Terceiro capítulo

Praticando com Arabidopsis thaliana

Neste capítulo far-se-á uma descrição de experiências com Arabidopsis thaliana, realizadas no Departamento de Biologia, com o objectivo de estabelecer protocolos para as aulas práticas de Genética. Embora ainda não se tenham alcançado tais objectivos, pareceu adequado incluir os resultados já obtidos como complemento do trabalho de revisão dos capítulos anteriores.

Sementes e outros materiais utilizados; equipamentos

Foram utilizadas três linhas puras de larga utilização experimental [www1], amavelmente oferecidas por Dr. Paul Burrows, da Rothamsted Research Station, Harpenden, Inglaterra, e por Jorge Delgado, do Rockefeller Institute, Nova Iorque:

Na medida do possível pretendia-se viabilizar a utilização de materiais fáceis de obter, como por exemplo formas de alumínio para pudins para servirem de vasos, substrato à base de areia adicionado de terra, aditivos comerciais, luz solar, etc.. Por uma questão de conveniência, porém, as experiências que vão ser descritas foram realizadas recorrendo aos meios disponíveis no Núcleo da Mitra, designadamente câmaras de crescimento, e dispondo as plantas em placas de alvéolos (amável oferta da empresa CETAP, Espinho).

Substrato: areia proveniente da "praia do Albatroz" (antiga Lisboa-Praia), perto da Cova do Vapor, Concelho da Trafaria, que foi lavada duas vezes com detergente, enxaguada, e seguidamente imersa durante 1 hora em HCl 0.1 N, novamente lavada com várias passagens de água corrente e esterilizada em estufa a 180 ºC durante 2 horas. Para as experiências 1 e 2, suplementou-se a areia com terra proveniente da Quinta da Esperança, concelho de Évora (amável oferta da Drª Teresa Fernandes, Deptº de Biologia), donde foram retiradas as raízes presentes, tendo sido dissociada e esterilizada em estufa a 180 ºC durante 2 horas. A análise realizada no Laboratório de Química Agrícola, Núcleo da Mitra, deu os seguintes resultados (médias de réplicas em duplicado):

Tabela 3.1 -- Características da areia e terra utilizadas nas experiências 1 e 2.

Amostra areia 9 areia : 1 terra terra
Fosfato, ppm 77 68 48
Azoto, ppm (NO3) 22.685 21.385 25.58
Potássio, ppm 36 50 125
pH (H2O) 8.85 8.35 7.35
Condutiv. eléctr. (mm HOS/cm) 0.0485 0.065 0.1395
Cálcio, meq/100g 3.195 3.465 3.495
Magnésio, meq/100g 1.08 1.51 4.48
Sódio, meq/100g 0.19 0.185 0.595

As diferenças mais importantes entre os dois tipos de solo estão, portanto, nos conteúdos em fosfato (mais elevado na areia), e de potássio, magnésio e sódio (mais elevados na terra), sendo de destacar ainda o pH alcalino e a baixa condutividade eléctrica da areia.

Nas experiências realizadas em placas de 8 × 11 alvéolos (dimensões máximas 4 cm × 4 cm × 6 cm, volume efectivo aproximadamente 50 ml em cada alvéolo), estes foram colocados dentro de tabuleiros de plástico, assentes sobre uma rede de plástico para reduzir a perda de substrato, e cada alvéolo preenchido com a combinação de areia e terra que era relevante; colocando-se água dentro do tabuleiro, assegurava-se a rega por capilaridade, ficando em poucos minutos todos os alvéolos molhados até à face superior do substrato.

As incubações para as experiências 1 e 2 foram realizadas em câmaras de crescimento do Instituto de Ciências Agrárias Mediterrânicas (cortesia da Profª Alexandra Costa e do Engº Luís Alho) (modelo Aralab 700 EDTU, Aralab, Parede, Portugal) com luz contínua a cerca de 60 Einsteinm2s1 (determinada com um quantómetro LI-185B com um sensor modelo quantum Q4369, Licor, Inc.), temperatura e humidade relativa constantes (22 ºC e 70%), e circulação de ar.

Experiência 1

Condições iniciais e rega

Tratamentos: substrato de areia com adicionamento de terra (dois níveis: 10 e 30% por volume, abreviadamente 9+1 e 7+3) ou com uma solução de macronutrientes (abreviadamente, +N) utilizada em leguminosas e adicionada no início (uma dose de 0,5 mL da solução concentrada a 100×; cf. apêndice, formulário iii). O controlo (só de areia) serviu de base de comparação para ambos os modelos de adicionamento (separadamente).

Em comparação com os dados nutricionais da tabela 3.1, a fórmula de macronutrientes utilizada continha 70 ppm fosfato, 171 ppm NO3, 87.66 ppm potássio, 0.4 mEq/100g de cálcio, 0.325 mEq/100g de magnésio, e 0.4 mEq/100g de sódio. A suplementação feita com esta dose de macronutrientes suplanta o nível 7+3 para todos os nutrientes analisados, excepto o magnésio (considerando aproximadamente 60 g de substrato por alvéolo, o substrato +N teria contido em média 0.6×1.08+0.5×0.325 = 0.81 mEq Mg, enquanto o substrato 7+3, por interpolação, 0.6×[0.3×(4.48 1.08)+1.08] = 1.26 mEq Mg).

Distribuição das sementes: usou-se semente L do lote original oferecido pelo Dr. Burrows, e sementes C e C24 de 2ª geração, descendentes dos lotes enviados por Jorge Delgado. Após embebição em papel de filtro durante 4 horas à temperatura ambiente, colocaram-se 4 sementes por alvéolo da placa contendo o substrato preparado, 6 alvéolos por tratamento, numa disposição simétrica (figura 3.1). Assumindo que a rega por capilaridade reduziria a lixiviação ao mínimo, partiu-se do princípio que não haveria transferência de nutrientes entre níveis de tratamento; ainda assim, para assegurar que o controlo apenas com areia seria o menos afectado por esta eventualidade, foi colocado na primeira e última linhas de alvéolos. Deixou-se uma coluna de alvéolos vaga entre genótipos para facilitar a sua separação. Essa separação foi julgada necessária para a altura em que as inflorescências atingissem altura suficiente para se inclinarem e entrarem em contacto com as dos outros grupos; para tal, montaram-se barreiras de cartão assentes nas colunas de alvéolos vagas. Julga-se, porém, que esta possibilidade não é relevante para a polinização cruzada [Lawrence & Snape, 1971].

Figura 3.1 -- Distribuição dos substratos na experiência 1. Cada alvéolo é representado por um quadrado, omitindo-se os das colunas de espaçamento entre genótipos. Foram colocadas, por alvéolo, 4 sementes das linhas Landsberg, Columbia e C24, em grupos de 3 colunas conforme é indicado. 9+1: 10% terra; 7+3, 30% terra; +N, areia com macronutrientes.

Houve o cuidado de distribuir a terra, iniciar a rega e realizar as sementeiras na sala onde se encontrava a câmara de crescimento, para evitar perturbações causadas pelo transporte desde o laboratório.

Rega: sempre que o nível de água banhando a base da placa de alvéolos baixava a 1 ou 2 milímetros, adicionava-se água da torneira ao tabuleiro (1 a 2 litros) até atingir cerca de 1 cm de altura; esta rotina era mais ou menos semanal.

Observações e comentários

Percentagens de emergência (12 dias após sementeira): 83,3% para L, 81,25% para C, 1% (apenas 1 planta!) para C24. Repetiu-se a sementeira das C24 (2 por alvéolo) e nenhuma emergiu. O problema com as C24 foi testado: realizou-se uma sementeira deste mesmo lote, mas colocando no mesmo alvéolo sementes C em proporções de 1 para 3, 2 para 2 ou 3 para 1; houve controlos só com C ou só com C24. O resultado foi 0% de emergência das C24, e 83,3% das C, parecendo em relação às C não haver qualquer interferência da presença de sementes C24 no mesmo alvéolo; um lote de sementes C24, descendentes da planta que cresceu na presente experiência, germinou satisfatoriamente (65%) neste teste, assim como na experiência 2 (ver secção c). Conclui-se por isso que o lote C24 utilizado na experiência 1 (e que está preservado para eventual prolongamento dos testes) estava em más condições para germinar, mas as causas não foram entretanto investigadas.

