Toda [a] contradição entre unicidade e ubiquidade [do Pai Natal] parece não perturbar muito a garotada. O mito está estabelecido e não é passível de dúvidas. Tal não é contudo o caso com um distinto universitário de Física, o doutor Joseph A. Brendler. Analisando num erudito estudo a essencialidade do bom velhote, chegou a irónicas mas muito reveladoras conclusões. A primeira é que até agora não se provou a existência de renas voadoras. Admite contudo que há ainda 300 mil espécies de organismos por classificar e que, embora na sua maioria sejam insectos e micróbios, não é completamente de descartar uma futura descoberta de ruminantes com asas.

Determinou também o sábio professor que, considerando as diferenças horárias, Santa Claus dispõe apenas de 31 horas para finalizar as suas entregas nos Estados Unidos. Isso significa, dado o número de crianças com idade de receber presentes, que terá de realizar 822,6 entregas por segundo. Tem, portanto, cerca de um milésimo de segundo para estacionar o trenó, saltar para a rua, descer pela chaminé, largar os presentes, petiscar do que os garotos deixaram para ele, sair outra vez pela chaminé e arrancar para a próxima casa. Isto sem contar algumas paragens que terá de efectuar para atender a certas exigências físicas inadiáveis.

Para conseguir esta pontualidade terá de conduzir o seu trenó a 650 milhas por segundo, ou seja, três mil vezes a velocidade do som. Isto comparado com a 27,4 milhas por segundo a que na melhor das hipóteses se desloca um satélite -- ou as 15 milhas por hora a que uma rena [vulgar] pode galopar.

Considerando mesmo umas míseras duas libras de peso por cada entrega, o trenó teria uma carga de 231 mil toneladas, sem contar com o peso de Santa Claus, que, como todos nós sabemos, não é propriamente esquelético. Sobre a terra, uma rena não pode puxar mais de 300 libras. Mesmo admitindo que as renas voadoras sejam capazes de mover um peso dez vezes superior, seriam precisos 214200 animais para fazer andar o trenó. Isso aumentaria o peso para 353430 toneladas, mesmo sem contar o próprio trenó.

Deslocando-se a uma velocidade de 650 milhas por segundo, 353430 toneladas criam uma resistência comparável à causada por um veículo espacial voltando a penetrar na atmosfera. A primeira parelha de renas entraria pois em combustão imediata e todo o grupo seria vaporizado em 4,26 milésimos de segundo. Quanto a Santa Claus, estaria sujeito a uma força centrífuga 17500 vezes superior à força da gravidade. Calculando o seu peso em 200 libras, uma estimativa bastante modesta tendo em conta a sua consabida corpulência, seria arremessado contra o respaldo do trenó por 4315015 libras de força. E o professor chega à algo óbvia conclusão de que, de um modo ou outro, Santa Claus está irremediavelmente morto.

E é assim que a fria ciência destrói o mito. Pobre Pai Natal!

Eduardo Mayone Dias
Publicado no Diário de Notícias, 29 Dez. 1995