A "BOA NOVA" DOS MESTRADOS

A disseminação do grau académico de mestrado nas nossas universidades é um fenómeno em pleno desenvolvimento actualmente. Implica novos financiamentos, e parece traduzir uma solicitação feita ao nosso meio académico de incremento da actividade científica. Mas estarão os mestrados, recém-instituídos, a constituir na prática um factor de enriquecimento, ou condenados a atolar-se no pântano onde vieram encontrar-se e, por isso, a trair as aspirações que alimentam?

A reforma das instituições é fundamental para as fazer funcionar dentro de moldes modernos, de maneira que possam corresponder ao que delas se espera actualmente. As relações de forças existentes nas instituições, em particular as mais impeditivas para a renovação, a expansão, ou a originalidade, devem constituir o alvo primordial de tais reformas. Nas nossas universidades, o domínio é exercido por pessoas que tendem a reprimir os movimentos espontâneos de renovação impulsionados pelas novas gerações, não deixando contudo de tentar convertê-los; trata-se de uma forma de conservadorismo que muitas vezes não se manifesta tanto no domínio intelectual -- o que reflecte a mérito individual de quem o pratagoniza -- é um conservadorismo institucional, motivado pela crença íntima que, sendo Portugal um país pequeno, pobre e marcadamente mal escolarizado e ignorante, nele o lugar para o saber instituído é exíguo. A grande prioridade para muito professor catedrático em Portugal consiste em detectar forças renovadoras ainda em gérmen e servir-se da sua influência sobre as instituições a que tais forças queiram ter acesso para daí as afastar. Assim, constitui-se o professor catedrático num prejuízo, quiçá o maior de todos, para a reforma das instituições.

Sendo estas pois incapazes de se auto-renovar, há o recurso à criação de instituições paralelas. Existem exemplos disso em Portugal, onde puderam abrigar-se diversos valores intelectuais sem lugar nas suas instituições "de origem" para desenvolver actividade. Mas essas instituições "novas" envelheceram notavelmente, talvez pela fatalidade de reproduzirem a imagem orgânica das que antes já existiam. Tornaram-se afinal em meros "poleiros" suplementares para a institucionalização do saber nacional.

Devem por conseguinte aqueles que acreditam serem os mestrados o sinal de novos tempos para o nosso meio científico estar conscientes das desilusões que hão-de provavelmente vir a sofrer. Isto sem querer veicular qualquer cepticismo, é antes um alerta: é preciso muito mais do que apenas instituir um grau académico novo para que o dinheiro assim canalizado para a actividade científica venha a dar os proveitos melhores; é preciso contrariar a tendência (já visível) de a pulverizar em projectos a curto-prazo sem quaisquer implicações estruturais. Senão permitir-se-á a quem já vinha dominando furtar-se às reformas institucionais que doutra maneira seriam possíveis e obviamente -- bem que sem fundamento -- receia. Por enquanto, o status quo limita-se a ter de justificar periodicamente a afluxo financeiro com que é brindado -- sem dúvida tão bem-vindo porquanto é atributo de maior poder individual -- e em Portugal as justificações que se fazem no papel são, infelizmente, suficientes demais!

Talvez porque as aspirações se limitam igualmente, só, ao papel. Mas eu gostaria realmente de ver os cientistas portugueses a fazer, em Portugal, um trabalho válido e reconhecido, não só pontualmente, no estrangeiro; gostaria de vê-los encontrar segurança nas suas carreiras sem terem de envergar servilmente o espartilho da docência universitária: gostaria que as instituições científicas se transformassem em verdadeiros pólos de produção intelectual e não serem simples acomodações, empregos.

Todavia, há anos que eu pergunto: para quando as boas bibliotecas e os bons instrumentos devidamente aproveitados? para quando a itinerância dos nossos cientistas dentro do País? para quando os intercâmbios e visitas regulares a outras instituições científicas? para quando, enfim, a abolição nas universidades das regras feudais tácitas, uma verdadeira carreira de investigador, o fim da modéstia comísera no que se faz?

Temo que o tempo venha a demonstrar, desta vez a pretexto dos mestrados, a superficialidade, senão mesmo a falsidade de todas as promessas que hoje são feitas.

Ao largo do Algarve, 17/2/88