Quem não seja de todo insensível regressa do seu primeiro passeio à China com muito, muito respeitinho. Então no regresso ao Portugal dos Pequenitos, sem dúvida que trazemos um banho de grandiosidade. É tudo aos milhões, aliás aos milhares de milhões, seja do que for. E, em vez de assustar, só pode causar admiração, pois o gigante a que antes chamavam Cathay expressa-se com delicadeza, uma devoção à harmonia e um culto da paciência que dão lições a quem esteja disposto a aprender. Duvido que alguém fique indiferente.
Tudo o que vem escrito acima só não é lugar-comum, mesmo que soe dessa maneira, porque vem dum sentimento que só se adquire indo lá. No meu caso, com uma excursão (promovida por uma agência portuguesa bem conhecida) em que se anunciavam 9 dias na China em regime de meia-pensão, com guia acompanhando permanentemente, pela modesta quantia de 275 Descobridores-do-Brasil, aí a modos que uns 1371,69 Euro mais uns pozinhos. Valeu todos os tostões.
Juntaram o nosso grupo, que consistia de 7 portugas + 4 espanholitos, com outro de latino-americanos, mexicanos, colombianos e uruguaios. Os guias falavam um castelhano estupendo, e nunca tinham saído da China – ainda dizem que eles não têm um computador naquelas cabeças! O roteiro começava em Pequim, seguia para Xi’an, e acabava em Xangai, se bem que houvesse extensões para Qilin (de famosas paisagens e massagens) e Cantão, assim como Hong-Kong e Macau, mas isso eu não fiz.
O acompanhamento de um guia mostrou-se por demais necessário neste primeiro contacto. A comunicação gestual com os chineses esbarra com a ausência de acordo sobre o significado dos próprios gestos e, principalmente, na distância mental que os separa dos ocidentais. Os guias são de uma agência estatal, CITS, levam-nos para os sítios turísticos de maior interesse (quase sempre os que são mesmo must), explicam bem e em geral não nos tratam como gado (mas em Xangai andavam um bocado a fazer negócio por fora à nossa conta, defendeu-se quem pôde e soube); dão-nos as achegas que precisarmos para o tempo livre, conselhos diversos (inclusive sobre quais os locais onde se deve regatear os preços), e podem funcionar como balcão de câmbios itinerante, à disposição com Re Min Bin (Dinheiro do Povo) para trocar por dólares US um bocadinho melhor que à taxa dos hoteis (não sei se era ilegal cambiar neles, mas dado que parece haver falsificação das notas mais altas, de 50 e 100 Yuan, de certeza que são os únicos extra-hotel ou extra-banco onde se pode tentar). É respeitar os horários que eles nos dão (aí eles são bastante chatinhos, mas têm razão), e deixarmo-nos ir sem preocupações. Mesmo quando nos aventuramos sozinhos, a sensação de segurança é muito elevada, só é pena é a nossa ignorância dos caracteres chineses e da língua para tirar um bocadinho melhor partido do que nos passa pela frente.
Em retrospectiva, o ideal é escolher o percurso inverso ao que seguimos. Xangai é a porta de entrada ideal para a China-China. Um pouco à imagem de Hong-Kong, mas com muito maior grandeza e de modernização mais fresca, tem uma forte componente cosmopolita, não só pelos resquícios das antigas concessões britânica e francesa, como pelos modernos boulevards onde, porta-sim, porta-sim, se espraiam os Versace, Gucci, Benetton, L’Oréal, McDonald’s, Boss, Estée Lauder, Zara & Cª. Sem esquecer que se vêem passear miúdas produzidas-o-mais-possível – essas lojas não vivem dos estrangeiros. Mas também se encontra o Museu de Xangai, uma visita obrigatória para quem tenha um mínimo de gosto pela Arte ou pela História, dos melhores museus que há no mundo e com colecções fabulosas de arte em bronze, cerâmica, pinturas, mobílias, etc.. Outras visitas de grande interesse são o Templo do Buda de Jade, o Bairro Antigo com os jardins de Yu Yuan, e o bairro de negócios do lado oriental do rio, uma espécie de cidade futurista cuja arquitectura é o símbolo mais duradouro do frenesi da construção de arranha-céus, que se exibe nesta cidade mais que em qualquer outra parte. Um meio de transporte excelente é o metro. Basta ter um mapa actualizado da cidade e a orientação é simples. Em termos de compras, há duas coisas que não podem esperar por Pequim: as sedas, e livros. De resto, mais vale deixar para a capital.