Tamanho das rosetas e tempo de floração: conforme é documentado na figura 3.2, a adição de terra teve efeito sobre o desenvolvimento das rosetas em L como em C, o mesmo também se verificando em C para a adição de macronutrientes. Considerando que o lado de cada alvéolo é 4 cm, foi possível estimar os valores médios dos diâmetros máximos em L e C (tabela 3.2). As médias obtidas evidenciam a resposta dos dois genótipos à adição de terra, mas a discrepância entre L e C na resposta aos macronutrientes, com C desenvolvendo-se mais com macronutrientes do que no controlo só de areia, enquanto L foi aparentemente indiferente a este suplemento nutricional.

Figura 3.2 -- Aspecto das culturas da experiência 1, vistas de topo, ao fim de 31 dias após a sementeira. À direita, pode ver-se a única planta C24 que se desenvolveu.

Tabela 3.2 -- Influência do substrato sobre o desenvolvimento das rosetas, tal como se pôde determinar por medição na fotografia da figura 3.2 (com redução de 1:2, ou seja, largura dos alvéolos: 2 cm na foto, 4 cm reais). +N: areia com macronutrientes; 9+1: 10% terra; 7+3: 30% terra (cf. figura 3.1).

L C
substrato +N areia 9+1 7+3 +N areia 9+1 7+3
média (cm) 15.4 15.9 22.7 26.3 24.6 21.2 24.5 28.7

A figura 3.2 mostra ainda que em C as plantas mais adiantadas na floração (pela presença de flores no momento em que a fotografia foi tirada) foram aquelas que tinham as rosetas mais pequenas.

Note-se ainda a homogeneidade das respostas das plantas entre as duas filas do mesmo substrato, e as ligeiras diferenças morfológicas nas folhas das rosetas, entre L e C (cf. secção d-ii).

Calendário da experiência e colheita das sementes: a partir da altura em que tanto L como C, em todos os substratos, tinham já todas as plantas a produzir frutos, deliberou-se cessar a rega e esperar que as plantas secassem por completo para iniciar as medições dos eixos florais. Entretanto, todos os frutos amadurecidos iam sendo cortados da respectiva inflorescência, para colheita das sementes, usando uma pinça microcirúrgica e uma tesoura, conforme mostra a figura 3.3. Recolhidos numa folha de papel branco, os frutos eram abertos premindo uma parte da folha sobre eles; as sementes eram separadas das valvas e septos e recolhidas num tubo de 1.5 mL para cada genótipo (L ou C ou C24), sendo guardadas imediatamente no frigorífico a +2 ºC. O procedimento de colheita era dificultado pelo emaranhado de eixos florais formado pelas diversas plantas, e não foi possível evitar que algumas sementes se perdessem por abertura involuntária das silíquas no decurso da manipulação, tal como não o foi a decapitação de algumas inflorescências; mesmo assim, assumindo que 50000 sementes limpas ocupam 1 ml (cf. primeiro capítulo, secção a), recolheram-se cerca de 35000 sementes L e 40000 C.

Figura 3.3 -- Utilização da pinça microcirúrgica e da tesoura para recolha dos frutos.

Refira-se que as sementes desta linha C eram nitidamente mais pigmentadas que as L e C24 (também na experiência 2 se verificou isso).

O calendário da experiência completou-se com medições nos eixos florais em cada planta, ficando assim resumido:

Figura 3.4 -- Calendário (dias a contar da sementeira) da experiência 1.

Medições e sua análise: a tabela 3.3 exemplifica a informação recolhida.

Tabela 3.3 -- Exemplo das medições numa das plantas L da experiência 1. Ver explicação no texto.

Neste exemplo, a planta L número 14, crescendo com 30% de solo, tinha um eixo principal (0) com dois nós, e dois eixos secundários, numerados a partir do início da inflorescência (1 é o mais distante da roseta), e cada um com dois nós caulinares por sua vez; o eixo 1 tem ainda um eixo de 3ª ordem (RA para "ramificação"), para o qual não foram feitas medições. As colunas cm1, cm total e total de entrenós florais registam para cada eixo, respectivamente, o comprimento do eixo até ao último nó caulinar, o comprimento total desse eixo, e o número de segmentos separáveis entre flores na inflorescência (geralmente as últimas formavam um pequeno cacho terminal, só de botões florais, e não contavam para o valor desta coluna). Registaram-se ainda como estéreis as flores que não se desenvolveram ou, tendo-se desenvolvido, aparentemente não foram polinizadas (nesta planta não se registou nenhuma). A fertilidade em termos do número de frutos que presumivelmente se desenvolveriam em cada eixo seria pois a diferença entre o número total de flores e o número de flores estéreis que figura na mesma linha.

Com base nestes dados pode reconstituir-se a morfologia dos eixos florais desta planta, como mostra a figura 3.5:

Figura 3.5 -- Reconstituição, a partir dos dados da tabela 3.3, dos eixos florais da planta L14. Em cada eixo distingue-se a traço mais grosso a porção caulinar, com os nós, e a traço fino a inflorescência. A representação da roseta, na base do eixo 0, é apenas simbólica e não pretende dar uma ideia da sua verdadeira dimensão ou número de folhas. Não se ilustram as flores para não sobrecarregar a imagem

Dos dados obtiveram-se os valores de dez variáveis para cada indivíduo (a numeração que vai figurar, de I até X, reflecte meramente a ordem em que elas foram definidas para a análise) -- cinco de escrutínio rápido (envolvendo apenas o eixo principal) e as restantes mais exaustivas (por incluirem também as primeiras ramificações, ou eixos de 2ª ordem):

I -- comprimento até ao último nó caulinar do eixo principal (até ao início da inflorescência principal) -- correspondente à variável VI;

II -- comprimento total do eixo principal -- correspondente à variável V;

III -- número de ramificações (eixos que se desenvolveram dos nós) do eixo principal -- correspondente à variável X;

IV -- número de flores da inflrescência principal -- correspondente à variável VII;

IX -- número de nós (até ao início da inflorescência) do caule principal -- correspondente à variável VIII;

V -- comprimento total de todos os eixos (1ª e 2ª ordem);

VI -- comprimento dos caules até aos seus últimos nós, em todos os eixos (1ª e 2ª ordem);

VII -- número total de flores (eixos de 1ª e 2ª ordem);

VIII -- número de nós caulinares (eixos de 1ª e 2ª ordem);

X -- número total de ramificações (dos eixos de 1ª e 2ª ordem).

Assim, para a planta exemplificada da tabela 3.3, registam-se (tabela 3.4):

Tabela 3.4 -- Resultado do cálculo das variáveis I a X para a planta L14, usando os dados da tabela 3.3.

Variável I II III IV V VI VII VIII IX X
valor 7.5 16 2 20 26.5 10 41 6 2 3

Infelizmente, os dados das variáveis I e VI não estão disponíveis nas plantas L em areia, e parte das L em 10% terra, porque no momento em que se resolveu incluir as medições cm1 essas plantas já não se encontravam disponíveis. Quanto à variável III, dado que em geral os seus valores pouco diferem dos da variável X (isto é, poucas foram as ocorrências de eixos de 3ª ordem), não foi analisada nesta experiência.

O ficheiro contendo todos os dados recolhidos desta experiência (e também da experiência 2) e inferências estatísticas deles tiradas, em versão QuattroPro, Excel ou Lotus 1-2-3, pode ser acedido na Internet ao endereço http://www.uevora.pt/~oliveira/genetica/medidas.htm.

A figura 3.6 representa os resultados para as nove variáveis analisadas nesta experiência.

Figura 3.6 -- Representação gráfica dos resultados da experiência 1, cada gráfico relativo a uma das variáveis observadas. Na coluna da esquerda encontram-se as variáveis relativas apenas ao eixo principal (as de escrutínio rápido), na da direita as variáveis abarcando os eixos de 1ª e 2ª ordem. Gráficos na mesma linha referem-se à mesma medição, assim à direita da variável I foi colocada a variável VI, e assim sucessivamente.

