes detectáveis e a esterilidade dos mesmos é melhor do que usando radiações ionizantes [Rédei, 1969]. Outras razões para a popularidade actual do EMS incluem a simplicidade da sua utilização, incluindo a relativa segurança na sua manipulação -- desde que haja cuidados elementares, nomeadamente o uso de luvas e bata, e manipulação em "hotte" por causa da libertação de fumos, seguindo-se a inactivação do mutagénio(1) de modo a evitar contaminação do meio ambiente. Todo o restante da presente secção reporta-se à mutagénese com EMS, mas deve ter-se em conta que diferentes mutagénios permitem em princípio isolar diferentes mutantes [Christianson, 1991].
O material acessível à aplicação do mutagénio pode ser por exemplo pólen, sementes ou gemas, embora em Arabidopsis thaliana quase só se faça em sementes. O máximo de eficiência do mutagénio [Rédei, 1969] obtém-se quando, a par da permeabilização da semente, se sincroniza o tratamento com a actividade mitótica do embrião (por exemplo expor ao mutagénio 48 horas após o início da embebição com 0.1% KCl, à luz e a 24 ºC); entre as estratégias de aumento da eficiência contam-se também o ajustamento do pH ao valor 5 (a pH 7, a eficiência aumenta acrescentando 1 mM ZnSO4 à solução de embebição; analogamente, a pH 9, mas com 1 mM CuSO4) ou permeabilizando as sementes ao EMS juntando-lhe 5% dimetilsulfóxido. Quase todos os trabalhos actuais adoptam a incubação à temperatura ambiente com 0,3% EMS (aproximadamente 24 mM) durante 16 horas [Estelle & Sommerville, 1987], mas a necessidade de optimização caso a caso [www4] recomenda a devida atenção ao trabalho sistemático de caracterização da mutagénese com EMS realizado nos anos 60 [Alderson, 1965] e em grande parte reproduzido por Rédei [1969].
A geração (designada M1) que se desenvolve das sementes mutagenizadas é quimérica, porque na semente de Arabidopsis thaliana existem duas células "geneticamente efectivas", termo que designa as células precursoras da linha germinal dos meristemas caulinares. Ambas devem conter mutações, mas é extremamente improvável que contenham uma mutação no mesmo locus, e ainda menos que se trate da mesma mutação. Deste modo, uma dada mutação numa das células efectivas do embrião abrange apenas um sector da parte aérea, e por isso só uma parte dos frutos irão ser portadores dessa mutação [Müller, 1965]. Só na menos frequente eventualidade de terem ocorrido mutações dominantes se teria a detecção de fenótipos mutantes na geração M1. Quanto às mutações recessivas, detectam-se na geração M2 (proveniente das sementes que se encontram nos frutos da geração M1), através dos homozigóticos segregando nos sectores portadores da respectiva mutação; a proporção destes homozigóticos na descendência de uma planta M1, dado que provêm de apenas metade dos seus frutos, é por isso de 1 : 7 [Langridge, 1994; Rédei, 1969, 1975; Christianson, 1991]. No caso das mutações dominantes, espera-se pelo mesmo raciocínio uma proporção de 3 sementes M2 mutantes para 5 normais [Christianson, 1991]. Sabe-se que a distribuição das duas linhagens por sectores, nas inflorescências nomeadamente, pode flutuar bastante [Müller, 1965], mas isso não é impeditivo de se fazerem, a partir das sementes M2, estimativas aproximadas e relativamente reprodutíveis da eficiência dos mutagénios.
A eficiência de um mutagénio pode ser medida sem necessidade de cultivar a geração M2: nas silíquas das plantas M1 abertas antes de amadurecerem (senão as sementes caem) a falta de sementes permite estimar o número de letais embrionários resultantes da exposição ao mutagénio (teste de Müller). Essas posições vagas na silíqua representam outros tantos embriões cujo desenvolvimento não se pôde completar, e a comparação com controlos é que permite deduzir resultarem de mutações letais herdadas da M1 onde se fez o tratamento -- porque a expressão do respectivo locus causou letalidade seja nos gametófitos femininos seja pós-zigoticamente na M2.(2)
Uma regra empírica para a afinação preliminar do protocolo de mutagénese situa a ocorrência de 4 a 5% de plântulas deficientes em clorofila na M2 como indicadora do regime óptimo de mutagénese [Rédei, 1975; Christianson, 1991].
