Evolução do metabolismo das plantas: teoria redox

(Conferência realizada na Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, Maio de 1991)

Qual o significado evolutivo da produção de metabolitos secundários pelas plantas? A visão clássica (v. Frankel, 1959, Science 129 1466) implica-os na defesa contra parasitas e elabora modelos de co-evolução entre estes e as plantas. Mas isso pode ser só uma consequência e não a causa.

Estratégias anti-oxidativas

Foi desenvolvido por cientistas soviéticos um método para a estimação da massa de O2 atmosférico ao longo da Geostória. Os resultados mostram oscilações entre valores de 0.5 e 1.5 1021 g O2. Há três grandes máximos que se situam em épocas de surgimento dos grandes grupos de plantas terrestres: - 420 (primeiras Briófitas), cerca de -300 (Pteridófitas e Gimnospérmicas) e pouco antes de -100 milhões de anos (Angiospérmicas). Por outro lado, os mínimos intercalares testemunham épocas de diversificação dos grandes grupos animais.

A conquista do meio terrestre pelas plantas está por certo na sequência do estabelecimento definitivo de uma camada de ozono estável. A esta protecção contra os UV veio acrescentar-se o desenvolvimento de uma adaptação fundamental, o suporte mecânico com tecidos rígidos, a começar pela síntese de lenhinas e lenhanos.

A bioquímica é simples: da fenilalanina parte uma via metabólica redutiva (ausente nas Algas), utilizando NADH e ATP, de que se formam cumarato e ácido cinâmico (Gimnospérmicas) e, finalmente, neolinhanos e polineolinhanos (Angiospérmicas). Cada um destes produtos dá, por oxidação (utilizando NAD+ e ADP), radicais livres (figura 1) a partir dos quais os polímeros (lenhina, lenhano) se formam não-enzimaticamente.

Figura 1

Esta continuação das vias metabólicas serve uma função óbvia (a de síntese de produtos rígidos, para suporte mecânico), mas a diversidade de produtos não tem uma explicação tão simples se não se considerar um papel adicional, nomeadamente anti-oxidante, que este metabolismo acaba por ter: acontece que a síntese de lenhinas envolve reacções redox que neutralizam radicais de Oxigénio (superóxidos, peróxidos, etc.). A indicar este papel, por exemplo, há as substituições orto (posições 2, 6) por grupos metoxi (resultando guaiacyl (2) ou syrigyl (2, 6)), conferindo menor rigidez mas maior poder anti-oxidante, que se tornam maioritárias nas Angiospérmicas. Excepção: as plantas que não utilizam lenhinas (v. alcalóides, adiante). Os taninos (polifenóis), derivados do ácido cinâmico através dos flavonóides, também removem os radicais superóxido; táxones mais evoluídos apresentam taninos correspondentemente mais complexos; a partir de um polifenol primordial, dão-se adições sucessivas de grupos funcionais mais um exemplo de continuação de vias metabólicas e parecem ser os produtos derivados os preferidos pela sua actividade anti-oxidante, já que não são eficientes nas outras funções, "clássicas", que desempenham. Afinal, não será a protecção anti-oxidativa a primeira razão de ser destes produtos?

Hierarquias evolutivas

De um ponto de vista paleontológico, nota-se que o surgimento de "grandes grupos" (por exemplo, ao nível da divisão, ou do filo, nos animais) é muito precoce e quase simultâneo para todos (dataria do Câmbrico); assim, definem-se dois vectores da Evolução: um horizontal", de tipo "explosivo", gerador de divergências fundamentais; outro "vertical", designado por "estase", consistindo na diversificação/ extinção dentro dos planos biológicos estabelecidos diversisficação, por exemplo, das famílias. Quimicamente, os produtos secundários das plantas terrestres constituem manifestações de tais processos: uma diferenciação química "horizontal" que proporcionou "pontos de partida", neste caso para o controlo dos radicais livres de Oxigénio; e uma química de "estase", que por estádios sucessivos aperfeiçoa um dado sistema estabelecido de controlo; curiosamente, linhas evoluídas possuem "à partida" aparatos químicos que também estão presentes em grupos mais primitivos mas só em estádios mais ou menos esboçados e coexistindo minoritariamente com as soluções químicas primordiais, mais "típicas".

O grau de oxidação dos produtos secundários, nomeadamente dos alcalóides.

Ao longo de cada processo de "estase", verifica-se um progressivo aumento do teor em Oxigénio (ou da insaturação) dos produtos secundários presentes, aumento correlacionado tanto com a complexidade morfológica dos táxones (índice de diversidade de uma família, segundo Sporne) como com a "herbacidade" (inversa da lenhosidade, portanto do teor em lenhinas, lenhanos) neste caso, há um abandono da produção de taninos pelas espécies "mais herbáceas", as quais "jogam mais" na produção de alcalóides altamente oxidados: nas ranunculáceas, encontram-se esteróides, ou diterpenos, ou sesquiterpenos. Trata-se de uma alternativa radical, talvez a mais sofisticada de todas, para a solução do problema do stress oxidativo.

Na figura 2, e a concluir, um resumo dos metabolismos primário e secundário, dando ênfase, abaixo do tracejado, ao que deve constituir uma resposta à presença de O2 para retardar o inexorável retorno ao CO2 (Note-se como o Oxigénio é especialmente concentrado, nas folhas, que são justamente as "fábricas" de todos estes produtos secundários!).

Figura 2

Porto, 1991. Revisto em Lisboa (1991) e Évora (1994)