Cada um destes gráficos permite avaliar qualitativamente três componentes da variação: a genotípica (diferença entre os valores médios de L e C dentro de cada tratamento), a do substrato (pela diferença entre médias de um tratamento para o outro, em que à esquerda do controlo se representa a adição de macronutrientes, à direita a de terra), e o resíduo (factores não-identificáveis), representado pelas barras de erro (desvio-padrão) em cada ponto.

Assim pode verificar-se que há diferenças genotípicas (entre L e C) bastante evidentes para as variáveis II e V (referentes ao comprimento dos eixos florais), VI (comprimento dos caules) e VIII (número de nós caulinares); outra diferença entre os dois genótipos é no modo como respondem aos suplementos nutricionais, em geral mais pronunciada em C do que em L -- e, no caso da suplementação com macronutrientes, como já referido na tabela 3.2, as plantas L tenderam para valores médios muito parecidos entre areia e +N. No entanto, mesmo em C poderá dizer-se que a terra foi mais eficiente que a solução de macronutrientes considerando os elevados teores nutricionais desta última. Finalmente, nota-se que a componente residual é particularmente reduzida na variável V medida em plantas L.

Para quantificar as componentes da variação fenotípica representada em cada variável, fez-se uma análise de variância unifactorial hierarquizada (o primeiro nível referindo-se à componente genotípica e, dentro dela, a dos diversos tratamentos), cujos resultados figuram nas tabelas 3.5 e 3.6. De modo a tornar as variáveis comparáveis entre si, apresenta-se também a percentagem dessa componente em relação à variância total (a chamada repetibilidade clonal [Falconer & MacKay, 1996]), assim como uma medida análoga para a componente determinada pelo substrato (a %Vgenót. e a %Vsolo, respectivamente).

Tabela 3.5 -- Resultados da análise de variância unifactorial hierarquizada em sete variáveis extraídas dos dados da experiência 1, comparando areia e +N. Vgenót. é a componente da variância devida à diferença entre L e C (entre genótipos), Vsolo a componente que é devida ao substrato (com ou sem adicionamento de macronutrientes), e Ve a componente residual. As duas colunas percentuais servem para comparar as variáveis entre si, pela normalização da respectiva componente em relação à variação total, isto é, à soma Vgenót.+Vsolo+Ve.

Vgenót. Vsolo Ve %Vgenót. %Vsolo
Variável II 37.89 2.29 19.35 64.% 4.%
Variável IV -1.060 0.705 25.464 -4.2% 2.8%
Variável V 162.96 4.9 90.07 63.2% 1.9%
Variável VII 4.448 10.843 76.814 4.8% 11.8%
Variável VIII 4.308 0.244 3.754 51.9% 2.9%
Variável IX 0.2767 0.0014 0.5477 33.5% 0.2%
Variável X 0.2622 -0.0025 0.887 22.9% -0.2%

Tabela 3.6 -- Resultados da análise de variância unifactorial hierarquizada em nove variáveis extraídas dos dados da experiência 1, comparando areia, 9+1 e 7+3. (cf. legenda da tabela 3.5)

Vgenót. Vsolo Ve %Vgenót. % Vsolo
Variável I -0.0837 0.483 2.702 -3.% 16.%
Variável II 26.45 6.79 19.29 50.% 13.%
Variável IV 2.477 13.884 35.621 4.8% 26.7%
Variável V 180.30 31.64 75.07 62.8% 11.0%
Variável VI 5.204 1.870 5.884 40.2% 14.4%
Variável VII -17.82 50.97 87.95 -14.7% 42.1%
Variável VIII 5.514 0.733 2.920 60.2% 8.0%
Variável IX 0.3630 0.0239 0.5394 39.2% 2.6%
Variável X 0.3005 0.0198 0.5939 32.9% 2.2%

As variáveis II (comprimento total) e IX (número de nós caulinares), e os respectivos pares V e VIII, tipificam uma situação em que a componente genotípica contribui consistentemente para uma parte importante da variância total; na situação inversa encontra-se o par de variáveis IV e VII (número de flores), onde a %Vsolo é a mais elevada, enquanto as diferenças entre genótipos ou são comparativamente muito baixas, ou até chegam a dar uma variância genotípica negativa (o que denuncia a irrelevância desta componente na análise desses dados e exige um modelo diferente de análise, como se ilustrará adiante, cf. tabela 3.9).

É interessante notar que as diferenças genotípicas se manifestam no crescimento das estruturas (II e V: alongamento dos eixos florais; X: sua ramificação; IX e VIII: número de nós caulinares), enquanto as respostas ao substrato são mais evidentes numa característica directamente relacionada com a fertilidade (IV e VII: número de flores; é certo que não foram descontadas as consideradas estéreis, mas a sua ocorrência não pareceu associar-se preferencialmente a qualquer dos genótipos ou substratos).

Em geral a concordância entre variáveis do mesmo par é boa, mas há uma excepção evidente: o par I e VI (alongamento dos caules), com repetibilidade clonal baixa e elevada, respectivamente. A explicação para esta discrepância foi encontrada calculando separadamente em cada nível de ramificação (por um lado o eixo principal e por outro as suas ramificações) os valores médios de comprimento (cm1) do caule (tabela 3.7). Os valores tabelados indicam que o crescimento das plantas L no eixo principal, até ao último nó caulinar, é quase tanto quanto o das plantas C (85%), constrastando com o que se verifica nos eixos que dele partem, onde essa componente do crescimento é muito reduzido nas L em relação às C (17%).

Tabela 3.7 -- Partição da variável VI de acordo com os níveis hierárquicos dos eixos florais (1º: eixo principal; 2ºs: suas ramificações): valores médios para o conjunto dos valores, sem separar por substratos, em L e C.

Eixo 2ºs
L 4.96 0.51
C 5.81 3.08

Analisando-se o par de variáveis IX e VIII (número de nós caulinares), cujas repetibilidades clonais são mais baixas em IX (mas com uma discrepância algo menos drástica), chegou-se a semelhante conclusão (tabela 3.8):

Tabela 3.8 -- Partição da variável VIII de acordo com os níveis hierárquicos dos eixos florais (ver legenda da tabela 3.7)

Eixo 2ºs
L 2.22 1.07
C 3.18 3.66

Quanto à variável VII (número de flores) nos substratos areia, 9+1 e 7+3, a estimativa mais correcta das componentes da variância é feita por uma análise unifactorial levando apenas em conta a efeito do substrato, cujos resultados se encontram na tabela 3.9:

Tabela 3.9 -- Correcção dos resultados da tabela 3.6 para a variável VII, considerando apenas o factor solo

Vsolo Ve % Vsolo
Variável VII (0 - 30% terra) 50.88 79.16 39.1%

Note-se como a principal diferença introduzida com este modelo de análise está na redução da componente residual (Ve), enquanto a Vsolo quase não se alterou.

Finalmente, dado que as variáveis II e V (respeitantes ao comprimento total dos eixos florais) incluem, respectivamente, a I e a VI (respeitantes à componente caulinar desses eixos), os comprimentos das inflorescências podem deduzir-se pelas subtracções II I para a do eixo principal, e V VI para o conjunto das inflorescências. A tabela 3.10 resume os resultados da respectiva análise (apenas para a variação nos substratos 9+1 e 7+3, devido à ausência de dados em areia).

Tabela 3.10 -- Análise de variância, análoga à da tabela 3.6, para os comprimentos das inflorescências, obtidos por subtracção dos comprimentos dos caules (I ou VI) aos comprimentos totais dos eixos (II e V, respectivamente)

Vgenót. Vsolo Ve %Vgenót. % Vsolo
Variável II I 24.99 1.46 13.85 62.% 4.%
Variável V VI 157.75 9.87 59.61 69.4% 4.3%

A comparação com a tabela 3.6 evidencia não só uma redução acentuada da %Vsolo como um aumento da componente genotípica, assim confirmando que, em termos de crescimento dos eixos florais, a diferença entre L e C se expressa preferencialmente no crescimento das inflorescências, isto é, a partir do último nó caulinar.

