Ecologia Molecular de fungos ectomicorrízicos

Âmbito

Por Ecologia Molecular entende-se o estudo da Ecologia apoiado em métodos de análise molecular, aplicada nomeadamente ao estudo de populações de macroorganismos e à inventariação dos táxones de microorganismos. As possibilidades desta última componente só começaram a ser exploradas a partir da década de 1990, confirmando aquilo que se suspeitava há muito: a maior parte da diversidade microbiológica existente nos ecossistemas é desconhecida, ou porque não é alvo de amostragem, ou porque não existem técnicas de cultura adequadas.

Os fungos do solo formam comunidades de que se sabe pouco, e nos ecossistemas mediterrânicos ainda menos. Compreendem organismos saprobióticos assim como simbióticos, nestes últimos incluindo-se várias classes que estabelecem micorrizas. As micorrizas são órgãos mistos, formados pelas extremidades das raízes e por micélio fúngico, constituindo estruturas reconhecíveis ao microscópio (rede de Hartig, arbúsculos, etc., que as tipificam link). É nessas estruturas que a raiz e o micélio realizam trocas de nutrientes num tipo de interacção em geral mutualista (link 1, link 2). Graças a este mutualismo os fungos micorrízicos podem explorar ambientes essencialmente minerais onde mobilizam nutrientes que são aproveitados pelas plantas a que estão associados, sendo assegurado o retorno energético sob a forma de fotossintetizados.

Nos sistemas florestais predomina uma classe de micorrizas a que se dá o nome de ectomicorrizas, acompanhadas nalguns sistemas mediterrânicos por uma classe muito próxima, as ectendomicorrizas (em especial as arbutóides e ericóides, onde pertencem vários fungos que também formam ectomicorrizas). Esta predominância funciona, em princípio, para favorecimento mútuo das árvores/arbustos e dos seus simbiontes, relegando outras espécies (por exemplo, simbiontes parasitas e diversos sapróbios) para nichos onde não haja espécies florestais de boa saúde. Uma grande parte dos cogumelos que se encontram nas florestas são frutificações de espécies ectomicorrízicas.

Mesmo antes da caracterização dos fungos ectomicorrízicos por sequenciação do DNA se ter tornado extensa, a sua diversidade já era considerada muito elevada, tendo em conta o número de espécies, identificadas micologicamente, associadas obrigatoriamente com as árvores florestais, confirmada pela capacidade de formarem ectomicorrizas após inoculação das raízes, pelo menos nos casos em que se conseguia o seu crescimento em cultura pura. A sequenciação directamente a partir das ectomicorrizas veio demonstrar que muita diversidade ainda estava por caracterizar, e sobretudo fez desaparecer a ideia de que a abundância dos cogumelos de espécies ectomicorrízicas é indicadora da sua abundância nas simbioses radiculares (sendo estas micélio vegetativo, distinto das estruturas reprodutoras).

Uma certa visão do montado Cogumelos no carrascal
Foto de Luís Morgado

Algumas questões que se colocam

O que se encontra nesta secção situa-se quase exclusivamente no domínio da especulação. A listagem aqui feita é uma compilação do que podem ser temas interessantes no domínio da Ecologia Molecular de ectomicorrizas. É um programa muito vasto, e que deverá ir sendo cumprido ao longo dos anos, com o contributo de muitos (link).

Dinâmica das ectomicorrizas

Colonização vegetativa ou esporos? Ambas as vias são claramente possíveis, mas qual prevalece em cada situação? Qual o papel que têm, por exemplo, na instalação de novos povoamentos florestais, seja por plantação ou sementeira? Qual a diferença entre instalarem-se espécies pioneiras junto com as de clímax, ou só estas últimas?

Resposta a perturbações O fogo, a lavra, a fertilização do solo (química, rizobiana...), o pastoreio (e estrume animal), as infestantes, a poluição. É fácil imaginar que qualquer uma destas perturbações tem impactos poderosos sobre as comunidades de fungos ectomicorrízicos, mas daí a caracterizá-los... Que espécies são afectadas, até que ponto o são, qual a dinâmica de recuperação, será a perturbação reversível? (haverá meios de intervir para que o seja?)

Nichos do solo Distribuição vertical, preferências nutricionais, compatibilidade com diferentes espécies de plantas (v. abaixo), no fundo um reflexo da própria heterogeneidade tridimensional onde os propágulos de cada espécie têm de impor-se (link 1 link 2 link 3, link 4).

Níveis de simbiose

Simbiose fungo-planta Classificar os fungos segundo a sua especificidade em relação às plantas, e possivelmente deduzir, através de estudos comparativos, os mecanismos de reconhecimento entre parceiros no início da interacção. A maior parte dos fungos ectomicorrízicos terão um espectro de compatibilidade muito largo (broad host range), no sentido em que podem encontrar-se associados tanto a coníferas como a angiospérmicas, mas há motivos para ter de reavaliar-se esta questão: primeiro, pelo facto de não conhecer-se muita da diversidade existente; segundo, por haver a hipótese de dentro de cada espécie de fungos ectomicorrízicos haver várias especificidades (diferentes "raças" dentro da mesma espécie) — só as espécies no seu todo chegam a ser broad host range, e daí não poder prever-se o espectro de compatibilidade de cada "raça" com que se trabalha. Em ambos os aspectos, a informação molecular pode ser muito clarificadora.

Simbiose planta-fungo-planta Cada micélio ectomicorrízico pode encontrar-se muito localizado ou estender-se por vários metros, e neste último caso servir de ligação entre diferentes espécies florestais, podendo mediar relações de sinergismo ou de antagonismo (consórcios, sucessão ecológica). O exemplo das plantas aclorofilinas que formam micorrizas monotropóides é a mais firme ilustração destes conceitos (link).

Simbiose fungo-fungo Os fungos ectomicorrízicos estabelecem comunidades muito complexas dentro de cada sistema radicular, desconhecendo-se se estas comunidades são emergentes de interacções sinergísticas, favorecidas por determinadas condições ambientais, (nas quais também se inclui a intervenção humana), ou se de equilíbrios existentes entre parceiros (da planta) independentes, em competição entre si pela fonte de Carbono orgânico que representam as raízes. Os fungos saprobióticos podem também ter de levar-se em conta nesta questão, nomeadamente os chamados endófitos das raízes link.

Simbiose fungo-bactérias Certas bactérias têm um efeito facilitador do desenvolvimento das interacções entre fungos ectomicorrízicos e as raízes, e por essa razão passaram a ser chamadas bactérias auxiliares de micorrização (mycorrhiza helper bacteria, link 1, link 2, link 3). São membros de grupos muito díspares e o seu papel na micorrização poderá inscrever-se numa estratégia a nível comunitário, que pode também envolver outros fungos (v. acima), tendente ao favorecimento da simbiose ectomicorrízica em detrimento doutro tipo de nichos bióticos.