Um método alternativo, muito conveniente para o teste preliminar de potenciais mutagénios químicos, consiste em misturar a substância mutagénica no agar onde se colocam segmentos da raiz [Rédei, 1969], e avaliar pela proporção dos segmentos que deixam de crescer com com a exposição a essa substância.
A reversão de mutantes recessivos, nomeadamente os de pigmentação, pode observar-se pelo aparecimento de sectores normais logo na M1 (e segregando mutantes na geração M2) e serviu também para avaliação da eficiência de um protocolo de mutagénese. Verifica-se que muitos destes revertentes são na verdade supressores de mutações missense ou nonsense (isto é, mutações em loci, geralmente de tRNA, que por alterarem a tradução dos codões na síntese proteica, restituem pelo menos parcialmente a funcionalidade da proteína codificada no gene mutado) [Rédei, 1969].
A busca de um novo mutante, se for orientada para um determinado tema de investigação, requer um esquema de selecção específico que permita identificar os raros indivíduos (geralmente M2) que apresentam um fenótipo de interesse. Por outras palavras, se aquilo que se procura não tem implicações evidentes através da morfologia ou da pigmentação, o rastreio das M2 de potencial interesse tem de fazer-se com recurso a sementeiras de grandes dimensões e através da evidência de uma diferença em relação às plantas normais que leve, nas fases iniciais do desenvolvimento, a uma discriminação segura. Para além disso, é indispensável que os indivíduos com fenótipos de interesse obtidos por mutagénese sejam submetidos à análise genética, para que valha a pena levar a cabo outros estudos de carácter bioquímico, fisiológico ou molecular [Estelle & Somerville, 1987; Schiefelbein & Sommerville, 1990, etc.]: a análise das descendências M3 obtidas por autopolinização desses indivíduos (alguns dos fenótipos não voltam a aparecer, implicando que não sejam hereditários), e a determinação e localização do número de loci onde se produziram novos alelos, por cruzamento com indivíduos normais. Finalmente, o cruzamento entre os diferentes mutantes permite agrupá-los por grupos de complementação e ainda detectar interacções, como por exemplo epistasias, complementaridades, redundâncias, ligação cromossómica (cf. secção v), etc..
Nas revisões de Rédei [1969] e de Estelle & Sommerville [1986] encontram-se alguns dos sistemas de selecção utilizados há mais tempo. Segue-se no presente trabalho uma descrição alguns exemplos representativos de estratégias desenvolvidas entretanto.
Um dos aspectos fundamentais do poder experimental da Genética clássica em Arabidopsis thaliana é o facto de ter apenas 5 grupos de ligação e, desde 1983, um mapa genético detalhado [Koornneef et al., 1983; Bradley & Pruitt, 1992; www1/2/5]. Para além de caracterizar-se o fenótipo de um mutante, é importante determinar a sua posição no respectivo mapa de ligação, usando para isso marcadores cromossómicos adequados, eventualmente com a utilização de trissómicos [Rédei, 1969]. Apesar do avanço do mapa físico e da sequenciação sistemática do genoma de Arabidopsis thaliana (cf. secção c-iii,4), o mapeamento de ligação ainda vai sendo a via fundamental para a localização dos loci que vão sendo caracterizados. Já Meyerowitz e Pruitt [1985] descreviam uma série de mutantes de interesse como marcadores genéticos clássicos (morfológicos e enzimáticos), e entretanto a lista tem aumentado e sido acrescentada pelos marcadores de DNA polimórficos [Pruitt & Meyerowitz, 1976]. Para estes últimos, importa salientar a existência de cerca de 300 linhas recombinantes homozigóticas (estabelecidas a partir da F8 de um cruzamento entre as linhas Landsberg erecta e Columbia), que permitem uma rápida localização, por RFLPs (Restriction Fragment Length Polymorphisms), de qualquer gene, havendo até um kit que facilita uma localização inicial [Lister & Dean, 1993; www2].
