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Relações de dominância (interacções entre alelos)

O genótipo não é observado directamente, mas sim deduzido a partir da observação de variações em certas características. Essas características são os fenótipos e resultam da expressão, durante o desenvolvimento somático, de muitos loci. No entanto, o genótipo que se atribui a cada indivíduo tem de corresponder apenas aos loci nos quais se detecta uma variação fenotípica.

Começando com o exemplo mais simples de variação, aquela que reside em apenas um locus com dois alelos, existem três genótipos possíveis: os dos homozigóticos, e o do heterozigótico. No caso dos heterozigóticos, e dado que se podem exprimir dois genes diferentes para o mesmo locus, o seu fenótipo irá definir as relações de dominância entre esses dois alelos; se a variação se expressa numa escala quantitativa, pode haver dominância completa, dominância incompleta ou sobredominância (figura 1):

Figura 1 — Relações de dominância entre dois alelos, A e a. Representam-se duas escalas de expressão fenotípica onde se indicam os valores médios dos homozigóticos AA e aa, e exemplos dos valores do heterozigótico Aa caso haja dominância completa (C), dominância incompleta (I), ou sobredominância (S). Na escala de cima representam-se valores absolutos, enquanto na escala de baixo os valores são relativos a um ponto intermédio igual a 0, sendo a o desvio aditivo correspondente a cada alelo: na ausência de interacção entre A e a, a expressão do heterozigótico é -a + a = 0. O segundo tipo de escala é usado sobretudo no estudo da variação contínua.

i)dominância completa ou simples (C) — quando o heterozigótico tem o fenótipo igual a um dos homozigóticos, que se diz dominante (denotado geralmente por uma inicial ou abreviatura em maiúsculas); o outro homozigótico é recessivo (denotado geralmente pela mesma designação, mas em minúsculas).

ii)dominância incompleta, intermédia, ou parcial (I) — quando o heterozigótico tem um fenótipo distinto de qualquer dos homozigóticos, sendo o seu valor fenotípico intermédio entre os que representam os dois homozigóticos. No caso particular de estar exactamente a meio entre eles, fala-se de aditividade (ausência de relações de dominância).

iii)sobredominância (S) — quando o fenótipo do heterozigótico é distinto e superior (ou inferior) ao de qualquer dos homozigóticos, ou seja, quando se situa fora dos limites dos dois homozigóticos.

A codominância é diferente de todas as outras relações entre alelos porque se define pela presença dos dois fenótipos (de ambos os homozigóticos correspondentes) no heterozigótico. Não se define numa escala quantitativa. A codominância é bastante comum quando se trata de fenótipos moleculares (mobilidade electroforética das proteínas, por exemplo) ou definidos por técnicas de reconhecimento molecular (anti-soros, por exemplo). Os indivíduos de grupo sanguíneo AB apresentam tanto o fenótipo A (aglutinação pelo soro anti-A) como o fenótipo B (aglutinação pelo soro anti-B), correspondentes, respectivamente, aos genes IA e IB.

O locus para os grupos sanguíneos pode conter vários alelos diferentes: por exemplo, para além dos genes codominantes IA e IB, existe um gene recessivo i, que por isso só é evidenciado no homozigótico, dando o fenótipo do grupo sanguíneo 0 ("zero", para ausência de reacção com qualquer dos anti-soros). Assim, apesar de cada indivíduo só poder ter quanto muito dois alelos por locus, um para cada um dos gâmetas vindos dos progenitores, no conjunto da população podem encontrar-se mais de dois alelos de alguns loci, formando o que se dizem séries alélicas, onde a diversidade de combinações possíveis entre alelos pode ser bastante elevada:

# alelos
na população
# máximo de
genótipos diplóides
# máximo de
genótipos heterozigóticos
2 3 1
3 6 3
4 10 6
5 15 10
6 21 15

Exemplos

a) Considere-se uma série alélica A1/A2/A3, e os valores dos diferentes genótipos diplóides possíveis a partir dela:

A1A1 A1A2 A1A3
1 4 4
  A2A2 A2A3
  2 3
    A3A3
    4

Os valores da diagonal identificam os valores-referência (dos homozigóticos), e assim podemos ver que há dominância completa de A3 sobre A1, dominância incompleta entre A2 e A3, e sobredominância em A1A2.

b) A diferença entre semente lisa e rugosa nas experiências de Mendel, veio a verificar-se, assentava na qualidade dos açúcares armazenados nos cotilédones: a ramificação das cadeias de amido, promovida por um enzima que se localiza nos cloroplastos, determina a forma das sementes após a desidratação no final do seu desenvolvimento na vagem; os embriões homozigóticos recessivos não possuem esse enzima e encolhem durante a desidratação, produzindo um fenótipo rugoso. Quanto às sementes lisas, as heterozigóticas têm metade do enzima das homozigóticas para o gene dominante. A característica liso era dominante, mas a quantidade de enzima que a determinava apresentava-se como aditiva. Isto resulta de estarem a observar-se duas manifestações diferentes do mesmo gene, sendo ao nível bioquímico a relação entre os alelos diferente da relação que se observa a nível morfológico; a metade de dose genética reflecte-se directamente na quantidade de enzima, mas essa redução de dose é compensada na forma da semente, que dele depende. Também por aqui se vê como a interpretação genética é dependente da observação fenotípica.

c) A anemia falciforme é uma doença hereditária da espécie humana determinada por um alelo HbS da globina Β, a que corresponde uma redução da capacidade de transporte do oxigénio no sangue comparado ao gene normal, HbA. Neste caso (como em muitos outros) podem analisar-se os três genótipos, HbAHbA,HbAHbS, e HbSHbS, sob diversos "pontos de vista", resultando diferentes relações de dominância de acordo com a análise que é feita:

*mais precisamente: esperança de vida em regiões onde a malária é endémica (nos heterozigóticos é a mais elevada)
Fenótipos ("ponto de vista") Expressão no heterozigótico Relações de dominância
Gravidade da anemia anemia moderada dominância intermédia
Resistência à malária* mais resistente que qualquer
dos homozigóticos
sobredominância
Tipos de globina Β A e S codominância

d) O gene para pelagem amarela (no locus A, "Agouti") nos ratinhos de laboratório (AY) é (aparentemente) dominante sobre o gene de pelagem normal castanha (A), mas nunca se chegam a isolar homozigóticos AYAY porque na ausência de A os embriões são inviáveis (todos os ratinhos de pelagem amarela são heterozigóticos AYA). Este fenómeno de letalidade constitui uma segunda manifestação do locus AY/A (cf. "pleiotropismo"), com uma inversão das relações de dominância: o gene A é recessivo para o fenótipo cor-do-pelo mas é dominante para o fenótipo viabilidade.

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