Pode argumentar-se que o modelo mais adequado para a análise de variância, para os presentes dados, seria uma análise bifactorial, da qual ainda se poderiam retirar estimativas de uma interacção genótipos×solo. Esta interacção tem a sua expressão gráfica pelo não-paralelismo entre a variação dos dois genótipos entre substratos (figura 3.6). A preferência pelo modelo unifactorial, que não permite estas estimativas, justifica-se pela maior simplicidade computacional e pela ênfase que se pretende na componente genotípica neste trabalho. Apenas a título exemplificativo, resumem-se na tabela 3.11 alguns resultados obtidos, usando o modelo bifactorial, para a variação na percentagem de terra (areia, 9+1 e 7+3):

Tabela 3.11 -- Exemplos de resultados da análise bifactorial, onde para além das componentes identificadas na tabela 3.6 se determina uma componente de interacção genótipo×solo (g×s), em termos absolutos e relativos.

Variável Vgen Vsolo Vg×s Ve %Vgenót. %Vsolo %g×s
IV 7.420 14.834 -0.968 34.967 13.2% 26.4% -1.7%
VII -0.4133 51.0251 -0.3195 86.2355 -0.3% 37.4% -0.2%
V 183.96 11.00 20.66 73.68 63.6% 3.8% 7.1%
VIII 5.384 -0.389 1.186 1.709 68.2% -4.9% 15.0%

As variáveis V e VIII têm componentes de interacção bastante relevantes, e os resultados contribuem para evidenciar como os 11% de Vsolo anteriormente estimados para a variável V se repartem, e neste caso pode afirmar-se que a análise bifactorial contribui para afinar a estimativa da componente solo (muito semelhante à da variável V VI, por sinal), embora a componente genotípica continue inalterada; no caso da variável VIII o resultado negativo da Vsolo pode talvez reflectir a ausência de resposta pelas plantas L à variação introduzida ao nível do substrato, mas de novo a componente genotípica permanece sensivelmente a mesma. Quanto à variável IV, como se esperava tem uma componente de interacção baixa, mas a alteração em outras componentes recai desta vez na Vgenótipo, o que talvez espelhe melhor as diferenças entre os genótipos em cada substrato (mas que não parecem ter expressão comparável na correspondente variável VII). Em conclusão, apesar de ser possível algum detalhe informativo, em termos de separação entre genótipos não parece haver vantagens no uso deste modelo em comparação com a análise unifactorial hierarquizada, mais simples, que foi preferida.

É possível que todas as diferenças entre L e C aqui registadas, porque são de características de crescimento dos eixos florais, sejam manifestações pleiotrópicas da mutação erecta presente em L. Tal hipótese terá de ser testada cruzando as duas linhas e observando os segregantes na F2 -- a verificar-se, hão-de segregar 3/4 normal e 1/4 erecta (cf. secção e-ii). Para tal, a definição de medidas que discriminem sem ambiguidades os fenótipos erecta e normal, para assegurar a correcta classificação dos indivíduos em gerações segregantes, é da maior importância. De todas as variáveis obtidas directamente (I até X), nenhuma se pode considerar satisfatória por causa da flutuação das médias entre substratos ou a sobreposição entre as distribuições de L e C. Foi assim que se procuraram definir variáveis compostas, isto é, resultantes da computação em cada indivíduo de uma relação entre algumas das medidas, e donde se obtivessem médias praticamente constantes em cada grupo, isto é, independentemente dos substratos, e com erros-padrão suficientemente baixos; acharam-se quatro variáveis compostas que satisfizeram estes critérios (tabela 3.12). Em todas é patente a influência da mutação erecta no crescimento das inflorescências: em II/I e V/VI obtém-se uma medida das proporções relativas entre os caules e as inflorescências, deduzindo-se que o alongamento das inflorescências em relação aos caules foi de cerca de 100% em L e 200% em C, sendo muito improvável a média numa vir a confundir-se com a da outra; em IV/(II-I) e VII/(V-VI) obtém-se o número de flores por cm de inflorescência, com os valores médios em L na ordem das 3 e em C na ordem de 1 flores por cm. O poder discriminatório destas duas variáveis ainda é maior que o das duas anteriores.

Tabela 3.12 -- Valores médios de algumas variáveis compostas, experiência 1, para ilustrar a possibilidade de obter valores relativamente constantes entre substratos e discriminantes entre L e C (ver texto). Calculou-se a média por substrato, para cada genótipo, das variáveis compostas, estando tabelados os valores máximo e mínimo obtidos. O erro-padrão da média a 99.9% de confiança foi calculado somando e substraindo a cada média o triplo do respectivo erro-padrão, estando tabelados os valores máximo e mínimo obtidos.

Variável II/I V/VI IV/(II-I) VII/(V-VI)
Plantas L C L C L C L C
médias 2.0-2.1 2.9-3.2 2.2-2.3 3.4-3.7 2.5-3.3 .89-1.04 2.5-3.4 .96-1.05
erro a 99.9% de confiança 1.7-2.4 2.0-4.0 2.0-2.7 2.6-4.2 2.0-4.0 .73-1.20 2.1-4.2 .8-1.2

Experiência 2

Esta experiência iniciou-se pouco depois da anterior ter sido terminada, e desta vez apenas se introduziu na componente solo a variação da percentagem de terra. O objectivo principal era o de verificar a reprodutibilidade dos resultados da experiência 1, embora alargando o espectro de percentagens de terra e prolongando o tempo de crescimento o máximo possível.

As percentagens de terra foram tais que permitiriam, pelo menos aproximadamente -- ressalvando o substrato nunca ser perfeitamente homogéneo -- estabelecer duas modalidades de variação quantitativa deste aditivo, uma linear e outra logarítmica (tabela 3.13):

Tabela 3.13 -- Resumo das características dos substratos utilizados na experiência 2 e sua codificação. Nas duas últimas linhas identificam-se os níveis de tratamento relevantes para uma variação linear ou logarítmica na percentagem de terra.

Volume de areia (mL) 920 855 649 444
Volume de terra (mL) 30 95 301 506
% terra 3.158 10.000 31.684 53.263
log (% terra) -1.5 -1 -0.5 --
símbolos: linear -- K2 K3 2K3
símbolos: logarítmica K K2 K3 --

Nota: a percentagem de 53.263% de terra está na realidade cerca de 10% abaixo do valor exacto para 2K3, isto é, é aproximadamente 1.8K3.

K2 e K3 correspondem aproximadamente a dois dos níveis utilizados na experiência 1 (9+1 e 7+3 respectivamente).

As sementes L e C pertenciam às descendências das plantas da experiência 1. Em cada alvéolo foram colocadas duas sementes apenas, no intuito de facilitar a posterior colheita. Sementes obtidas da única planta C24 da experiência 1 foram também semeadas num terceiro grupo, mas 5 por alvéolo, apenas na perspectiva de multiplicar semente. Refira-se que os números totais de sementes recolhidas não viriam a diferir muito dos da experiência 1, se bem que esta tenha durado menos tempo: 35000 para L e 45000 para C (sendo 25000 para C24), e isto apesar da variação do número total de plantas (desde cerca de 45 em L e C na experiência 2, a perto de 80 para L e C na experiência 1, e 100 para as C24 da experiência 2). É possível que, nas condições da experiência 2, a sementeira das C24 em maior densidade fosse contraproducente para a produção de sementes [Myerscough & Marshall, 1967].

Outra diferença em relação à experiência 1, presumivelmente a de maior efeito, consistiu na não-interrupção da rega durante toda a experiência, isto é, as medições foram feitas só após praticamente todas as plantas estarem espontaneamente já secas, dando por isso o seguinte calendário (figura 3.7):

Figura 3.7 -- Calendário (dias a contar da sementeira) da experiência 2.

As taxas de emergência, medidas pela percentagem de plantas cujos cotilédones emergiram após 10 dias, foram as seguintes: 56% (27 em 48) em L, 79% (38/48) em C, 82% (99/120) em C24. Ao fim de 10 dias, repetiu-se a sementeira nas posições onde aparentemente não tinha havido emergência, mas foi-se verificando, especialmente em L, que havia algumas sementes da sementeira inicial que estavam em emergência, mas com forte atraso -- os valores acima referidos, por isso, limitam-se ao critério dos 10 dias após sementeira utilizado.

