E L I T E S    C U L T U R A I S

Por Mário Simões, coluna Momentos, secção de desporto do Diário do Sul

É extraordinário como hoje em dia tudo se quantifica, tudo é enquadrado em parâmetros que servem não um, mas todos os objectivos. A cultura, por exemplo. Neste nosso país, alguém pensou que cultura é vocacionada para as classes A e B, e é a partir daí que se fazem, não as políticas culturais—esse é um outro equívoco— mas a programação cultural.

Em todos os regimes, há sempre uma elite cultural, que curiosamente não se distinguem muito umas das outras, a não ser ou na forma de vestir ou na forma de estar em sociedade. Pode dizer-se que a elite cultural dita de esquerda tem uma roupagem de tipo hippy, frequenta os cafés, enquanto a elite cultural dita de direita frequenta os salões da moda e exibe uma roupagem de tipo pós-moderno.

Em comum têm o facto de quererem ser diferentes, de quererem manter um certo distanciamento dos cidadãos normais, dos tais das classes C e D. Digamos que todas têm horror a tudo o que é popular, tudo o que é entendível pela maioria.

Ora aí está o atraso cultural deste país. É que os nossos homens da cultura, não todos felizmente, ainda não perceberam que o povo português, aliás como todos os povos, é culto, que as actuais gerações são cultas. Quem está errado, são aqueles que pensam que ser culto é conhecer os clássicos, e entenda-se por clássicos aqueles que não se afastam das regras estabelecidas, que seguem as normas.

Pois bem, todos os clássicos começaram por o não ser, começaram por ser contra a norma, contra o pensamento dominante. Foi sempre assim e sempre assim será, isto é, a elite cultural está sempre atrasada em relação à modernidade, porque a elite defende-se e defende os seus valores, contra os valores dos outros, contra a inovação.

É por isso que essas elites reduzem tudo a classes A, B, C ou D, é por isso que, quando se fala por exemplo no Canal 2 da RTP, se diz que este não atinge os objectivos de canal cultural, porque nem sequer é visto maioritariamente pela classes A e B. Mas quem disse que as pessoas cultas deste país são da classe A e B? Quem diz que são esses que vão ao Teatro, que lêem livros e jornais, que cantam, que dançam, que pintam?

É aqui que reside o equívoco, um povo não é culturalmente evoluído, não por culpa das pessoas, mas das suas elites. E quem diz que quem assiste à missa [...] que vai ao futebol, não tem cultura? Quem são os cultos deste país? Os que criticam os jornais ditos populares, mas que nem sequer lêem os jornais ditos de referência, os que criticam as peças de teatro que se fazem, mas que não assistem a espectáculos a não ser dos amigos e com convite, e onde saibam que está lá a comunicação social?

Quem tem por obrigação elaborar uma política cultural, e digo política cultural, não programação cultural, seja na autarquia seja no país, tem de entender primeiro a cultura e o povo, e só depois planear.

No Verão passado [2002] vi numa freguesia rural de Évora uma peça de Teatro do CENDREV, um clássico, a Romagem dos Agravados. Estariam pouco menos espectadores do que no Teatro Garcia de Resende a verem uma peça erudita de uma qualquer companhia de Lisboa. Nessa vila rural, as pessoas entenderam a peça, riram com ela, e no final, quando me dirigia para Évora, passei por um senhor de cabelos brancos, e rugas a cobrirem-lhe a face, que de bicicleta se dirigia para o monte onde vivia. Tinha ido ao Teatro.