(a propósito do estudo sobre a
mortalidade acrescida das borboletas Monarca, supostamente por acção do pólen
de milho-Bt; enviado para a lista da APB em Maio de
1999)
Não creio que seja preciso esperar pelas consequências de
uma planta "Bt" sobre um qualquer animal
"conhecido" para então tomar uma atitude sobre plantas transgénicas
como o milho-Bt. Basta pensar no que é o Bt em questão, por um lado, e olhar
para o seu impacto não pela janela de estes ou aqueles organismos mas sim
dos ecossistemas como um todo. Bt refere a toxina de Bacillus
thuringensis, que já há vários anos se sabe ser tóxica
para os insectos em geral; o milho-Bt é transgénico para o gene que codifica essa toxina, e o
objectivo da sua introdução nos ecossistemas é "assegurar" que as
plantas de milho não sejam significativamente danificadas por formas herbívoras
de insectos. Quem come, morre... quase sempre.
Não é que esteja em desacordo com o que foi dito (...) a propósito de separar
invertebrados ou vertebrados nas directivas sobre protecção, indexação, etc.,
para conservação da Natureza: o que eu pretendo dizer é que, enquanto morrem
larvas das borboletas Monarca, morrem muitos outros insectos que, não sendo tão
conhecidos não são notados, mas cuja importância para o equilíbrio dos
ecossistemas onde pertencem será porventura igual ou maior que o dessas larvas
e seus adultos. Introduzir um veneno tão inespecífico
nos ecossistemas, com o argumento que protege as plantas dos insectos nocivos, é
afirmar automaticamente que todos os insectos desse ecossistema são nocivos.
Isto é intolerável para qualquer biólogo, não concordam?
Chamo a atenção também para plantas transgénicas resistentes
ao roundup, um herbicida total. A lógica dessas
plantas (ou da sua utilização, mais precisamente) é ter colheitas em campos
onde se pulveriza com roundup. Duas vezes dinheiro em
caixa para a Monsanto: vendem roundup e vendem
plantas que lhe são resistentes. Ou, posto de outra forma que nos interessa
mais de perto: com estas plantas (por exemplo a soja resistente ao roundup) os agricultores produzem em campos que são
desertos com apenas a planta que lhes interessa lá dentro. Não estar alerta
para isto durante tanto tempo (passam já para cima de 2 anos desde aquela cena
com o Green Peace nas
costas portuguesas) é mau, mas tem a atenuante de ser induzido: enquanto se ia
falando sobre os eventuais (muito duvidosos) problemas na alimentação humana, ninguém
debatia sobre os reais problemas nos ecossistemas.
Finalmente, e desculpem-me estar a alongar-me, mas o facto
de os genes introduzidos serem transmissíveis pelo pólen é um erro de design
das plantas transgénicas, e uma falha dos responsáveis pela aprovação destes
organismos transgénicos: com tantas estirpes possuidoras de genes ms, inclusive activáveis por transposões
(ms é a abreviatura para o fenótipo male sterile no milho e
muitas outras plantas), escolhem estas variedades transgénicas (que são hemizigóticas para o transgene e
resultam de cruzamentos para produzir vigor híbrido, isto é, são F1s) que podem
espalhar os transgenes para as populações vizinhas.
Finalmente (agora é que é), haverá de certeza algumas
borboletas Monarca que sobrevivem à refeição envenenada do milho Bt. Tanto esta espécie como outras (inclusive dos tais
insectos nocivos) têm o potencial de desenvolver resistência à toxina e então
este milho transgénico será substituído por outra
planta transgénica milagrosa... para os que andam a
produzi-las.
Paulo de Oliveira
Biologia, Évora