O número de dias desde a sementeira até ao aparecimento do eixo floral do caule foi registado, e ao mesmo tempo também o número de folhas da roseta (incluindo os cotilédones). O mesmo foi feito para as plantas C24. As respectivas curvas encontram-se na figura 3.8.

Figura 3.8 -- Fase vegetativa e transição para a fase reprodutiva medidas na experiência 2 em plantas L e C (duas por alvéolo; primeira fila de gráficos) e C24 (cinco por alvéolo; segunda fila de gráficos). Os gráficos da coluna da esquerda representam a distribuição (frequência acumulada) ao longo do tempo de emergência de botões florais no centro da roseta, indicando-se ainda o número de dias na intersecção da mediana; os gráficos da direita representam a distribuição do número de folhas produzidas na fase vegetativa.

As plantas L e C tiveram um comportamento muito semelhante em termos de tempo de aparecimento do eixo floral, com 27 dias para a mediana em ambos os casos. No caso de C, porém, registe-se uma sub-população mais tardia. Para C24 (representada separadamente por causa da densidade de sementeira) houve uma quase repentina, mas tardia, emergência de eixos florais aos 29 dias (40% do total), mas posteriormente uma grande dispersão de valores, prolongando-se mesmo até depois dos 63 dias. O número de folhas na roseta foi também mais regular em L que em C e C24; como se pode ver pelas distribuições na figura 3.8, é nítido que nestes dois genótipos se destacam subpopulações com mais folhas do que a generalidade (acima de 11 folhas em C e acima de 14 em C24). Nas C24, 18 em 20 das plantas com 15 ou mais folhas na roseta pertenciam aos grupos K3 e 2K3, pelo que aparentemente a sua ocorrência dependia do substrato (nas plantas C com 12 ou mais folhas na roseta, não se pôde notar qualquer relação com o substrato utilizado).

Quando se calculou a correlação entre tempo de transição para a fase reprodutiva e o número de folhas da roseta, verificou-se que em L ela era aproximadamente 0, enquanto em C e C24 era de 0.75 e 0.64 respectivamente, estas sendo significativas. A relativa homogeneidade de L para as duas características pode ser, com a relativa falta de resolução temporal das observações, a causa da não-correlação verificada.

Quanto às medições iniciadas no dia 136, apenas se realizaram para L e C -- as C24 não podiam servir de comparação porque cresceram muito menos que as outras, presumivelmente devido à densidade de sementeira, e não foram objecto de medições -- e o procedimento foi análogo à experiência 1, excepto pela inclusão sistemática das ramificações secundárias (eixos de 3ª ordem), presentes em muitas das plantas, como exemplifica a tabela 3.14.

As plantas vêm identificadas não só pelo substrato (K, K2, K3 ou 2K3) como pelo alvéolo (A F) a que pertenciam, e a sua posição (1 ou 2) dentro do alvéolo. Depois das colunas com o número de folhas da roseta e o número de dias desde a sementeira até à emergência do eixo floral, vêm três séries de medições respeitantes aos eixos de 1ª, 2ª e 3ª ordem (as ordens adicionais foram registadas onde existiam, apenas em termos de comprimento acumulado dos eixos respectivos -- contribuindo para a variável V). Os eixos de inserção basal vêm referenciados com a letra B, e os restantes em função do nó onde se inserem (1 é o último nó, antes do início da inflorescência). Os eixos de 3ª ordem vêm designados em função do eixo de 2ª ordem onde se inserem, assim por exemplo B2 é um eixo que parte do nó 2 de um eixo inserido na base do eixo principal, 31 é um eixo que parte do nó 1 de um eixo que por sua vez partia do nó 3 do eixo principal, etc..

Tabela 3.14 -- Exemplo das medições em duas plantas C da experiência 2. No original, os dados dos eixos de 2ª e 3ª ordem seguem-se à direita dos da 1ª ordem; aqui, e por evidentes constrangimentos de espaço, ficam em linhas sucessivas. Ver explicação do conteúdo no texto.

Tabela 3.14 (continuação).

A reconstituição das duas plantas exemplificadas pode ser feita a partir dos dados, e desta vez comparada com fotografias das mesmas (figuras 3.9 a 3.11).

Figura 3.9 -- Reconstituição, a partir dos dados da tabela 3.14, dos eixos florais da planta Columbia K3E2, até aos eixos de 3ª ordem. Ver legenda da figura 3.4.

Figura 3.10 -- Reconstituição, a partir dos dados da tabela 3.14, dos eixos florais da planta Columbia K3F2, até aos eixos de 3ª ordem. Ver legenda da figura 3.4.

As reconstituições permitem apreciar com maior clareza a organização dos eixos florais de cada planta, em particular em casos como o da figura 3.11 à esquerda (Columbia K3E2), que foi uma das plantas onde a complexidade de ramificação foi maior nesta experiência. Em contraste, a outra planta fotografada (Columbia K3F2) tinha uma parte aérea muito menos ramificada, mas com eixos muito mais alongados (e tratava-se do mesmo genótipo, com o mesmo tratamento...). Os dados permitiriam acrescentar às figuras 3.9 e 3.10 o número de flores em cada eixo, e ainda os eixos de 4ª ordem pelo menos. A representação do comprimento de cada nó caulinar não pode ser fidedigna porque o comprimento de cada entrenó parece ser bastante variável e não foi registado (comparem-se os dois eixos principais na figura 3.11); nas figuras 3.9 e 3.10 os nós estão distribuídos arbitrariamente ao longo dos respectivos caules. A curvatura dos eixos patente nas plantas da figura 3.11 deveu-se provavelmente a respostas gravitrópicas e/ou fototrópicas que se sucederam à postração dos eixos florais, que aconteceu nas Columbia mal elas atingiam alguma altura.

Figura 3.11 -- Fotografia das plantas da figura 3.9 (à esquerda) e 3.10 (à direita), orientadas de modo a apresentarem os eixos principais na medida do possível paralelos entre si. As plantas tiveram de ser espalmadas sob um vidro plano para ficarem num só plano de focagem.

Os dados e seu tratamento podem ser acedidos na Internet como referido para a experiência 1.

Os valores das dez variáveis definidas na experiência anterior foram calculados para cada indivíduo nesta experiência e estão resumidos na figura 3.12.

Figura 3.12 -- Representação gráfica dos resultados da experiência 2, cada gráfico relativo a uma das variáveis observadas (cf. figura 3.6).

Comparada nos níveis K2 e K3 com a experiência 1, e apesar da menor duração desta, nota-se que na experiência 2 as variáveis I, II, IV e IX tiveram em geral menor expressão. Este menor grau de desenvolvimento do eixo principal afigura-se paradoxal face não só ao maior tempo de crescimento mas também à menor densidade de sementeiras da experiência 2, e as causas para esta variação entre experiências ficarampor averiguar até à possibilidade de realizar mais experiências.

As variáveis V, VI, VII, VIII e X, nomeadamente pelo contributo dos eixos de 3ª ordem facultado pela maior duração da experiência, tiveram valores em geral superiores aos da experiência 1 (exceptuou-se o conjunto de dados da variável VI, comprimento acumulado das componentes caulinares dos eixos florais, nas plantas L). O maior contraste em relação à experiência 1 registou-se precisamente na variável X (número de ramificações).

Ainda considerando apenas os valores médios nos tratamentos K2 e K3 para comparação entre as duas experiências, pode notar-se que em L os valores médios das variáveis que mais marcadamente respondiam à concentração de terra (IV, V, VI e VII) parecem agora nivelar-se entre os dois tratamentos (e também com K), apenas havendo um acréscimo de resposta no substrato com mais terra, isto é, em 2K3. Já em C, as variáveis II, V e VII são aquelas onde as diferenças de substrato mais se reflectiram nos valores médios obtidos, embora menos, em termos relativos, que na experiência 1. É pois provável que a duração do crescimento permitido a partir da transição para o crescimento vertical seja determinante para que se possam evidenciar melhor os efeitos do substrato na expressão dos caracteres dos eixos florais -- pela comparação entre as duas experiências em relação a tais efeitos, eles ter-se-iam tornado menos nítidos com o prolongar desse crescimento.

