UE + UE = ?

São umas reflexões sobre os tempos por vir, da Universidade de Évora a viver na União Europeia, que aqui me trazem.

Sou português e não é uma questão de orgulho que me faz afirmá-lo, é a noção de não saber ser outra coisa... Sem querer cair na esparrela do nacionalismo, sinto-me um bocado mal com a ideia que é dos dinheiros da União Europeia que a gente se julga dependente para realizar algo mais do que leccionar. Mas eles não chegam a Évora facilmente.

Quando se trata de dinheiro, a espécie humana revela os seus mais implacáveis instintos predatórios. Para já, é importante ter presente que Portugal faz parte dessa outra UE como membro igual aos outros, excepto nas questões importantes porque aí ficamos para trás; mas acho que só temos feito por merecê-lo: nestas coisas, o "eterno" problema de deixar as nossas soluções ao improviso, ao desconexo, ao mal pensado, leva muitas vezes a fazer-nos deixar os outros pensar por nós. E aturar as soluções deles, que nem sempre são as que nos convêm.

A "União" Europeia não é uma obra de beneficência. Tem dado a aparência de nos deixar aproveitar como queremos os tais "fundos" que atribui (sabe Deus quanto mal o temos feito...). Um dia, e se calhar já devia conjugá-lo no pretérito, começam a dizer-nos o que temos de fazer com eles. E reparem, esses fundos são também dinheiro nosso! Linda troca... Os outros países aproveitam as nossas contribuições como querem, e nós aproveitamo-las e ao restante do amorfo (e cheio) saco europeu como eles também querem.

Os representantes do nosso governo em Bruxelas não têm mostrado a capacidade negocial, nem os nossos lindos eurodeputados a "voz", para condicionarem as decisões do colectivo dos 12-agora-15 a favor de Portugal; o que se tem visto é uma permanente subserviência aos interesses, difíceis de discernir de quem na União Europeia, em troca de quê? Desse tal dinheiro que também é contribuído pelo nosso país... e administrado "colectivamente". Será a tradicional mania da pedincha? É de certeza a via fácil, servida de bandeja por Bruxelas e garante da passividade dos nossos "representantes". Para fazer valer os interesses de Portugal é preciso ter a consciência das nossas premissas, que eles evidentemente não têm; e como é que eles têm capacidade de alhear-se dos incríveis confortos de que disfrutam para prestarem atenção a um Portugal que constantemente vêem por um canudo?

Se ao menos o dinheiro que cá chega fosse bem aproveitado... para educar como nós queremos, para desenvolver como nós precisamos, simplesmente para nos fazer felizes... Mas o que se vê não é isso: estradas para facilitar o acesso, internacional sobretudo (como quem precisa de enviar turistas ou impingir produtos, e quem sabe se para enviar tropas...), o constante condicionamento das nossas necessidades (só há dinheiro para suprir aquilo que em Bruxelas se decide serem as nossas prioridades), ou as fachadas do regime! Infelizmente, quanto mais observo a União Europeia mais acredito que é um instrumento não-bélico (por enquanto) de dominação. E eu gostava tanto que continuasse a haver portugueses nas gerações para vir...

Na Universidade de Évora, onde falta tanta coisa aos mais diversos níveis, os problemas do quotidiano (muitas vezes dependentes do vil metal) são de tal maneira assoberbantes que custa imenso a meditar em conjunto sobre o futuro. É certo que, apesar do desmentido arquitectónico, ainda é uma universidade recente, e como "jovem" que é tende a desperdiçar o seu futuro. Mas não se justifica que não haja uma reacção contra essa tendência.

A relação dos portugueses com os dinheiros colectivos nunca foi a mais digna de admiração. E isso sempre se manifestou por constrangimentos a (quase!) todos os níveis. Culturalmente, bem o vemos: a taxa de analfabetização que temos é demonstrativa em como a educação é das que paga mais as favas desses constrangimentos. Bem fazem os estudantes em desconfiar que a política recente de propinas não foi feita para suprir essas faltas. Não estou dentro das contas da U.E. ou do Ministério da Educação para comparar números (e será que eles foram calculados?), mas estou certo que tal suprimento não é nem de longe coberto pelo cada vez mais dinheiro que sai dos bolsos dos estudantes.

Na atribuição do dinheiro público para a investigação científica é a mesma coisa: insuficiente e mal distribuído. O que vem de Bruxelas, uma vez em Portugal (leia-se «em Lisboa»), é maioritariamente atribuído segundo os critérios do costume (para os amigos), sem pontualidade, e segundo regras que nos fazem pensar que os cientistas em Portugal são vistos como associação de malfeitores. Quanto aos dinheiros privados, não digo que não haja honrosas excepções (porque é que uma delas tenha sempre de ser a Fundação Gulbenkian?), mas cá de Évora para o mundo parece-me que ainda é demasiado cedo para convencermos seja quem for de que vale a pena investirem.

Fora isso, temos de competir em pé de igualdade com a restante comunidade europeia, o que até é um jogo engraçado para dar uma aparência de incentivo à Ciência em Portugal acompanhada de belos discursos de isso nos tornar mais competitivos e com uma acrescida "presença" internacional. Mas é um jogo em que mal entramos, e pouco partido tiramos dele. Outra "gracinha" dos nossos parceiros científicos da União Europeia é estarem de braços abertos para receberem estudantes de mestrado e de doutoramento (que em geral vêm providos de bolsas e por isso não lhes custam dinheiro nenhum) para servirem de mera (mas eternamente grata) mão-de-obra para trabalhos que não irão ter continuidade no nosso país.

O termo comunidade diz tudo: vivemos juntos e partilhamos os recursos comuns, mas de cada parte é o vale-tudo para a conquista de meios, de fundos, e sua concentração onde já existem. Portugal fica a olhar, coitado. Não tem defesa porque começa de trás, e porque não se sabe organizar...

Ou tem?

Quando vejo alunos meus, com ambição, e que já têm a ideia fixa de prosseguirem a sua carreira científica no estrangeiro (União Europeia preferably...), recordo-me dos meus tempos de estudante em que também não pensava noutra coisa e lamento imenso não lhes poder dar razões para pensarem o contrário. Ainda não posso... Se ao menos soubéssemos unir esforços na Universidade de Évora... Mas refiro-me a unir esforços entre todos, estudantes e docentes. O dinheiro ajuda muito, mas tem de ser bem semeado: há que saber estar preparado para obtê-lo e utilizá-lo. A Universidade é uma escola de pensamento, e depende por inteiro das cabeças que pensam juntas enquanto convivem, que se complementam, respeitam e apreciam, sem receio de fazerem críticas e de serem criticadas. Pois é, essas escolas não se fazem num dia, por isso não será na nossa geração que veremos resultados; mas... é isso que nos deve inibir de darmos os passos necessários?

Paulo de Oliveira