Jogo do Pau
O Jogo do Pau desenvolveu-se no Norte de Portugal (Alto
Minho e Trás-os-Montes) como uma arte de defesa que podia resolver
problemas de maus encontros com salteadores ou como recurso em acções
violentas (famílias ou terras rivais, ajustes de contas, etc.).
Há indicações que a sua técnica
deriva de uma arte marcial
indiana que terá sido importada e adaptada após as Descobertas,
o que parece plausível pois a sua (muito limitada) tradição
na Galiza se localiza nas zonas raianas, trazida do lado de Portugal; em todo o
caso não terá nada a ver com as histórias do Robin dos
Bosques nem com os Pauliteiros de Miranda.
Fiel
à sua provável origem asiática, é uma forma
de combate com grande mobilidade e de grande eficiência. Ainda no
século XX havia mestres de Jogo do Pau que ganhavam bom dinheiro
com as lições que ministravam, e são numerosas as
referências, inclusivamente na literatura de ficção,
aos efeitos devastadores das "rixas de pau" e dos "varrer
de feira", e à (má) fama que daí vinha para os seus
praticantes; nada menos que as acções de guerrilha do Zé
do Telhado (e outros episódios históricos semelhantes) incluiram
combates com o varapau.
No século XIX foi trazido para a região
de Lisboa por um mestre nortenho, que o adaptou produzindo uma técnica
mista com a 
esgrima
de sabre. Nesta "escola", o Jogo do Pau é uma modalidade
exclusivamente exibicional, estando secundarizado o carácter de
combate que tem a forma original do Norte. Foi incorporada como modalidade
desportiva em instituções como o Ginásio Clube Português
e o Ateneu Comercial de Lisboa, sendo muito apreciada como segunda modalidade
por praticantes de ginástica, por exemplo. No entanto, muitas das
suas facetas fundamentais no Norte, nomeadamente o combate contra vários
adversários, estão totalmente ausentes da escola de Lisboa.
A imagem à direita documenta o Mestre Gameiro a executar uma guarda
no Jogo da Cadeira, típico da escola de Lisboa.
O declínio rápido do Jogo do Pau no Norte,
durante o século XX, deveu-se ao que parece a dois factores: à
vulgarização da arma de fogo como instrumento para os mesmos
fins, e à dispersão dos praticantes pela emigração.
Nos finais dos anos 70 restavam alguns antigos jogadores idosos e isolados,
que não praticavam há dezenas de anos, e escolas em Cabeceiras
de Basto, em Salto (Montalegre) e em Fafe. Na escola de Lisboa, os praticantes
nascidos nas décadas de 10 e 20 ainda conheceram mestres que testemunharam
os melhores anos desta escola, e graças a eles foi-se preservando a modalidade
até aos anos 70, quando novos praticantes suficientemente jovens,
entre os quais avulta o nome de Nuno Curvello Russo (que figura em todas
as fotos desta página), puderam recolher o testemunho. Para além
das escolas do G. C. P. e do A.C. L., a do mestre Chula em Alhos Vedros
e outra em Poceirão foram do meu conhecimento. Pratiquei Jogo do
Pau sempre no G. C. P. entre 1976 e 1983, primeiro com Armando Sacadura
e depois com Nuno Russo.
O papel de Nuno Russo no Jogo do Pau é o de uma
verdadeira tábua de salvação. Não só
ele desenvolveu no A. C. L. um excelente jogo, principalmente da escola
de Lisboa, mas dedicou-se a recuperar as tradições, visitando
frequentemente o Norte, estagiando especialmente em Cabeceiras
de Basto para aprender a dominar o jogo tradicional, no que também
se distinguiu; além disso pôde entrevistar e filmar antigos jogadores
e mestres no Norte. O repositório que se conseguiu compilar e organizar
graças à sua acção é de valor inestimável, e
não só desportivamente — etnograficamente, também. Além
disso, ensinando no G. C. P., nos Fuzileiros, em escolas superiores de
Educação Física, etc., tem permitido reavivar o interesse
na modalidade por parte de novos praticantes. Continua a sua actividade no G.C.P., e é o mentor e responsável pela Escola de Santo Condestável, nome da técnica unificada (tradição do Norte e escola de Lisboa, com importantes sistematizações e desenvolvimentos).
