COMENTÁRIOS



Ter razão é, na diversidade de gostos, pontos de vista, desejos, ou gerações que uma organização como a APB reúne, proeza extremamente difícil. Por isso a APB, que publicou no último número deste boletim um texto preliminar sobre a estruturação das licenciaturas de Biologia, abriu as suas ideias às críticas e sugestões (que por certo existem) que venham a propósito do mesmo. O facto de estas coisas acontecerem é em si um indicador de vitalidade da APB. Quanto ao teor da reflexão até agora publicado, suscita-me variados comentários (espero ter razão nalguns):

A preocupação de modernidade é essencial a uma Universidade viva, supremamente viva. Se pensarmos então

i) que "Biologia" e "Ciências Biológicas" não se usam rigorosamente com o mesmo sentido,

ii) que os biólogos são herdeiros dos filósof os, naturalistas, bacteriologistas, etc., unidos numa só disciplina pela formulação, no decurso da século XIX, de certas leis fundamentais -- a Biologia,

iii) como a "Biologia Moiecular", pelas proporções que foi tomando sem propriamente constituir uma ciência àparte nem se integrar preferencialmente em qualquer das Ciências Biológicas (mas conferindo-lhes uma nova dimensão exploratória excepcionalmente bem-vinda), subverte as definições que tradicionalmente as delimitavam em territórios conceptuais,

iv) que as licenciaturas orientadas segundo vocações económicas locais ultrapassam essa motivação pragmática para (idem) subverterem, e com admissível vantagem, a estrutura do que tem sido uma licenciatura,

notam-se contrastes, e deles advém a necessidade de se tomarem atitudes.

A Universidade tem a obrigação de integrar as mutações da sociedade para a qual constitui um serviço, e até possuir a talento de se lhes antecipar. Eis, sem dúvida, uma marca da qualidade da seu serviço. E, desde logo duas atitudes, opostas, se tornam óbvias: analisar as situações, e optimizar os impulsos de modernidade que surgem; ou ignorá-los no que têm de inovador, até contrariá-los.

Eu preferia que a Universidade em Portugal adoptasse, sem reservas, a primeira atitude. Por todo o lado no Mundo se glorifica a êxito da múltipla iniciativa em pequena escala, desafiando em performance as estruturas sacrossantas de maior envergadura -- este sinal dos tempos, como o progressivo envolvimento de todas as sociedades à escala mundial em projectos comuns (sem que alguma vez se coloquem questões de perda de identidade). convém não ignorar. Os seus reflexos cá em Portugal traduzem-se de muitas maneiras, vide as novas licenciaturas no domínio das Ciências Biol6gicas, particularmente visadas pelo documento da APB. Pessoalmente, considero-as respostas positivas: demonstram como a nossa sociedade está atenta e procura tornar-se moderna, na sua qualidade, no seu funcionamento. É muito bonito, e mais bonito será se todos contribuirmos para as optimizar. Em nome de quê se iriam ignorar ou mesmo contrariar as oportunidades que o nosso tempo oferece?

Os argumentos apresentados no passado número deste boletim não colhem na defesa da segunda atitude, porque são egocêntricos e excessivamente determinísticos -- tentando ser conciso: ninguém me diz que muitos dos que frequentam os actuais cursos de Biologia não se encontrariam muita melhor nos de "um certa tipo de Biologia", menos amplas porém mais concretos, mais "ferramenta" de trabalho (aprender para logo utilizar); nem creio que esses "certo tipo de biólogo" não criem e não inovem como faria a "biólogo-tipo", a níveis de mestria equivalentes. e como é que lhes ficaria vedada uma visão integradora?, porque se excluiriam dela à medida que os contactos profissionais, as leituras, as preocupações de investigação, a isso os conduzissem? Quais biotécnicos!

Para mais, duvido muito da vocação das actuais licenciaturas de Biologia para responder devidamente às solicitações que estão a favorecer outras licenciaturas (que só subentendidamente são consideradas "sub-Biologia", termo que nem lhas cai nada mal quando dito abertamente e com o devido respeito). Queira-se ou não, é lá ensinada uma Biologia muito "princípio de século", maravilhosa na sua - potencial -- vastidão, mas por isso mesmo imprecisa, cheia de lacunas graves, ainda assim pesada e, não menos importante, apontando claramente para a "via de ensino". Concluindo, em opções profissionais a licenciatura de Biologia é muito limitada. E, no quadro duma carreira científica, tanto nela como nas outras licenciaturas a nível em que se fica é rigorosamente a mesmo à sua conclusão: um conhecimento no escalão da aprendizado, cujo desenvolvimento depende muito mais das oportunidades futuras da que propriamente do "background" universitário.

E já agora, porque se falou de estruturação das licenciaturas de Biologia, tentando sempre acreditar que não é utopia "uma verdadeira (re)estruturação do curso, com alteração, criação ou extinção de disciplinas ou áreas", caberá reflectir sobre o estatuto da licenciado, já que sabemos que o "canudo" da licenciatura não "vale" o que valia ainda há poucos anos -- nem como barreira, nem como meta. Traçar o perfil do licenciado, do mestre, da doutorado, numa actualidade cheia de soluções que escapam ao previsto pelas estruturas existentes, seria no meu entender o começo mais produtivo -- para em seguida, como apontado (e muito bem) pela APB, se definirem estruturas para o Ensino Superior das Ciências Biológicas.

Para finalizar, note-se que os biólogos não provêm só das licenciaturas de Biologia. Há muitas médicos que preferem, pelo seu modo de ocupação prof issional, ser considerados biólogos. Especialmente interessante é ver quase todos os outros médicos nutrirem um grande respeito pela Biologia, estarem conscientes dos seus avanços e procurarem manter-se actualizados. (Seria importante analisar o porque desse respeito não englobar também os biólogos da licenciatura-tipo... a APB tem um grande papel a desempenhar nesse dificílimo campo, mas isso são outros assuntos.) Como com os médicos, passa-se isto com outras Ciências Biológicas, a que forçosamente acontecerá também com as "sub-Biologias". Aprecio que estas novas licenciaturas encontrem o seu lugar na Universidade, confio no papel que desempenharão na causa comum dos biólogos em geral, desejo que melhorem continuamente no seu serviço à sociedade portuguesa -- que sejam uma dádiva positiva às gerações futuras.

Porque falta à APB uma visão integradora e universalista da classe profissional que representa?