Os grupos de ligação definidos por Rédei são a convenção utilizada presentemente. A sua relação com as duas nomenclaturas usadas para as linhas trissómicas isoladas nas universidades de Columbia e de Göttingen é a seguinte [Rédei, 1969]:
Grupo de ligação | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 |
trissómico (Columbia) | F | R | Y | C | N |
trissómico (Göttingen) | III | I | II | IV |
Apresentar a Arabidopsis thaliana, como se pretende neste trabalho, não poderia prescindir de um aflorar da grande actividade envolvida com a análise molecular do seu genoma e da expressão dos seus genes. O presente capítulo visa apenas enquadrar a literatura nesta matéria, que constitui actualmente o principal foco de interesse nesta planta e motiva a sua dominância nas publicações em Genética de plantas superiores. O aprofundamento nesta matéria poderá ser satisfeito pela consulta de livros especializados e diversos artigos de revisão que se referenciam em diversas publicações electrónicas na World Wide Web sugeridas na bibliografia deste trabalho.
O rastreio de bancos genómicos e de cDNAs, para isolamento de genes, depende grandemente das características do genoma com que se trabalha. O reduzido conteúdo em DNA do núcleo de Arabidopsis thaliana, que se sabe de há muito tempo ser talvez o mais pequeno de todas as angiospérmicas [Rédei, 1969], é um reflexo da extrema simplificação do genoma desta planta [Meyerowitz & Pruitt, 1985]: grande percentagem (cerca de 75%) deste genoma consiste de sequências únicas ou de baixa repetitividade, as quais se confirmaram serem presumíveis genes pela amostragem de clones [Pruitt & Meyerowitz, 1986]. As sequências altamente repetitivas, que em quase todas as angiospérmicas caracterizadas constituem um obstáculo ao encadeamento de clones de bancos genómicos por chromosome walking, encontram-se em reduzida percentagem e relativamente não-dispersas no genoma de Arabidopsis thaliana; em média, ocorrem apenas em cada 125 kb de sequência nucleotídica (1kb = 1000 pares de bases), por isso colocando muito menos problemas que as de outras espécies [Pruitt & Meyerowitz, 1986]. Não menos importante é o menor grau de duplicação das famílias genéticas que noutras plantas [Meyerowitz & Pruitt, 1985; McDowell et al., 1996].
Em suma, o genoma de Arabidopsis thaliana é, entre os das plantas superiores, aquele que melhor se presta às metodologias de análise da Biologia Molecular, e foi a partir da constatação da oportunidade que isto representava [Meyerowitz, 1987] que se verificou a crescente adopção desta planta como organismo-modelo. Nos cerca de 10 anos que entretanto passaram, as publicações, nesta área e nas que lhe são afins como é o caso da Fisiologia, ficaram literalmente inundadas com a que era até então considerada um organismo-modelo interessante, com genética "excelente", mas não prioritário (refira-se que, por motivos semelhantes, o arroz (Oryza sativa) constitui actualmente o genoma-modelo para as gramíneas [Moore, 1995]).
A Genética Molecular de procariotas, leveduras e células animais conduziu à formulação de protocolos de manipulação da Arabidopsis thaliana por introdução de sequências de DNA, abrindo um novo caminho para o estabelecimento de variantes (as plantas transgénicas) complementar à mutagénese radiológica e química convencional, como se dá conta na secção seguinte.
Nos anos 70 deram-se, à imagem dos modelos procarióticos de transformação com DNA, algumas tentativas de transferir genes de Escherichia coli para a Arabidopsis thaliana, na circunstância em mutantes no locus PY para a via da tiamina (cf secção b-v). Demonstrou-se que o DNA de E. coli era incorporado pelas células das sementes e integrava-se estavelmente nos cromossomas, chegando a produzir fenótipos normais [Rédei, 1975]. Os conhecimentos da época em matéria de Genética Molecular não eram suficientes para explicar algumas das observações, e esta linha de trabalho não parece ter tido continuação.
