Paulo de Oliveira
in Diário do Sul, 5-2-07
Referendo de 11 de Fereveiro de 2007
Dizer "sim" apesar de ser católico
Muita ênfase se tem dado nos círculos católicos ao “esclarecimento” dos jovens. De facto, é improvável que tenham nessas idades a percepção do que significam os actos desesperados de abortar, às dezenas de milhar todos os anos - humanamente, economicamente, sanitariamente, legalmente. É uma percepção que se desenvolve no íntimo de cada um à medida que as realidades duma vida independente se vão impondo. Mas para que exerçam o seu direito de voto da maneira mais completa, mesmo com as limitações que as palavras têm, tentar fazer esse esclarecimento é essencial; porém, aquilo que se vê é uma campanha de angariação de votos que tenta convencer, sobretudo os jovens, que quem é católico tem de dizer “não”.
Não lhes é dito, por exemplo, que o ser pela vida, pelos direitos da criança que está para nascer, por uma natalidade protegida socialmente, não é apanágio de ser católico. Aliás quase todas as mulheres, católicas ou não, e muitos homens, abominam o aborto forçado; só não o fazem os que por egoísmo obrigam a esse acto, e é claro, quem lucra com a sua clandestinidade. Estamos aqui a falar de namorados, mesmo de maridos, de clínicas e profissionais de saúde actuando clandestinamente, de patrões, e muito mais. Muitos deles católicos.
Chega a ser caricato pessoas que já legislaram virem dizer que a criminalização do aborto deve continuar, mas não devem punir-se com prisão as mulheres que interrompem a sua gravidez. Será que é para multá-las? Estão os tribunais preparados para enfrentar tantos processos a mais? E onde está a moral dum Estado que lucra com um problema que se recusa a resolver?
Ou será que continua a mesma situação de hoje, em que a lei não é cumprida? Como se pode sequer admitir um Estado que não se faz respeitar?
Comparem-se os 120000 abortos clandestinos em Portugal (fora os outros) desde o referendo passado, com as 200 crianças que foram auxilidas pela Ajuda de Berço, criada logo após esse referendo. Quem é que está à altura para ajudar de facto?
É pública a posição da Conferência Episcopal Portuguesa sobre a actual lei: não concordam com ela por ser demasiado permissiva. Seria de esperar, por isso, que os que no referendo de 1998 fizeram campanha pelo “não” se tivessem mobilizado para que essa permissividade fosse retirada. Mas não. Contentaram-se em dizer a si próprios que ganharam nesse referendo, quando não houve vitória nenhuma (apenas uma derrota da nossa democracia, com uma abstenção que ultrapassou os dois terços). O resultado não foi vinculativo e teria permitido, se assim o quisessem o Governo ou a Assembleia da República, legislarem pela liberalização. Ou pelo aumento das restrições. Mas ficou tudo na mesma, como se a realização daquele referendo (e deste) não fizesse sentido.
Dizer “sim” ou dizer “não” é, de resto, uma resposta demasiado simplista. Ou se dizia “sim, na condição que haja um sistema de saúde capaz de acabar com a clandestinidade, que as leis de trabalho protejam a maternidade, que uma educação eficaz seja feita a pais, a filhos, a professores e a clérigos, que a segurança social ajude as grávidas a encararem com confiança o futuro da criança, que os mecanismos de adopção sejam adequados”, ou então dizia-se “não, na condição que haja um sistema policial e judicial capaz de acabar com a clandestinidade, que as leis de trabalho protejam a maternidade, que uma educação eficaz seja feita a pais, a filhos, a professores e a clérigos, que a segurança social ajude as grávidas a encararem com confiança o futuro da criança, que os mecanismos de adopção sejam adequados”.
Assim, as diferenças não seriam tão grandes. O falso debate que por aí vai é que as radicaliza. Apesar do simplismo do sim/não, e das sérias dúvidas que o Estado se queira comprometer eficazmente com essas condições, é importante que haja a necessária participação desta vez, pois o preço de desperdiçar este referendo vai muito além da manutenção do impasse sobre a questão particular da penalização do aborto: envolve também uma abdicação da sociedade em exercer um direito democrático.
Se temos de decidir por um mal menor, não deixo de ser católico por defender que o “sim” deve ganhar. Para que os jovens, católicos ou não, se apercebam mais tarde como o nosso país ficou melhor depois deste referendo nos libertar de mais uma das proibições do nosso passado.
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