A sociobiologia e' um campo minado para a Biologia. A unica coisa que veio fazer foi abrir um campo de especulação de baixa qualidade, baseada em extrapolações abusivas de um principio sobre o qual ha´ um acordo facil entre os biologos: que os humanos sao apenas mais uma especie e que a sua biologia se enraiza na sua historia evolutiva dentro dos primatas, e destes dentro dos mamíferos, etc.. O principio e´ correcto, as extrapolações sao abusivas; alias a veracidade desse principio tem bases científicas que nao foram os sociobiologistas a trazerem 'a luz. Na minha opiniao a sociobiologia e´ uma corrente de pensamento com substância eugenista que pretende usar a linguagem científica (mas nao se interessando por usar a respectiva metodologia de investigação) para justificar uma serie de comportamentos individuais e sociais, ainda por cima muito aplicáveis politicamente.
Mesmo assim, gostava de juntar um exemplo muito divertido e ilustrativo do que por aí anda: um livro recente (cuja referência poderei dar se quiserem) elabora sobre a tese de que a infidelidade feminina e´ (tambem!) uma forma de competição sexual: se o esposo nao conseguir dar-lhe prazer sexual q.b., a esposa "tem uma maior probabilidade" de procurar um outro parceiro, mesmo que de ocasiao, para ser compensada. Portanto, se aparecem filhos dessas escapadelas, aumentam por essa via as frequências dos genes que conferem aos machos um melhor desempenho na cama!
So´ levo a serio a sociobiologia porque e´ um discurso sociologicamente perigoso e pela sua forte capacidade de lançar a confusao entre os biologos. De resto, so´ mesmo para rir.
LOCO GATO
Eu so´ vejo um problema na discussão do altruísmo: porque e´ que temos de assumir que a variação no grau de altruísmo e´ geneticamente determinada? Por outras palavras, tera´ mesmo de haver alelos que favorecem altruísmo o outros que nao?
O altruísmo poderia ser, alternativamente, uma variação de comportamento assimilavel ao conceito de plasticidade fenotipica: um determinado genotipo (neste caso codificando comportamento) poder, segundo as circunstâncias (chamemos-lhe "o ambiente"), ter manifestações diversas e, quem sabe, em sentidos opostos
Por exemplo, a estrutura social pode definir papeis altruisticos, que sao assumidos por indivíduos cujo desempenho esta´ socialmente codificado. Nao conhe,o os trabalhos que a Anabela cita (nem sei onde e que em Portugal encontro a revista), mas arranjo exemplo: as manadas de elefantes africanos dividem-se em duas "submanadas", uma com as femeas, as crias e dois machos, a outra com uma troupe de machos jovens. Agora supondo que numa determinada manada abre um lugar vago para um macho; segundo se diz, as troupes de machos jovens que seguem a manada mista sao a reserva de candidatos a esse lugar, mas quem acaba por ocupar a vaga e´ um macho que foi escolhido pelas fêmeas dessa manada -- os que ficam de fora nao sao altruístas porque escolham sê-lo: são altruístas porque o papel deles (ate´ ver...) e´ esse.
E porque foi escolhido aquele? Nao sei, mas o criterio das femeas faz-se sobre uma característica cuja variação, se geneticamente codificada, dificilmente poderiamos chamar de altruísmo. Se ha' pressao selectiva a nivel genetico, ela tem que ser vista sobre uma característica correlata com a assunção de papeis altruístas, mas nao sobre o altruísmo. Se houver nova vaga `a qual se candidatem os mesmos machos "altruístas", algum deles vai mudar de papel...
Voltando ao assunto da sociobiologia, reparem como o tema altruísmo e politicamente suspeito: quem nao escolhe uma carreira de poder e dominação e´ "altruista" em relação aos que o fazem, pois cede-lhes o lugar na competição pelos meios para atingir fins tao "nobres" para a especie humana. Nao ha´ nada de evidentemente genetico quando posto assim mas, se por acaso os supostos avanços da sociobiologia viessem a servir para dizer que sim... o mau-cheiro de Eugenismo (seja pela positiva ou pela negativa, nao interessa) devia fazer muitos biologos terem mais cuidado com esta corrente pseudo-científica.
Nao confundo Etologia com sociobiologia.
LOCO GATO
Altruismo: um acto que ajuda um OUTRO organismo A CUSTA do organismo agindo.
Problema: Como e que, pode evoluir um comportamento que CUSTA o organismo sem lhe ganhar nada ?
Solucao um: através de kin selaction . Nao vou explicar aqui. Nas aulas de etologia que costumava dar, utilizei 45 min para explicar isso- Leiam Krebs and Davies- Ficam ainda os casos que nao involvem parentes do organismo agindo- As solucoes desses (tanto quanto conhecidos) sao bem descritos no artigo:
R.C. Connor (l995) Altrism among non-relatives. Trends Ecol. Evol. 10-2, 84-86.
E agora nao vou escrver mais sobre esses assuntos. Carpe diem.
Anabela Jensen perguntou:
>Qual e a diferença entre Kinship, Altruismo, Mutualism e cooporation.
>Nova questao.. Altruismo esta na base de group selection ? Muitos authores nao admitem a existência de group selection, unless they are all kin related... O que e que voces teem a dizer a isto?
