UM RETRATO, DOIS CAMINHOS E UMA SUGESTÃO

"Publish or perish" é a primeira das regras implícitas que condicionam a projecção internacional dos cientistas. Esta vocação pela quantidade, esta motivação pelo manter-se na "crista da onda" a todo custo, a par dos constrangimentos legais impostos à investigação científica em vários países, são factores de pressão difícil de suportar por muitos.

Um projecto científico torna-se, quase universalmente, numa empresa onde os estudantes pré-graduados, pós-graduados e mesmo os já doutorados são "operários" com reduzido espaço de criatividade pois, primeiro que tudo, constituem "pares de mãos" dos quais se esperam resultados publicáveis, e quanto mais cedo melhor. Por seu lado, o chefe capitaliza a quantidade de publicações a que associa o seu nome num maior ou menor sucesso na angariação de fundos que permitam aos "operários" trabalhar, ou até "aumentar o pessoal". E eis o círculo fechado, ou até a espiral abrindo-se...

Mais extensamente sujeitas a uma lógica empresarial, as revistas científicas de maior expansão atravessam "modas" pelas quais se favorecem temas de grande procura _ havendo até fases em que pelo outro lado certas discussões (ou resultados à volta delas) são sistematicamente ignoradas.

Se para os cientistas a comunicação se coloca aos mais altos níveis de importância na sua actividade, vemos aqui a maneira como ela os sujeita a uma dinâmica de "marketing". E as atitudes perante isso variam muito: há conformismos, até oportunismo, mas há, acima de tudo, sábias soluções de conciliação deste dia-a-dia com a missão de questionar, de ser original, de explorar ideias "virgens", e tais exemplos de cientistas merecem uma redobrada admiração e aplauso.

Portugal, tradicionalmente posto à margem das grandes correntes do pensamento universal _ não tenhamos ilusões _ evidencia pouco de quaisquer destas atitudes. Há uma (justificada) indiferença perante um "marketing" que não se lembra de cá chegar. Pois é. Mas agora abriram-nos uma janela que nos dá acesso a fundos para a investigação científica (horizontes...) que nunca tivemos. Fatalmente havemos de aprender a tirar o partido devido desses fundos, o que entretanto nos dará tempo para ponderar as consequências que uma futura dinamização da actividade científica no nosso País irão acarretar.

Os caminhos são dois: um, é a óbvia assimilação a um modelo "internacional" com enormes constrangimentos, a diluição num sistema de liderança anglo-saxónica onde figuraremos como parente pobre dos "clichés" internacionais, objecto de um reconhecimento apenas episódico _ afinal, o mesmo resultado que o que já temos hoje, mas com a actual "inocência" já perdida! Continuaremos a deixar "evadirem-se" todos os que preferem conformar-se ao monolitismo internacional, mais eficiente que imaginativo, o tal que insiste em ver nos "operários" da Ciência passivos executores de projectos se-Deus-quiser bem sucedidos, mas sem a compensação profissional por cá ficarem.

O outro caminho, é a menos óbvia construção de uma especificidade da actividade científica em Portugal. Atentos às "modas" mas sem pretender alinhar nelas, explorando temas privilegiados pelas condições específicas que temos, enfim, desenvolvidos numa maneira de estar inteligentemente autónoma, faremos um contributo qualitativo à grande Cruzada do Saber, que acima de tudo afirmará uma identidade específica de Portugal no mundo científico. Talvez que paradoxalmente, esse (a meu ver excelente) resultado iria atrair muito mais as atenções sobre nós, e não espantaria que muitos cientistas estrangeiros viessem a aspirar trabalhar connosco!

Em resumo, a reflexão sobre aquilo que a Ciência é no Mundo, a aquisição de uma imagem bem discriminada, e fundamentada, do que os outros fazem, tem acima de tudo as melhores implicações sobre aquilo que nós empreendemos. E, a terminar, acrescentarei serem as licenciaturas o ponto crucial, da formação dos nossos futuros cientistas, onde mais pode e deve ser feito para introduzir essa reflexão para que com o tempo se defina o rumo próprio da Ciência em Portugal.

PAULO DE OLIVEIRA

Lisboa, Janeiro de 1991