Os resultados da análise de variância sobre os dados da experiência 2, por seu lado, mantiveram as tendências da experiência 1 (tabela 3.15):

Tabela 3.15 -- Resultados da análise de variância unifactorial hierarquizada aos dados da experiência 2, comparando todos os tratamentos. (ver legenda da tabela 3.5)

Vgenót. Vsolo Ve %Vgenót. %Vsolo
Variável I -0.1793 0.8302 1.3427 -9.0% 41.6%
Variável II 41.33 12.70 24.34 52.7% 16.2%
Variável III 0.0653 -0.0042 0.6399 9.3% -0.6%
Variável IV -1.640 7.120 17.311 -7.2% 31.2%
Variável V 873.95 93.20 604.54 55.6% 5.9%
Variável VI 44.89 1.92 26.98 60.8% 2.6%
Variável VII -12.90 109.25 337.74 -3.0% 25.2%
Variável VIII 23.88 1.14 16.88 57.0% 2.7%
Variável IX 0.04890 0.01547 0.24348 15.9% 5.0%
Variável X 0.9582 0.3959 6.7055 11.9% 4.9%
I-II 39.80 7.38 19.01 60.1% 11.2%
V-VI 523.24 64.78 427.30 51.5% 6.4%

O par de variáveis II e V (comprimento total dos eixos florais) continua a revelar uma consistente predominância da componente genotípica (isto é, a diferença entre L e C) da variação, a qual se situa, quando se considera a percentagem da variânca total, em valores muito próximos dos da experiência 1 (cf. tabela 3.6); no caso da variável II, a subtracção dos valores da variável I (deixando apenas o comprimento das inflorescências principais) volta a suprimir, como na experiência 1, uma parte da componente Vsolo, acentuando a componente genotípica. O mesmo, porém, já não se passa se se compararem os valores percentuais para a variável V e a variável VVI.

Também analogamente à experiência 1, o par de variáveis IV e VII (número de flores) apresenta uma consistente variação devida ao substrato, e uma variância genotípica negativa.

Quanto ao par III e X (respeitante ao número de ramificações dos eixos florais), os valores de repetibilidade clonal (%Vgenótipo) são, se bem que consistentes entre as duas variáveis, bastante mais baixos que os observados na variável X pela experiência 1. O estudo desta discrepância levou a relacioná-la com a produção de um maior número de ramificações nas plantas L, sendo frequentes duas ou mais ramificações partindo do mesmo nó, e ramificações basais, que compensaram o maior número de nós caulinares das plantas C e levaram a valores da variável X mais próximos entre as plantas L e as plantas C; de facto, os valores médios da variável composta X/VIII (número de ramificações produzidas pelo número de nós caulinares) eram praticamente os mesmos na experiência 1 (28 39% em L e 25 32% em C) mas subiram muito mais marcadamente em L na experiência 2 (aproximadamente 100%, contra 64% em C -- figura 3.13).

Como também se pode ver na figura 3.13, a variável X/VIII mostrou-se bastante sensível ao substrato utilizado, com as tendências das plantas L e C, em função da percentagem de terra, caminhando em sentidos opostos.

Figura 3.13 -- Variável X/VIII: fracção de eixos florais que se desenvolveram a partir dos nós caulinares, e sua dependência no substrato utilizado em L e em C.

A discrepância entre os valores de %Vgenótipo em variáveis do mesmo par, que já se havia notado na experiência 1, registou-se ainda mais acentuadamente no par I e VI (relativo ao crescimento do caules nos eixos florais) e no par IX e VIII (relativo ao número de nós desses caules; tabela 3.15). Como anteriormente, a explicação para esta discrepância encontra-se nas diferenças entre o eixo principal e as suas ramificações, onde as plantas L revelam uma redução particularmente drástica do crescimento dos caules de 2ª e ainda mais de 3ª ordem (tabela 3.16), e também do número de nós desses caules (tabela 3.17):

Tabela 3.16 -- Discrepância I vs. VI (cf. legenda da tabela 3.7)

Eixo 2ºs 3ºs
L 2.82 0.38 0.08
C 3.16 2.20 1.10

Tabela 3.17 -- Discrepância IX vs. VIII (cf. legenda da tabela 3.7)

Eixo 2ºs 3ºs
L 2.21 1.23 0.63
C 2.55 2.17 1.36

A exemplo do que se fez para os dados da experiência 1, procuraram-se variáveis compostas discriminantes entre L e C, independentes do substrato, e foram novamente as referentes ao número de flores por cm de inflorescência (IV/(III) e VII/(VVI)) que confirmaram a sua potencial utilidade para essa discriminação (tabela 3.18):

Tabela 3.18 -- Valores médios de algumas variáveis compostas, obtidos na experiência 2, para ilustrar a possibilidade de obter valores relativamente constantes entre substratos e discriminantes entre L e C (cf. tabela 3.12, e ver texto)

Variável IV/(II-I) VII/(V-VI)
Plantas L C L C
médias 1.6-2.5 .65-.84 .48-.64 .14-.20
erro a 99,9% confiança 1.3-3.4 .45-1.22 .08-1.10 .02-.35

Note-se que os valores das duas variáveis, em relação à experiência 1, baixaram um pouco no eixo principal (na variável IV/(III), baixaram cerca de 20 a 35%, sendo os 35% específicos de L nos substratos K3 e 2K3), e muito mais no conjunto dos eixos (variável VII/(VVI), cerca de 80% tanto em L como em C). Este efeito de "alongamento" dos entrenós florais em L e em C não deixa, porém, de permitir uma boa discriminação biométrica baseada nestas duas variáveis compostas.

Outros resultados

Mutagénese com etilmetanosulfonato (EMS)

Foram realizadas tentativas preliminares de mutagénese em sementes C24, sem o objectivo de isolar mutantes mas para testar a hipótese de a acção do EMS reduzir significativamente a viabilidade das sementes, avaliada pela taxa de emergência após sementeira. O procedimento envolveu a embebição durante 16 horas em 0.3% EMS (aq.) em papel de filtro numa placa de Petri, seguindo-se 4 horas só com água (para remover vestígios do mutagénio) antes da sementeira. O controlo era constituído por sementes embebidas em água durante 20 horas. Duas tentativas iniciais deram taxas de emergência inaceitavelmente baixas (inferiores a 30% nas sementes controlo, e inferiores a 13% nas sementes com EMS), tendo-se verificado numa terceira tentativa, onde se colocou 1 semente por alvéolo, que as taxas de emergência rondavam os 95% no grupo controlo, enquanto nas sementes embebidas com EMS foi também de 95% num substrato mas de 62.5% noutro (sendo a diferença entre substratos a componente areia utilizada, de maior calibre no segundo caso). Coloca-se assim a hipótese de interacções entre sementes vizinhas terem contribuído para as diferenças encontradas. O aditivo à areia que se usava na circunstância era uma terra que se veio a verificar inadequada para estas plantas (cf. secção seguinte), e este terá também sido um factor que contribuiu para as dificuldades encontradas.

Concluiu-se que as sementes C24 eram muito susceptíveis às condições em que eram semeadas para adoptar este sistema de demonstração de efeitos do EMS. Futuras experiências deverão talvez ser realizadas com germinação em agar.

Crescimento no inverno

No início do mês de Outubro de 1995 semearam-se sementes dos genótipos L, C e C24 numa placa de alvéolos organizada como na figura 3.1, excepto pelo aditivo utilizado (a mesma terra referida na secção anterior), e pelo facto de todos os alvéolos serem suplementados com macronutrientes (cf. bloco +N da experiência 1), além de se ter colocado uma só semente por alvéolo. As plantas cresceram com luz natural, protegidas da irradiação directa durante a maior parte do dia, e eram regadas por capilaridade, sem outras intervenções. Só em areia (+N) houve um crescimento satisfatório (o que confirmou indicações anteriores de inadequação para estas plantas), e foi neste bloco que se puderam registar resultados, destacando-se os seguintes:

Figura 3.14 -- Início do desenvolvimento dos eixos florais numa planta L crescendo durante o inverno, ao ar livre e com luz natural, em substrato contendo areia com macronutrientes.

