Algumas reflexões sobre a posição dos cientistas em relação ao conhecimento

Primeiro que tudo, os cientistas seguem o que se apelida de método científico, radicado na obra de duas luminárias do início do século XVII, Descartes e Galileu. Para Descartes, o mundo físico seria compreendido através da análise exaustiva de cada observação, sendo a verdade aquilo que não fosse negado por um processo contínuo de dúvida; Galileu juntou-lhe a necessidade de efectuar medições para ajudar ao processo de observação (por alguma razão se dá importância à objectividade, isto é, centrar a observação no objecto), assim aplanando muito do caminho empreendido no processo de dúvida. A palavra-chave para os cientistas é a verificação: só é incorporado como Ciência aquilo que, neste mundo em que vivemos, pode observar-se independentemente de quem é o observador.

A dúvida e a medição são as defesas dos cientistas face à tendência natural do ser humano em simpatizar e, com isso, aceitar como verdadeiro. Mas, se trouxeram à Ciência um método que lhe permite avançar com segurança, também é verdade que acarretaram enormes limitações; por isso os cientistas são possuidores de apenas uma fracção do conhecimento, o qual está permanentemente sujeito a ser revisto por novas observações que trazem dúvidas -- é esse o preço que se paga por tentar seguir um caminho com mais certezas. Dirá o António que nem todos os cientistas mostram ter consciência disso, ou que pelo menos não se comportam em conformidade. Eu respondo que praticamente todos têm essa consciência; se muitos ousam dizer aquilo que não sabem, ou negar aquilo que apenas não gostam, é lamentável, mas humano. A urgência que o mundo tem por respostas é apenas um dos factores que levam a isso.

Imagine que o conhecimento do mundo físico seria uma pirâmide, tão grande que (metaforicamente) tocaria o Céu. Face a isso, a Ciência de hoje não passa duma constelação de pequenas pirâmides que cobrem apenas uma parte da área de todo o conhecimento, e todas elas inacabadas. Cada uma delas é uma "disciplina", e em cada geração de estudantes dá-se-lhes a conhecer a base para depois poderem acrescentar-lhe alguma coisa no topo, se continuarem o seu estudo. Para quem está no topo duma pirâmide, abarcar várias disciplinas devia ser necessidade evidente, até porque a síntese entre pirâmides produz uma pirâmide que pode subir mais, mas juntá-las entre si numa base comum raramente é conseguido (Charles Darwin, na Biologia, é um raro exemplo); por isso, é muito mais frequente o crescimento de cada pirâmide levar, mais tarde ou mais cedo, à sua fragmentação em várias (fenómeno que por vezes apelidam de "reducionismo"), cada uma delas com uma base mais pequena (mais à escala humana...?).

Não admira que o próprio Descartes se apercebesse da monumentalidade do esforço científico no seu todo, e se sentisse a gerar uma utopia.

Espero ter-lhe dado uma ideia das limitações auto-impostas pelo método científico. Os cientistas sabem que estão sujeitos a muita incompreensão; sabem igualmente que a preciosa segurança que têm nos conhecimentos, que vêm sendo conquistados ao longo de gerações, se funda num método fastidioso que obriga a imensos sacrifícios, mas que há uma recompensa no enriquecimento que trazem à Humanidade aos mais diversos níveis. E às vezes sabem que esses conhecimentos são muito limitados.

Paulo de Oliveira, Janeiro de 2005