Mensagem enviada à lista da APB
por ocasião da conferência do Prof. Lima-de-Faria na Universidade de Évora

24 de Outubro de 1995

Pessoal:

Conforme foi anunciado nesta lista há vários dias, está em Évora o Prof. Lima-de-Faria, citogeneticista português que trabalha desde há mais de 40 anos na Suécia (Univ. Lund) mas teve a sua licenciatura na FCL em 1945.

Já é a segunda vez que o temos nesta universidade, e não duvido que muitos em Portugal tiveram oportunidade de o ouvir noutras ocasiões. Queria só fazer um comentário à conferência que ele deu ontem, com o título «Evolução sem selecção: auto-evolução da forma e função», que é aliás o título de um livro publicado por ele na Elsevier em 1988.

Nesta conferência o "miolo" consistiu da apresentação de exemplos de morfologias semelhantes, observadas analogamente em espécies de vertebrados, de invertebrados, de plantas ou fungos, e de... minerais. O conferencista tratou de dar relevo aos processos físico-químicos na determinação da forma em Biologia, sugerindo que a que ele chama evolução dos minerais é profusamente utilizada no aparecimento de estruturas que, podendo ou não ter valor selectivo, são resultado das propriedades intrínsecas da matéria viva (e eu acrescentaria: dos sucessivos níveis de integração estrutural da matéria viva). Por outras palavras, a inovação biológica é provavelmente uma recapitulação de processos que em muitos casos remontam à tal evolução dos minerais, mas dentro doutros contextos.

Lima-de-Faria, imparável nas suas analogias (que ele prefere chamar de periodicidades, à la Mendeliev), argumentou com os recentes trabalhos em genes homeóticos de Drosophila, feitos pelo grupo de Walter Gehring e publicados muito recentemente na Science, em que a substituição (presumo que por recombinação homóloga) de um gene que é necessário à formação do olho composto por um gene de murganho homólogo produz moscas com olhos compostos, normais; mais, a expressão ectópica do transgene deste mamífero nas pobres Drosophilas produz olhos compostos nas mais disparatadas localizações. Em suma, o "mesmo" gene está envolvido em contextos análogos mas não (?) homólogos. É claro que este exemplo é mais próximo da compreensão do comum dos biólogos, e tem a vantagem de ser um resultado experimental, ao passo que o discurso do conferencista se baseia mais em comparações extremamente originais; também é certo que desde 1952 que se tem demonstrado o potencial morfogenético dos mecanismos de difusão-reacção (os embriões podem ser abordados como fluidos viscosos heterogéneos), pelo que a ideia não é assim tão bizarra (nem nova).

Achei que valia a pena tentar lançar a atenção sobre este senhor que tem ideias de muito interesse e, desde que os espíritos mantenham a abertura necessária, bem poderíamos considerar l'Agent Provocateur no melhor sentido (moda àparte, é claro). Já agora, registo uma bela resposta que ele deu, quando lhe perguntaram se pertencia a alguma "escola": que pertencer a uma "escola" é uma abdicação. É d'Homem!

Ele publica na Elsevier, como já referi, e além do livro de 1988 (Evolution Without Selection) parece que está quase no prelo um outro que deverá chamar-se qualquer coisa como "Periodicity in Biology"; o primeiro colecciona e comenta os factos, o segundo desenvolve a teoria, se entendi bem.

LOCO GATO