Todo o feedback
será bem-vindo, mas o ideal para conseguir todas as informações
deverá ser através dos organismos oficiais. A principal ligação é com a Escola de Esgrima Lusitana do Santo Condestável. Outro potencial contacto em Lisboa é a Associação Desportiva e Cultural do Jogo do Pau Português., com sede no A.C.L.. Ver em baixo outros links.
Links
- O Ginásio Clube Português
(Lisboa), onde Nuno Russo lecciona.
- Jogo do Pau (tumblr), repositório extraordinário de antigos documentos, ligando ao blog onde se encontram secções especiais sobre antigos mestres e registos na literatura. Muito semelhante a este último, e do mesmo autor, o site Jogo do Pau Português, que parece estar mais recentemente actualizado.
- O Jogo do Pau, Origens e evolução, comunicação à conferência internacional Os Portugueses e o Mundo (1985), da autoria de Nuno Russo. E uma conversa sobre o Jogo do Pau em entrevista com Nuno Russo e Nelson Neto (2020).
- Vídeos no YouTube (selecção; aceitam-se sugestões):
- Um breve apontamento da 1ª Guerra Mundial (Jogo do Pau do Norte).
- Excerto do filme Gado Bravo, de António Lopes Ribeiro e Max Nosseck, com uma rixa de pau que, embora entre campinos, é na tradição do Norte.
- Uma excelente reportagem da escola de Bucos (Cabeceiras de Basto) na década de 60, onde figuram presumivelmente os mestres Adelino Barroso e Ernesto dos Santos.
- Reportagem realizada em 1975 em Cabeceiras de Basto, com entrevista ao Mestre Portela.
- Os guardiões da tradição|DOC.1, documentário centrado nas escolas de Bucos (Cabeceiras de Basto), Cepães (Fafe) e Corva (Salto, Montalegre).
- Uma demonstração do Jogo de 1 para 3 (escola do Norte — praticantes do G.C.P. com Nuno Russo no meio).
- A escola do Ginásio Clube Português na época do Mestre Júlio Hopffer.
- A variante de bastão de combate
- Gravações feitas no Ginásio Clube Português (2003).
- Reportagem da RTP de 1991 com a escola do Mestre Nuno Russo, e uma reportagem de 2018 da Trans World Sport.
- Uma demonstração moderna (Escola de Lisboa) e uma sequência de imagens com fundo musical dos Ironweed 🥺.
- Visita do brasileiro Álvaro Garnero à escola do G.C.P., em estilo gostoso.
- Estudo muito interessante da autoria de Miguel Monteiro, do Museu da Emigração e das Comunidades (Fafe), intitulado «O jogo-do-pau como representação de estatuto e hierarquia nas sociedades tradicionais».
- O famoso livro do Mestre Caçador, com retratos biográficos de muitos mestres, preservado no Internet Archive.
- Um tratado do século XIX, da autoria de Joaquim António Ferreira, também preservado no Internet Archive.
- Página na Wikipedia, da responsabilidade do grupo do Ateneu Comercial de Lisboa (também existe versão em Inglês).
- Outras escolas activas (em vários destes endereços encontram-se informações muito interessantes):
- Stickfighting Jogo do Pau (Facebook), dedicado ao Jogo do Pau da Ilha Terceira, incluindo alguns vídeos ilustrando a técnica peculiar que praticam (ver também uma demonstração por dois membros da Associação de Judo da Ilha Terceira). A presença nas ilhas do Atlântico também é conhecida em São Tomé (bligá ou jogo do cacete, outrora uma arte marcial, como ainda é perceptível nos movimentos da dança com esse nome) e nas Canárias (Palo Canario).
- Guia para diversos recursos associados ao curso online de Jogo do Pau Português, por Helder Valente.
- Jogo do Pau training answers, por Luís Preto, discípulo de Nuno Russo. Ver também o antigo blog Jogo do Pau – Esgrima Lusitana.
- Uma página da Galiza onde se conta que o Jogo do Pau Português foi adoptado pelos raianos de Tui e Ourense. A variante que lá se pratica tem de facto algumas semelhanças, como se pode ver num vídeo recente com uma demonstração técnica.