Xi’an foi a primeira capital do Império Chinês, unificado no século III a. C.. Fica bem no interior do país e a principal atracção está na representação meticulosa do exército da primeira dinastia, em figuras de terracota de tamanho pouco maior que o natural, que mesmo para chineses levou décadas a fazer e não pôde ser completada porque a dinastia acabou pouco depois da morte do primeiro monarca e os camponeses invadiram aquilo, destruindo e incendiando (lá teriam as suas razões?). São famosas as fotografias deste exército, reconstituído pacientemente desde há vinte e tal anos pelos arqueólogos a partir dos cacos originais, mas estar lá para contemplar e meditar vale a deslocação. Junto do sítio arqueológico, que se enche de turistas todos os dias, está instalada uma espécie de feira da ladra que não me cheirou nada bem... Mas no centro da cidade há uma fábrica-loja de artesanato em jade que vale muito a pena, haja o dinheiro para comprar as preciosidades que lá há (suspiro...). O Pagode do Ganso tem pouco interesse, a muralha antiga também não é grande coisa apesar de estar muito bem conservada, mas há outras atracções (o Tesouro de Fa Men, nomeadamente, e que teve de ficar para outra altura no meu caso). Também fui à atracção de músicas e danças da dinastia Tang, aquela que se diz ter constituído o apogeu civilizacional da China (mais ou menos pela época da expansão Árabe), cujo público é essencialmente de turistas norte-americanos que vão para lá jantar, mais ou menos distraídos sem darem atenção ao fundo musical ao vivo. Depois segue-se um programa de variedades de casino para consumo turístico, envolvidos por algum paleio tentando atestar a autenticidade histórica das danças e músicas, mas, feitas as contas, não é demasiado caro e é muito bonito. Fundamental fazer reserva no dia anterior ou de manhã, por exemplo por telefone.
Por falar nisso, a vida é dura para o turista conseguir uma comunicação verbal de jeito; mesmo nos hotéis o Inglês é mal compreendido! É preciso estar preparado para a ideia e arranjar bastante paciência, pois para certificar-se que aquilo que queremos é aquilo que eles perceberam pode levar alguma insistência e não poucos mal-entendidos. Nos hotéis ou junto do guia é de pedir que escrevam em chinês os nomes dos locais onde precisamos de ir, ou voltar (o nome do hotel). Não vale a pena tentar pronunciar as palavras, isso é sabido mas convém lembrar... Mostra-se o papelinho ao taxista e ele já sabe o que tem a fazer e não nos tenta aldrabar por atalhos esquisitos.
Pequim tem muito que se lhe diga. Só passou a ser capital no tempo dos Ming, assim por alturas do Renascimento, e um pouco à maneira do que mais tarde foi o Império Russo, logo foi estabelecer-se num dos extremos geográficos, neste caso o Norte. Por isso também está com a famosa Muralha bem a jeito. Trata-se de um passeio obrigatório mas que exige, in loco, alguma forma física. As paisagens são bonitas e o significado histórico e estratégico desta construção, Mulan àparte, tem grande interesse. Pelo caminho de ida visitámos a fábrica de cloisonné, artesanato de esmalte embutido em peças de cobre que se vê em muitas lojas de lá mas que na fábrica permite fazer uma escolha criteriosa, já não falando do regalo para a vista que algumas das peças dão; e no de regresso fomos ao viveiro de pérolas, outra oportunidade para fazer bons negócios, não tanto pelos colares mas novamente pela diversidade de escolhas que se pode fazer. Desde coletes inteiramente em pérola até cremes de beleza e pós medicinais, está tudo junto ali.
A própria cidade de Pequim é um colosso em área, já assim projectada de raiz e com avenidas largas e muitas, muitas bicicletas (em Xangai já se anda muito de carro). Diz-se que tem bastante poluição industrial, mas eu tive sorte porque se estava à beira das comemorações do cinquentenário da "libertação" de 1949 e eles pararam a laboração durante umas semanas. O metro é menos útil que em Xangai porque não poupa muito o andar, e por outro lado os táxis são muitos e saem barato. Visitas guiadas, foram: ao Palácio Imperial, ao Palácio de Verão, ao Templo do Sol (todas extremamente interessantes), e ainda aos túmulos da dinastia Ming e à praça de Tian An Men. Ainda houve uma noite onde assistimos a um esplêndido espectáculo de acrobacia, e outra em que comemos o famoso pato lacado; e deu para nos aventurarmos pelas redondezas dos jardins do Palácio de Inverno, bem no centro, onde se encontra um restaurante que serve as ementas imperiais, coisa que é a não perder mesmo, e para subir à Colina do Carvão, também no centro, com jardins muito bonitos e um belo panorama se não chover etc..
Para quem começar em Xangai e terminar aqui, já estará com o "faro" necessário para tomar iniciativas. Como dito acima, andar pelas ruas nas cidades da China é seguro e pode-se sempre arranjar maneira de comunicar para comprar, comer ou negociar (saber regatear é importante). E, pelo pouco que sei, em Pequim há muito que descobrir. Já agora, todos os chineses dizem que a melhor estação do ano para visitar o país é o outono, porque no nosso verão há as monções e chove muito, enquanto no inverno faz um barbeiro que nem na Suécia...
Apenas mais um toque, sobre a comida chinesa: aquilo que nos ia sendo servido ao almoço durante as excursões era mais ou menos parecido com a comida cantonesa a que estamos habituados no Ocidente. Umas vezes era melhor, outras mais assim-assim, de tal modo que em princípio dá para aguentar esse regime alimentar durante a semana que dura a excursão. Quando se está farto, treina-se o uso dos pauzinhos e passa logo a fome... Mas para quem gosta de variar e descobrir, aqui vai o rol das outras comidas:
Querem saber que mais? Vão à China quanto antes, porque daqui a uns anos não se fala doutra coisa. E quando tirarem o visto não deixem de trazer as brochuras sobre os sítios que se conta visitar, elas revelam-se muito úteis.
Escrito em 1999
Alguns sites que devem ser visitados na preparação duma viagem à China:
Adicionados em 2006
Paulo de Oliveira