Digo que esses autores estao enganados-
A seleccao de grupos e´ uma "area minada" da biologia. A critica dos "seleccionistas genicos" (e-g- WD Hamilton, GC Williamsr J Maynard Smith, R Dawkins) `a seleccao de grupo "ingenua" (e.g. K Lorenz e VC Wynne-Edwards), contribuiu para esclarecer substância da questao embora tenha confundido a semântica. Como a Anabela referiu, concluíram que a seleccao de grupos pode ser uma forca evolutiva relevante se os grupos forem relacionados por lacos familiares. Chamaram a isto "kin-selection" (seleccao de familiares) mas argumentaram que isso nao era um tipo "group selection" (uma perda de tempo). Como os modelos genicos (sociobiologicos!) desenvolvidos por estes autores foram muito eficazes a explicar uma serie de observacoes comportamentais intrigantes, grande parte dos evolucionistas engoliu a conjectura de Williams segundo a qual seleccao de grupos compostos por indivíduos nao relacionados por lacos familiares, embora possivel, nao poderia superar a seleccao individual que seria muito mais rapida e poderosa a alterar frequências genicas.
Mais tarde, modelos geneticos mais detalhados (e-g. DS Wilson, MJ Wade ou L Nunney), puseram em causa essa tese. Mostraram, p.ex., que a seleccao de grupos pode ser forte se a taxa de extincao dos grupos for elevada e que pode ser um motor importante na evolucao de características com elevada variância genetica de dominância mas baixa variância genetica aditiva (que nao evoluem por seleccao individual). Estas ideias foram mais tarde comprovadas experimentalmente em trabalhos muito interessantes (e-g. MJ Wade, DM Craig e C Goodnight). De resto, os teoricos de genetica de populacoes (a comecar em RA Fisher, JBS Haldane e S Wright) nao têm problemas em usar modelos de seleccao de grupo.
Em conclusão: a seleccao de grupo pode actuar na natureza e ser eficaz em experiências mas nao se sabe muito sobre a sua ocorrência de facto -- infelizmente e' um mecanismo sobre o qual os evolucionistas actuais têm em geral preconceitos (ligados às formulacoes ingenuas).
Cumprimentos,
Ricardo Azevedo.
Aproveito para esclarecer uma coisa ainda: eu nao ataco a sociobiologia porque no fundo desprezo-a. Mas acho-a perigosa e defendo-me dela. Aproveitando o esquema proposto pelo Peter Wirtz, se bem se recordam ele coloca a sociobiologia como subdivisão de uma das 4 areas definidas dentro da Etologia. Isso e´, com o devido respeito, confundir sociobiologia com Etologia; a sociobiologia e´ um enxerto dentro da Etologia (cf. esquema do Peter), e bem gostaria vê-lo ser rejeitado (imunologicamente, com memoria e tudo) como merece.
LOCO GATO
Gostava de frisar um ponto, que admito ser discutível nas definições que algumas pessoas adoptam: a sociobiologia no seu todo nao merece minimamente qualquer respeito da parte da comunidade científica. E, quanto aqueles que fazem bons trabalhos sobre aspectos evolutivos do comportamento humano, mais valia que se demarcassem da sociobiologia. Todos tinhamos a ganhar com isso.
LOCO GATO
Os exemplos a proposito da sociobiologia sao sempre uma galhofa. Posso perguntar se conseguiram remover os eventuais efeitos culturais e socio-economicos sobre a fertilidade? Os hispânicos nos Estados Unidos teem uma natalidade mais proxima à da America Latina (que e' alta) do que à dos restantes; e a Califórnia é o estado nos EUA com maior rendimento per capita, ao qual podemos associar, neste contexto, nao uma maior fertilidade mas uma maior estabilidade socio-econo'mica e daí uma menor restrição 'a fertilidade. Eles discutirão isso? E posso perguntar se, no meio das correcções aos dados, se lembraram de examinar qual era a proporção de maes solteiras, ou quais eram as diferenças de estrutura familiar entre estados e entre etnias, etc., etc.?
Reduzir uma analise àas mamas e´ ignorar os efeitos eventualmente de maior peso que outros atributos como a estatura, a forma das pernas e das ancas, o atrevimento face ao outro sexo, etc., podem ter sobre os homens. Alem disso, reduz as preferencias masculinas a tendencias medias que sao ridiculamente neutras face 'a evidencia avassaladora de uma multiplicidade dessas preferências, e que garante a diversidade ad aeternum que a grande beleza do espectáculo humano (para dar um exemplo: os shows de manequins, belas-altas-elegantes-produzidas, mas estereotipadas, tornam-se num enjoo em tres tempos).
Mas vamos assumir que a conclusão sobre as mamas era verdadeira: os homens "gostam delas" mais simetricas de mamas. E depois? Se estatisticamente gostam mais, qual e' a influencia que isso tem sobre o comportamento masculino globalmente? Qual é o peso da dita simetria na harmonia sensorial do macho norte-americano? (Presumo que eles nao pretendam ir alem do universo de amostragem que utilizaram. nao e'?) Onde e' que isso contribui para a identificação dos genes envolvidos na preferência sexual masculina como um todo?
Quando e' que me demonstram que da sociobiologia vem alguma coisa que valha a pena?
Voltando `a questa, politica dos "resultados" da sociobiologia, àa qual pareço ser eu o unico nesta lista a prestar alguma atenção, isto de andar a encontrar preferências "gerais" tem muito que se lhe diga: é um raciocínio redutor que desloca por completo a ênfase mais importante, que (v. acima) a variedade. A verdade científica nem sempre tom a ver, estatisticamente falando, com as tendencias centrais, mas sim com as tendências dispersivas. Politicamente falando, as tendencias dispersivas sao subversivas -- o que muitos estudos sociobiológicos fazem é acentuar o que é politicamente venerável: "o que é consensual". O que eu respondo a isso, at pondo de parte as questoes metodologicas, e´ que o principal, cientificamente falando, esta sempre `a margem das preocupações sociobiologicas.
Obrigado pelas deixas, Paulo Gama Mota
LOCO GATO