Tue. 30 Apr 1996 16:52:46 +0100
From: Paulo Leandro Oliveira <oliveira@uevora.pt>
Message-Id: <l99604301552.QAA20l22@uevora.pt>
To: apb@bio.fc.ul.pt
Subject: MEDITAR NO CONTRA-ATAQUE

Tudo o que separa os criacionistas dos biólogos é uma questão de filosofia: os biólogos pretendem entroncar a sua visão do Mundo Vivo na tradição científica (das ciências fisico-químicas), com todas as consequências não-determinísticas que isso deverá acarretar; os criacionistas colocam barreiras (a meu ver arbitrárias, porque não estão fundadas nem numa teoria, nem sequer num dogma) a essa ligação, dizendo que certas coisas são inexplicáveis em função do acaso (serão inexplicáveis para eles como para todos, mas isso não é culpa da Natureza, é culpa da nossa imensa ignorância) e portanto derivam de um determinismo superior.

A Teoria da Evolução (que transcende em muito o conceito de Darwinismo) é a consequência da postura que os biólogos têm; é por assim dizer um corolário da integração da Biologia com as outras ciências. Por isso trata de fazer uso do acaso como as outras. Ser-se criacionista não é tanto uma questão de religião (a hierarquia da Igreja é muito sabiamente silenciosa nestas matérias), é mais uma incapacidade de reconhecer-se fruto mais ou menos mdirecto de acaso. Falta de objectividade, talvez...

Ser-se cientista (neste caso, bíólogo) implica tentar estabelecer princípios numa ordem universal, incómodo a que obviamente os criacionistas não se dão. Eles não explicam nada, os biólogos é que lhes têm de explicar as coisas -- a eles e à generalidade dos outros humanos.

O erro em que os biólogos talvez mais caiam (sem necessidade) é o de darem uma aparência do dogmatismo de que os criacionistas os acusam. O facto de os meus Professores, por quem nutro um grande respeito, me terem ensinado a ver a biodiversidade à luz da Teoria da Evolução, e o facto de tudo o que eu leio na literatura científica e na minha própria observação apenas me ajudar a reforçar as convicções dessa escola de pensamento, não implica que deva ficar satisfeito e/ou desautorize as críticas daqueles que se ocupam a discutir a validade de tais convicções. Até pelo contrário, é talvez no confronto com quem critica que eu tomo melhor consciência das minhas dúvidas e ponho à prova tais convicções, e também melhor obedeço ao propósito científico de explicar. Por isso eu encaro os criacionistas, por um lado, como esforçadas pessoas que me ajudam a recordar as limitações da Teoria da Evolução. Mas não é o único lado...

Uma teoria não requer demonstração, é uma abstracção que se deseja em contínuo aperfeiçoamento. Quanto muito, pode ser negada, mas nada será suficiente para lhe dar apoio. Ora, esse apoio da parte dos biólogos requer não só investigação mas também argumentação. Nós temos menos que refutar ponto por ponto os exemplos dados por quem critica (por vezes exemplos bem caricatos), e mais que fazer ver ao ponto a que se chegou na Teoria da Evolução, seduzir quem seja imparcial para os méritos do caminho que é traçado pela Biologia (por exemplo através da evolução do pensamento científico e, por consequência, do senso comum), reconhecer as limitações dos conhecimentos, e demonstrar que uma Teoria da Evolução mais forte depende da continuação do bom caminho. Tal trabalho no terreno da argumentação é da maior importância, quanto mais não seja porque uma desacreditação mais generalizada do trabalho científico pode chegar ao nível dos centros de decisão (governos, etc.) dos quais a investigação depende. Por isso, por outro lado, os criacionistas são nossos inimigos. E nunca se subestima um inimigo.

LOCO GATO