A produção de tumores em plantas, pelo Agrobacterium tumefaciens ou pelo A. rhizogenes, envolve a transferência de um segmento de um plasmídeo da bactéria (plasmídeo Ti ou Ri, respectivamente) para as células da planta, seguida da integração do DNA transferido (abreviadamente, T-DNA), com alta eficiência, nos cromossomas das células hospedeiras. O T-DNA contém sequências, no caso das provenientes do plasmídeo Ti de A. tumefaciens, que manipulam as respostas das células às auxinas e citocininas; daí resulta a proliferação desordenada das células transformadas, acompanhada pela abundante produção de um derivado de aminoácido (nopalina ou octopina consoante os plasmídeos Ti) nessas células, que a bactéria utiliza como fonte de carbono, azoto e energia -- o que poderá dar a entender que a bactéria explora a planta forçando-a a sintetizar em grandes quantidades os nutrientes necessários para o seu próprio crescimento [Hohn, 1992].
As agrobactérias podem ser mantidas em culturas puras; por outro lado, a análise dos plasmídeos Ti e Ri mostrou que a transformação das células das plantas, e integração do T-DNA nos seus cromossomas, podia ser feita apenas com um par de sequências curtas, semelhantes entre si, designadas as borders (margens) direita e esquerda (figura 2.2). A partir daqui construíram-se plasmídeos recombinantes (figura 2.3), que do plasmídeo original retinham essas sequências mínimas assim como a origem de replicação para manutenção na bactéria (oriV), e a de transferência do T-DNA (oriT); nas várias versões de vectores incluem-se segmentos de DNA heterólogos para facilitar os procedimentos de selecção em vários hospedeiros, e ainda sítios únicos de reconhecimento por enzimas de restrição para a inserção dos genes de interesse.
Um exemplo da estratégia a seguir para a transgénese usando estes plasmídeos recombinantes: insere-se no segmento limitado pelas borders do plasmídeo, por hipótese, um gene humano, em seguida transformam-se células de Agrobacterium com uma preparação purificada desse plasmídeo e seleccionam-se as colónias transformadas; finalmente, suspensões destas células de Agrobacterium serão incubadas com células receptivas da Arabidopsis thaliana (ou doutra planta-hospedeiro), na presença de um antibiótico selectivo como a kanamicina, demostrando-se a transferência do T-DNA com esse gene heterólogo nas células que, concomitantemente, receberam o gene que lhes confere resistência a esse antibiótico (o gene nptII no caso, cf. figura 2.3); o gene heterólogo ficará assim integrado num dos cromossomas das células transformadas, faltando apenas regenerar plantas transgénicas a partir das células transformadas [Estelle & Sommerville, 1986; Valvekens et al., 1988; Koncz & Schell, 1992].
Figura 2.2 -- Plasmídeo Ti (nopalina) de Agrobacterium tumefaciens. LB, RB: margens (borders) esquerda e direita do T-DNA; iaaH, iaaM: genes de síntese de auxina (estimulantes da formação de raízes); ipt: gene de síntese de citocininas (estimulantes de crescimento da parte aérea); nos: sintetase da nopalina; oriV: origem de replicação na bactéria; oriT: origem de transferência para a planta. As setas indicam o sentido em que se dá a transcrição. As caixas representam segmentos abrangendo os genes que conferem virulência e que codificam o catabolismo da nopalina.
Figura 2.3 -- Exemplo de um plasmídeo recombinante baseado no pasmídeo Ti. pg5,promotor do "gene 5" do T-DNA; pnos, promotor do gene nos; pAocs, sinal de poliadenilação do gene ocs (sintetase da octopina); amp, gene de resistência à ampicilina, para selecção de clones recombinantes (que, por inserção do DNA heterólogo, têm o gene amp inactivado e ficam susceptíveis ao antibiótico) em E. coli; kan, gene de resistência à kanamicina, do transposão Tn5, para selecção de plantas transformadas em placas de agar.
