Extracto de "Dossier Anderson", de Lawrence Sanders

Escritos de 1958 por Anderson

primeira folha

isso podia ser tudo.

Por outras palavras, o crime não é uma pequena coisa, não ocupa um pequeno lugar na sociedade, mas vive ali, e faz parte daquilo que todos consideram uma maneira de viver normal, certa e decente.

Quando uma mulher não se entrega a um homem a não ser que ele case com ela, isso podia ser apelidado de extorsão ou chantagem.

Ou se uma mulher pretende um casaco de peles e o marido não lho dá, e ela se recusa a ele até que ele lho dê. Isso também é uma espécie de crime, como a chantagem.

Quando um patrão consegue deitar-se com a secretária só porque ele receia que ele a despeça. Extorsão.

Um gajo diz sei que tens andado aí no pagode. Se não me dás algum, digo ao teu marido. Chantagem.

Uma grande mercearia instala-se na vizinhança de uma pequena mercearia. E aquela que pretence a uma grande cadeia baixa os preços e arruma com a mercearia pequena. Isso é sacanice. Scanice de dinheiro, mas à mesma sacanice.

Guerra. Diz-se a um país pequeno ou fazes como nós queremos ou estoiramos contigo. Extorsão ou chantagem.

Ou um país grande como os Estados Unidos vai a um pequeno país e compra toda a mercadoria que quer. Isso é suborno criminal.

Ou nós dizemos dou-te isto e aquilo se fizeres esta coisa, e depois o outro país faz isso e nós dizemos muito obrigado! E não pagamos. Isso é uma fraude ou conjuração de fraude.

Um homem de negócios ou mesmo um professor de universidade pensa que outro tipo vai ficar com o emprego que ele quer. Então escreve cartas que não assina e manda-as ao director. Cartas venenosas. Nad de comprometedor mas cheio de insinuações.

Há ainda muitos exemplos, praticamente sem fim que eu

Outra folha



podia dizer quanto de tudo o que nós dizemos é ordinário, sendo o vulgar procedimento humano um verdadeiro crime.

Alguns destes são pessoais, como entre uma mulher e um homem, ou entre dois homens ou duas mulheres, e outros são nos negóciose outros ainda noutras coisas.

Um homem quer lixar outro tipo da sua companhia. Trata de o comprometer. Difamação.

Um gajo compra presentes para a mulher porque sabe que ela se lhe recusa se ele não o fizer. Suborno.

Ensinamos aos mancebos da tropa qual a melhor maneira de matar. Assassínio.

A mercearia local ou a filial da loja escamoteia as contas se consegue, ou faz talvez algumas pequenas alterações. Roubo.

Um tipo quer ir a um restaurante barato mas a mulher quer ir a um sítio divertido. E insinua que se não forem onde ela quer, que não dorme comele nessa noite. Extorsão.

Um indivíduo dá a uma gaja um colar de contas dizendo que são diamantes, mas na realidade são de zircão ou pedras falsas, e ela cede. Fraude.

Um tipo num negócio faz um desvio e outro descobre e deixa que ele saiba que ele está ao corrente. Então o primeiro tipo dá alguma coisa ao segundo tipo. E ambos sorriem ou deixam correr. Conivência.

Uma mulher gosta talvez de apanhar. Então o gajo dela vai-lhe batendo. Ele também gosta. Mas quem é que sabe? Não deixa de ser uma violência.

Um maricas aguenta outro maricas na ponta da corda por lhe dizer que o denuncia se ele não quiser continuar o jogo. Extorsão.

Parecido com o acima mencionado, alguém diz mato-me de não fizeres o que eu quero, e isso também é extorsão. Ou talvez chantagem.

Mais uma folha



dependendo do que os advogados ou os juízes decidirem.

O que eu quero dizer é isto, que o crime não é só a falta de cumprimento da lei, porque toda a gente o faz. Não sei se isto é de agora ou se já é assim há muitos anos. Mas todos somos criminosos.

Somos todos criminosos. É só uma questão de grau, como primeiro, segundo e terceiro grau. Mas se as leis contra o crime estão certas, então quase toda a gente devia estar na gaiola. Se essas leis estão certas e fossem rígidas, então nem o grau devia interessar. A mulher casada que não se entrega a não ser que o marido lhe compre um casaco de peles é tão culpada como um gajo que dá um golpe em que consegue extorquir um milhão de dólares.

E o pai miserável que parte o mealheiro do filho, sim, é divertido, para tira o suficiente com que ir para o trabalho, pois bem, que diferença há entre ele e o Sonny Brooks que morreu ontem, vi eu nos jornais. Jesus, eu adorava aquele tipo, foi ele que me ensinou tudo quanto sei, era extraordinário. Foi abatido ao sair de um banco na 5ª rua West. Mal posso crer, ele era tão cauteloso, um verdadeiro profissional. Trabalhava uma vez por ano, mas dava-lhe para 6 meses. Cauteloso e bom. Descansava 6 meses por ano. Dá um golpe valente por ano dizia ele e depois descansa. Fiz dois trabalhos com ele e aprendi tanto.

Oh, merda, tudo é crime. Tudo. A maneira como vivemos. Todos nós. Somos todos uns sacanas, todos. Portanto o que faço é só ser suficientemente esperto para sacar algum.

Mentimos e enganamos e roubamos e matamos, e se não é por dinheiro é por causa de outras pessoas ou por amor delas ou só para andar para a frente. por qualquer coisa a que estamos presos. Oh, Jesus, isto é tudo uma merda.

Quando estive dentro pensei que os que estavam lá dentro eram melhores do que os que estavam cá fora. Pelo menos éramos francos e fazíamos os nossos crimes às claras. Mas as outras pessoas julgam que são normais e honestas e decentes e são os maiores e mais nojentos criminosos e todos porque são