Figura 3.15 -- Três plantas C24 (e não Columbia como por lapso se etiquetou na altura da tomada da imagem), com inflorescências contendo silíquas já desenvolvidas, da mesma experiência que na figura 3.14.

Esta experiência não só permitiu obter plantas com rosetas muito grandes, devido à quantidade de tempo de crescimento essencialmente vegetativo de que dispuseram (um total de mais de 5 meses), como demonstrou a separação entre os processos de indução floral (entendida como uma transição de modelo de crescimento que, no meristema apical caulinar, passa a determinar o modelo reprodutivo de desenvolvimento morfológico) e os de floração propriamente dita (marcada a partir do alongamento dos eixos florais); a indução floral aconteceu no espaço de uma semana nos três grupos de plantas, próximo do solstício de inverno (portanto com o fotoperíodo mais curto do ano), e presume-se (tratando-se de genótipos de floração precoce) apenas relacionada com uma "contagem de tempo" desde a germinação; o desenvolvimento dos eixos florais e subsequente floração, por seu lado, pareceu ser determinado pelo fotoperíodo (cf. discussão em Laibach [1965]).

Esta experiência também permitiu verificar pela primeira vez, de maneira sistemática, diferenças morfológicas entre os três grupos ao nível da roseta, não só pela morfologia das folhas (as C24 tinham folhas mais claras e com pecíolos mais longos que as C e sobretudo as L; as C tinham os limbos mais alongados, as C24 eram intermédias, e as L tinham limbos mais largos) como pela filotáxia (próxima dos 90º no sentido dos ponteiros do relógio em L, e próxima dos 180º em C e C24).

Perspectivas para o trabalho com Arabidopsis thaliana no futuro

Considerações gerais

Tendo em vista a futura utilização da Arabidopsis thaliana em demonstrações para as aulas de Genética, são de colocar em destaque três aspectos gerais dos resultados obtidos das experiências 1 e 2:

Primeiro, centenas de plantas puderam ser cultivadas e observadas dentro de uma só placa, completando-se os seus ciclos de vida em poucos meses -- estas duas características são muito úteis na análise genética, pela economia de espaço e concentração de tempo que permitem. Na secção seguinte haverá a oportunidade de propor, utilizando o mesmo material (L e C), uma demonstração experimental ilustrativa das leis de Mendel, que poderá proporcionar aos alunos de Genética uma oportunidade de se envolverem, e com meios pouco sofisticados, com uma experiência ao longo do semestre, requerendo a manutenção das plantas, sua observação periódica, medições e tratamento de dados. Acrescente-se que o facto de acondicionarem-se as plantas numa pequena área pode também contribuir para um maior controlo sobre as condições ambientais (designadamente luz, água e temperatura).

Segundo, foram encontrados alguns indicadores biométricos úteis para o estudo de duas componentes da variação fenotípica nos eixos florais: a componente genotípica, entre os mutantes erecta e o tipo selvagem, através da qual se pode estudar a segregação dos respectivos alelos; e a componente ambiental atribuível ao substrato (ou seja, à nutrição através das raízes, pela qual a Arabidopsis thaliana poderá servir como modelo bioindicador [Rédei & Zuber, 1967]), para o estudo de interacções genótipo-ambiente ou, mais globalmente, da fisiologia do crescimento destas estruturas. Quanto à componente residual, sem dúvida que poderá ser melhorada, nomeadamente recorrendo aos procedimentos de uniformização de culturas no solo [van der Veen, 1965; Lawrence, 1965], e a uma investigação sobre a estrutura e composição dos substratos a utilizar. Nos resultados obtidos, porém, não deixou de ser possível definirem-se critérios biométricos aparentemente reprodutíveis de discriminação entre os dois grupos, L e C.

Terceiro, e dado que as duas experiências diferiram num importante factor, que foi a duração do crescimento dos eixos florais, e apesar de isso reflectir-se em diferenças nos padrões de variação de algumas variáveis de uma experiência para a outra (figuras 3.6 e 3.12), a partição da variância em componentes deu resultados em geral muito concordantes entre experiências, sugerindo a possibilidade de continuar a comparar os diferentes caracteres morfológicos, representados por variáveis como as do presente estudo, em termos de plasticidade fenotípica e de heterogeneidade genética em Arabidopsis thaliana.

Cruzamento de L com C nas aulas práticas

Tanto L como C apresentam fenótipos mutantes devidos a genes recessivos, os quais se encontram em grupos de ligação diferentes: erecta (2º grupo de ligação) em L, e glabra1 (3º grupo de ligação) em C. Por isso os cruzamentos entre L e C podem fazer-se com qualquer das linhas a servir de progenitor feminino:

Cruzamento fenótipo materno fenótipo da F1
L × C eixo floral erecta, pelos tipo selvagem (wt): eixo floral normal, pelos
C × L eixo floral normal, glabra wt: eixo floral normal, pelos

Todas as descendentes de uma planta onde se tenha realizado uma polinização cruzada que tenham fenótipo materno são portanto resultantes de auto-polinização, isto é, da utilização do pólen da própria planta em vez do que foi aplicado pelo investigador (cf. primeiro capítulo, secção e-ii,4); tais plantas são fáceis de identificar, e com relativa precocidade, podendo ser excluídas da restante experiência, ou então serem tratadas como controlos representativos da linha parental feminina, cujas descendências são úteis para efeitos da necessária comparação com as plantas F2.

No caso da realização das aulas no semestre par do ano lectivo (fim do inverno e primavera), será útil semear com vários meses de antecedência as presumíveis F1 em fotoperíodo curto, em baixa densidade, para produzir grandes quantidades de sementes F2, tendo em vista que a sementeira destas últimas se deverá realizar dentro das últimas oito semanas do semestre para permitir o seu desenvolvimento completo e dar a oportunidade de se fazerem medições. Em paralelo com estas sementes, terão de semear-se as linhas parentais, para que se obtenham em simultâneo com as sementes F2 os fenótipos parentais. Este rigor no paralelismo justifica-se para posteriormente se poderem comparar fenótipos de variação contínua, e também para poder testar variâncias fenotípicas (a discutir mais à frente nesta secção).

Para permitir uma amostragem equilibrada, por cada semente parental (L ou C) deverão semear-se 4 da F2, por exemplo numa mesma placa de alvéolos (com uma a duas sementes por alvéolo): 4 filas com sementes F2 para uma fila com sementes L e uma com sementes C. Isto porque se espera 1/4 de F2 erecta e 1/4 de F2 glabra, respectivamente -- agrupadas nas 4 classes fenotípicas possíveis: 9/16 tipo selvagem, 3/16 erecta, 3/16 glabra, e 1/16 erecta glabra.

A identificação das classes segregantes na F2 é bastante fácil para a presença ou ausência de tricomas nas folhas, pois apesar de alguma variação na expressão do fenótipo normal, pôde constatar-se que nenhuma planta L estava completamente desprovida destas estruturas, enquanto as C (e C24) nunca as apresentavam.

Quanto ao fenótipo erecta, ele é também suficientemente característico uma vez desenvolvida a inflorescência (cf. figuras 3.14 e 3.5). No entanto, e esse foi um dos objectivos da análise biométrica efectuada, o recurso à quantificação terá bastante importância para evitar erros. Como discutido anteriormente, algumas variáveis compostas são suficientemente discriminantes e com valores médios relativamente constantes nos diferentes ambientes testados. De grande importância prática para as tarefas de medição é a possibilidade de conseguir-se discriminação com medição apenas do eixo floral principal: o número médio de flores por cm de inflorescência (variável IV/(II-I)) ou a proporção do eixo principal em relação à porção caulinar que o compõe (variável II/I) são as variáveis compostas a ter mais em conta para esse objectivo. Outro aspecto de interesse é não ser necessário prolongar muito a incubação das plantas a partir do momento em que desenvolvem o eixo floral pricipal, excepção feita ao estudo de sucessivas ordens de ramificações que se exemplificou nas tabelas 3.7/8/16/17.

Por outro lado, deve incentivar-se nos alunos a amostragem de sementes F3 (da autopolinização das plantas F2) e sua sementeira para observação após 1 mês, como teste formal ao genótipo dos indivíduos da F2.