A primeira transformação bem sucedida com Agrobacterium foi publicada em 1985, utilizando discos foliares (de petúnia, tabaco ou tomateiro) cultivados em agar e inoculados com bactérias portadoras de plasmídeos recombinantes [Horsch et al., 1985]. A regeneração de plantas transformadas passava pela indução de calos em meio selectivo (contendo higromicina), pois no plasmídeo também se inseria um gene de Escherichia coli conferindo resistência a esse antibiótico. Estas plantas (geração T1), hemizigóticas para o DNA incorporado, cresciam e produziam descendência por autopolinização (geração T2), onde segregavam homozigóticos. Porém, dada a reduzida fertilidade das T1, só na geração T3 se procedia à selecção dos transformantes, em agar contendo o mesmo antibiótico, seguida da sua transferência para solo para crescimento, análise fenotípica e reprodução.
Um melhoramento significativo da transformação de plantas com Agrobacterium [Valvekens et al., 1988] consistiu em utilizar segmentos de raízes (desta vez o organismo-modelo já foi a Arabidopsis thaliana), e seleccionar os calos transformados usando um gene de resistência à Kanamicina (codificando a neomicinafosfotransferase II, NPTII), para regenerar as plantas T1. Este sistema comprovou-se ser de maior eficiência e passou a ser a escolha, não só na Arabidopsis thaliana mas em diversas dicotiledóneas (como as já citadas petúnias, tomateiro, planta do tabaco, e ainda soja e outras).
Mesmo assim, o requisito de uma "reacção de cicatrização" por parte do material a transformar, que fornece ao Agrobacterium os sinais de atracção química (libertação de fenóis simples [Hohn, 1992]) e também o substrato de adesão às paredes celulares das células vegetais, constituía uma barreira para a aplicação desta metodologia às monocotiledóneas, onde a transformação é muito ineficiente, pelo que outras metodologias (nomeadamente a transformação de protoplastos e o bombardeamento de meristemas caulinares com microprojécteis contendo DNA) mereceram bastante atenção. Mas os trabalhos de manipulação de Arabidopsis thaliana usando a transformação com o T-DNA de Agrobacterium foram entretanto começando a desbravar importantes aspectos da fisiologia das plantas superiores (cf. secção iii).
Bechtold e colegas [Bechtold et al., 1993; www4] apresentaram uma nova técnica de transformação (vacuum infiltration) que recapitula a infecção na natureza: o Agrobacterium é incubado, em suspensão, directamente com plantas em crescimento (e não com explantes de raiz donde é necessário fazer regeneração), conseguindo realizar a transferência do plasmídeo. A selecção das plantas transformadas é feita em solo, usando um herbicida (BASTA -- fosforinotricina), ao qual resistem pela presença de um gene existente no T-DNA. A principal diferença deste novo sistema, que parece ser largamente adoptado actualmente, é a possibilidade de aumentar grandemente o número de plantas transformadas com sucesso em cada experiência.
Uma vez obtidas plantas transformadas, analisados os fenótipos dos homozigóticos e construídos bancos genómicos a partir destes, está aberto o caminho ao isolamento e análise de sequências de DNA do genoma de Arabidopsis thaliana.
A inserção do T-DNA num genoma onde a densidade de genes é da ordem dos 75% faz com que seja bastante provável ela resultar na inactivação de algum gene. É por isso comum que os fenótipos mutantes sejam a expressão de mutações recessivas resultantes da inserção do segmento, contendo o T-DNA, na região codificante de um determinado locus. Por sinal, apesar da inserção ser em princípio ao acaso, é mais fácil que a mesma se dê em genes que são transcritos nas células que sofreram a transformação [Koncz & Schell, 1992].
Por hibridação com uma sonda específica para os elementos bacterianos do T-DNA (que não tenham homologias com sequências das plantas), podem encontrar-se os clones do banco genómico da planta transformada que contêm o(s) segmento(s) inserido(s), mas a melhor estratégia é recorrer à expressão dos genes de Escherichia coli presentes no T-DNA que conferem resistência a antibióticos para isolar, nos bancos genómicos das plantas T3, os clones contendo o T-DNA. É frequente haver mais do que uma inserção no genoma, o que se demonstra por hibridação Southern, mas quando há apenas uma então pode estabelecer-se uma relação inambígua entre o fenótipo que se observa e a referida inserção. A homologia com clones de bancos genómicos não-transformados, usando como sonda o gene inactivado que ladeia o T-DNA, permite isolar o gene normal e estudá-lo. Portanto, o T-DNA funciona como uma "etiqueta" (tag em inglês) que assinala o fragmento inserido.
Trazendo muito maior sofisticação, ainda dentro da estratégia de marcação do genoma por inserção de sequências [Altman et al., 1995], recorreu-se ao uso de transposões, segmentos de DNA mobilizáveis, isto é, capazes de excisar-se do cromossoma para voltarem a inserir-se noutro ponto do genoma. Cruzando uma linha de Arabidopsis thaliana transgénica, contendo o transposão DsALS (do milho) com uma linha também transgénica contendo o trans-activador Acst (a transposase que mobiliza o DsALS) dá-se uma muito frequente transposição do elemento DsALS nas F1. Pela inserção (bastante aleatória) do transposão noutros pontos do genoma, esta F1 é um mosaico genético contendo diversas mutações em linhagens celulares paralelas, podendo com bastante eficiência produzir inserções (donde muitas mutações) na linha germinal, seja masculina ou feminina. Um elemento importante para a frequência de transposições é o promotor que regula a expressão da transposase. Na F2 podem facilmente isolar-se hemizigóticos estáveis, isto é, contendo a nova inserção mas sem o gene da transposase. Estes hemizigóticos estáveis reconhecem-se pela ausência do gene marcador -glucuronidase, em cis com o Acst, e pela resistência à Kanamicina (KanR), indicativa da reconstituição do gene NPTII por excisão do transposão nele inserido antes da F1 [Honma et al., 1993]. A eficiência deste sistema parece ser muito elevada, e tem o potencial de uniformizar melhor o espectro de sequências do genoma da Arabidopsis thaliana onde se dão as novas inserções, para além de dar a oportunidade de observar sectores ou inflorescências mutantes já na F1. Pelo menos outro sistema baseado em transposões foi publicado [Fedoroff & Smith, 1993; www6].
Quando se pretende testar uma hipótese de acção de um determinado gene cuja sequência já foi isolada (gene-alvo), existe a possibilidade de, transformando uma planta normal com sequências desse gene, anular a acção do gene endógeno:
Na via antisense, o T-DNA contém um gene quimérico que consiste dos exões do gene-alvo e um promotor (geralmente um promotor de expressão constitutiva proveniente do vírus do mosaico da couve-flor, CaMV) mas em orientação inversa, tal que é transcrita em todas as células a sequência complementar (antisense) à do mRNA do gene endógeno; a presença deste RNA antisense nas mesmas células onde o mRNA endógeno é expresso bloqueia a sua tradução, produzindo um fenótipo análogo à de ausência de expressão.
A via K.O. (knock-out) baseia-se no mecanismo de recombinação homóloga, segundo o qual sequências idênticas (de DNA em dupla cadeia) podem dentro de células somáticas alinhar-se entre si e, analogamente ao processo de crossing over da meiose, recombinar-se (figura 2.4); se o segmento de DNA transformante das células for, nas extremidades, exactamente idêntico a duas sequências com a mesma orientação num determinado "gene-alvo" presente no cromossoma da célula, mas entre essas extremidades tiver uma sequência não-homóloga (por exemplo o gene NPTII), então a recombinação homóloga substitui toda a parte intermédia do gene-alvo por esta sequência não-homóloga, o que para todos os efeitos significa remover parte ou a totalidade do locus desse cromossoma (figura). Nos homozigóticos K.O., a deleção traduz-se na ausência da função a ser preenchida pelo gene-alvo, e espera-se que surja um fenótipo representativo desta falha.
Figura 2.4 -- Recombinação homóloga e knock-out do gene endógeno. Na metade de cima do diagrama, representa-se o emparelhamento entre segmentos homólogos do DNA transferido e do gene-alvo da planta (caixas a sombreado), e que neste último podem estar afastados de grande distância (por exemplo por intrões). Esse emparelhamento pode dar lugar a troca de segmentos entre as duas moléculas de DNA por recombinação (traços cruzados), resultando (metade inferior do diagrama) a substituição de todas as sequências intercalares no DNA da planta pelo gene marcador (neste caso, o da resistência à neomicina, nptII) proveniente do DNA transferido.