Caso a segregação da classe mutante erecta, na F2, dependesse exclusivamente do locus ER, então para todos os efeitos as variâncias fenotípicas teriam de ser aproximadamente as mesmas em relação ao correspondente parental L (criado em simultâneo), pois trata-se de homozigóticos recessivos para o mesmo gene em ambos os casos. Contudo, mesmo descendendo de plantas Landsberg (LaO), as plantas C utilizadas já tiveram muitas gerações para divergirem por mutação noutros loci [Lister & Dean, 1993], em relação às Ler (Landsberg erecta) com que foram comparadas neste trabalho, pelo que haverá outros loci em segregação na F2. Caso haja interacções desses loci com o locus ER, elas deverão ficar patentes numa maior variância na classe de fenótipo erecta da F2, comparada com a linha parental L. Para tal, o teste de comparação entre variâncias (cujo quociente tem distribuição F) poderá indicar se existe realmente uma segregação poligénica para qualquer dos fenótipos em estudo (I a X, ou composições entre eles) nessa F2; para além da óbvia comparação usando a variável II I (comprimento da inflorescência principal), a hipótese que o comprimento e número de nós dos caules nas ramificações secundárias se deva a pleiotropismo do locus ER (cf. secção seguinte) deverá merecer atenção.

Uma interessante questão a examinar, se bem que talvez não seja fácil a observação respectiva numa população heterogénea como será uma F2, é a da natureza (presumivelmente) genética da variação de cor do tegumento da semente, e se ela co-segrega com algum dos marcadores genéticos (ER, GL1) utilizados.

Pleiotropismo da mutação erecta

O gene mutante erecta afecta um determinante do crescimento que se expressa a vários níveis. Encontram-se referências não só ao encurtamento das inflorescências, mas também ao comprimento e forma dos frutos, ao comprimento dos pedicelos, e à forma das folhas [www2], que puderam observar-se na presente investigação. Todas as variações associadas a erecta são relacionáveis com alguma modalidade de crescimento que está afectada, mas tanto quanto é dado saber, não se avançaram hipóteses sobre o papel normal desempenhado pelo locus ER.

Da investigação aqui feita, para além da esperada diferença no crescimento das inflorescências (seja de 1ª, 2ª ou 3ª ordem), foi possível revelarem-se variações notáveis, a partir da 2ª ordem de eixos florais, entre as plantas L e C: os resultados da experiência 2 confirmam e acentuam uma tendência já identificável na experiência 1, pela qual as plantas L desenvolvem menos os caules secundários, tanto em comprimento (variável VI) como em número de nós (variável VIII); no que respeita ao desenvolvimento dos caules, se se trata de mais uma manifestação do gene mutante erecta, isso poderá ser investigado nas plantas F2 de cruzamentos entre L e C. Em contrapartida, e isto parece relevante quando se verifica que o número de flores permanece sensivelmente o mesmo, essas mesmas plantas produzem, por gema axilar, maior número de ramificações (variável X/VIII) -- ou seja, essa maior ramificação "compensaria" o menor número de nós presentes.

Colecção de mutantes

A mutagénese com etilmetanosulfonato (EMS) é uma abordagem muito acessível e "barata" para a produção de mutantes em Arabidopsis thaliana, continuando ainda hoje a ser o recurso principal das tentativas de descoberta, orientadas para processos fisiológicos bem delimitados, de novos genes. Todos os loci exemplificados nas duas primeiras partes do presente trabalho foram identificados através dos mutantes induzidos experimentalmente, e a lista actual, apesar de longa [www5], ainda deve expandir-se bastante à medida que as investigações segundo os mais diversos ângulos evidenciam outros loci ainda por conhecer.

Em particular para os mutantes morfológicos, pigmentares ou fenológicos, desde que se utilize uma técnica de cultura que assegure uniformidade dentro de cada genótipo, a observação directa é suficiente para identificar os indivíduos mutantes, e além disso o número de indivíduos a rastrear tende a ser relativamente reduzido (haja em vista o considerar-se que aproximadamente 5% de mutantes aclorofilinos é indicador de uma utilização adequada do mutagénio [Rédei, 1975; Christianson, 1991]. Onde quer que seja encetada esta abordagem, irá acumular-se uma colecção de variantes que pode inspirar o mais diversificado espectro de demonstrações didácticas e motivar a curiosidade científica de quem, docentes ou alunos, participa na sua construção. Sobretudo a nível universitário este esforço deveria ser empreendido sistematicamente, seja em Arabidopsis thaliana ou noutras espécies-modelo (designadamente a Drosophila melanogaster e o nemátode Cænorhabditis elegans).

Se os fenótipos erecta e glabra constituíram, neste trabalho, pequenos exemplos daquilo em que pode consistir um estudo de mutantes, é de prever que o isolamento e caracterização genética de novos mutantes seja muito estimulante e contribua para uma efectiva divulgação da prática genética, muito para além do que é a preconizado correntemente nos livros escolares do Ensino Secundário, e até do que se ministra nas nossas universidades (cf. Preâmbulo a este trabalho). A recente implementação, pelo Estado, do projecto CIÊNCIA VIVA, para a divulgação da prática científica nas escolas (Ministério da Ciência e Tecnologia; http://www.ucv.mct.pt/Edital.html), poderá constituir um exemplo de iniciativa capaz de servir de veículo a essa divulgação.

É preciso não esquecer a consciência da actividade de substâncias como o EMS sobre os materiais biológicos, usando de elementares precauções de manuseamento e eliminação necessárias para controlar riscos (cf. segundo capítulo, secção b-i).

Extrapolação a outras espécies

O parentesco de maior ou menor grau entre grupos de organismos vivos é evidenciável a nível genético e tem sido deliberadamente explorado para a extrapolação dos resultados obtidos em organismos-modelo como a Arabidopsis thaliana. Esta espécie é insistentemente apresentada na literatura científica como o modelo genético por excelência para as dicotiledóneas e até para as angiospérmicas. Se tais extrapolações têm os seus limites, não deixam também de contribuir em larga escala para uma compreensão de processos fisiológicos e ontogénicos comuns às plantas superiores em geral (crucíferas e não só), incluindo espécies cultivadas [Purugganan et al., 1995], e que está em intensa renovação presentemente.

O projecto de sequenciação do genoma de Arabidopsis thaliana constitui uma importante base material para a busca de sequências de interesse noutras espécies de plantas superiores. A exploração ainda altamente preliminar dos dados já acumulados de outros genomas-modelo (sobretudo na investigação biomédica [Hartl, 1996]) há-de por certo orientar o uso a dar-se à informação retirada do genoma de Arabidopsis thaliana, não excluindo mesmo assim o sempre possível processo inverso: através de estratégias desenvolvidas no estudo do genoma desta planta, abrirem-se novas vias ou metodologias com interesse para outros genomas (cf. segundo capítulo, secção c-iii,4).

Muito menos digno de atenção tem sido o potencial de Arabidopsis thaliana como bioindicador. A sua elevada plasticidade fenotípica em resposta a factores ambientais, e nomeadamente à nutrição nas raízes, poderia servir para ensaios biológicos desses factores -- recordem-se por exemplo os resultados da experiência 1 sobre o adicionamento de macronutrientes ao substrato: apesar do suplemento de macronutrientes colocar à disposição das plantas L uma riqueza nutritiva superior à dos 30% de terra (excepto em magnésio), as plantas L não responderam a estes macronutrientes como fizeram à adição de terra, ao contrário das C para a maior parte das variáveis em estudo (figura 3.6); deste modo, as plantas L parecem selectivamente limitadas pelo magnésio ou por factores que não foram investigados na análise físico-química. É claro que nesta área também há limitações à extrapolação, limitações essas menos de carácter filogenético do que de carácter ecofisiológico. Mas a exploração sistemática da Arabidopsis thaliana como bioindicador, por exemplo como modelo para plantas cultivadas anuais, parece não ter sido feita -- a conseguir-se o estabelecimento dum sistema de experimentação com relevância para outras espécies nesta área, abrir-se-á um novo caminho de grande utilidade baseado nesta pequena planta.