Embora se pudesse prever que as duas vias aqui sumarizadas dessem os mesmos efeitos para os mesmos loci, na realidade isso pode não ser assim, por um lado porque a inibição antisense raramente é a 100%, e pode até variar; por outro, por causa do fenómeno (largamente documentado em murganho) da redundância entre genes ou processos metabólicos, que resulta na (inesperada) funcionalidade de certas linhas K.O..
O gene uidA/gusA de Escherichia coli, que codifica o enzima beta-glucuronidase, quando expresso em Arabidopsis thaliana após transformação, pode ser revelado por uma simples reacção histoquímica que marca os tecidos de azul; construindo no T-DNA um gene quimérico com um cistrão uidA regulado por um promotor heterólogo, a cor azul nas plantas transformadas com esse T-DNA indica onde é que o gene da -glucuronidase foi transcrito, isto é, qual a gama de actividade desse promotor (localização organográfica, tempo do desenvolvimento, resposta a condições ambientais controladas, etc.). A presença do enzima nas células não parece interferir com a fisiologia da planta, mas também é preciso que a inserção do segmento de DNA transformante não interfira com a actividade de algum gene endógeno, o que, como já foi referido a propósito da compacção do genoma de Arabidopsis thaliana, não deixa de ser bastante provável. Outro gene muito utilizado é o da luciferase do pirilampo, cuja expressão na planta é evidenciada com um substrato que, na presença de dioxigénio, dá um produto luminescente visível em penumbra, e com suficiente duração para fotografia ou auto-radiografia(6).
Outra possibilidade de revelar a distribuição da actividade de promotores, inicialmente aplicada em Drosophila melanogaster, é utilizar um gene para a -glucuronidase sem promotor (promoter trap): se houver expressão deste enzima em algum tecido, então é porque o gene que o codifica se inseriu perto de um promotor endógeno, cujo espectro de expressão fica patente na reacção azul (pelo menos os homozigóticos destas plantas transformadas exibem também fenótipos mutantes). Marcados como estão pelo T-DNA, os clones de um banco genómico da T3 contendo o promotor e o respectivo gene podem facilmente ser identificados [Bechtold et al., 1993].
O genoma da Arabidopsis thaliana está a ser sequenciado sistematicamente, e o estado actual de construção dos mapas físicos dos cromossomas pode ser consultado na Internet [www7]. Graças a este esforço, a exemplo do que já se encontra em fase adiantada noutros genomas, qualquer sequência de DNA pode ser facilmente mapeada em alta resolução, e as sequências que lhe são vizinhas isoladas e sequenciadas, independentemente de já o estarem ou não por outras vias. A construção de mapas físicos constitui o trabalho de base para a sequenciação eficaz da totalidade de um genoma; destaque-se o exemplo da levedura Saccharomyces cerevisiæ, onde a própria sequência está já completa, caminhando-se actualmente para uma análise preliminar dos numerosos genes de função desconhecida -- é de esperar que o caminho desbravado com este organismo facilite o progresso a ser feito, pela mesma via, de outros projectos de genoma que estão a decorrer, a par do da Arabidopsis thaliana (refiram-se os do nemátode Cænorhabditis elegans, da Drosophila melanogaster, do Mus musculus, do Homo sapiens e, em plantas, de Oryza sativa).
Na publicação do mapa físico do cromossoma 4 de Arabidopsis thaliana [Schmidt et al., 1995] pôde verificar-se a grande variação no número de pares nucleotídicos por cM, confirmando a noção de que há hot spots e cold spots de recombinação meiótica dentro do mesmo cromossoma.
Não deixa de ser interessante que, para a análise da expressão de mRNAs em larga escala em
Arabidopsis thaliana, utilizando ESTs (expressed sequence tags [Newman et al., 1994]), tenha
sido inventado um procedimento novo de rastreio (microséries de sequências de DNA, no original
DNA microarrays [Schena et al., 1995]) que tem actualmente larga aplicação em todos os
projectos de genoma de metazoários e de plantas.
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