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Depressão de consanguinidade

A identidade por descendência tem também uma expressão fenotípica, a chamada depressão de consanguinidade. Há dois modos de a definir nos indivíduos consanguíneos: por redução da vitalidade (seja a nível somático, seja pela perda de fertilidade) ou por aumento da susceptibilidade às flutuações ambientais. Opostamente, o "vigor híbrido" ou heterose define-se nos mais heterozigóticos pelo aumento de vitalidade e/ou pela maior uniformidade fenotípica face às flutuações ambientais. Uma e outra são manifestações do mesmo fenómeno genético — a maior estabilidade de expressão durante o desenvolvimento dos caracteres fenotípicos com impacto no fitness — e pelo menos três mecanismos, provavelmente complementares, o podem explicar:

i) hipótese da sobredominância: há loci que contribuem maximamente para o fitness apenas em genótipos heterozigóticos.

ii) hipótese da dominância: em diversos loci existem genes recessivos desfavoráveis que, em acumulação, se traduzem em deficiências fisiológicas nos indivíduos homozigóticos para eles, enquanto nos heterozigóticos essa redução não se manifesta devido à presença dos alelos favoráveis (geralmente os alelos selvagem).

iii) interacções entre loci: certos alelos de diferentes loci, por epistasia ou complementaridade, ou por constituirem haplótipos com diferenças substanciais na expressão fenotípica, definem conjuntos genotípicos que se dizem coadaptados; por deriva genética (baixo Ne) podem perder-se esses genes, desmantelando combinações favoráveis de genes e com isso acarretando depressão da expressão fenotípica.

A existência de estratégias compensatórias da identidade por descendência, independentes da capacidade de adaptação ao meio ambiente, como é o caso da maior parte dos mecanismos de auto-incompatibilidade em plantas (e o tabu do incesto na espécie humana), ou ainda a alopoliploidia em espécies autogâmicas, parece evidenciar bem a importância que o problema da depressão de consanguinidade tem para a sobrevivência das populações.

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Populações efectivas e fitness

A figura 14 mostra dois exemplos hipotéticos de curvas de fitness em função do valor de F (correlação entre gâmetas). Na curva A os valores de W não são particularmente penalizados pelo aumento da correlação, e a população só não resvalará para F = 1 se for muito grande. Já na curva B o fitness é máximo um pouco abaixo de F = 0, mas desce marcadamente à medida que F sobe: a depressão de consanguinidade é capaz de manter o F próximo de 0 numa população destas, mesmo que a Ne não seja muito elevada. Nestes dois exemplos, o fitness desce também quando F tende para –1: o "excesso" de heterozigose é prejudicial (talvez pelo desaparecimento de certos genótipos co-adaptados após segregação, cf. "carga genética").

Figura 14 — Dependência do fitness (W) em função da correlação entre os gâmetas em duas populações de espécies diferentes (A e B), e com indicação da correspondente variação no Ne.

Exemplo

O milho e o trigo são duas plantas com características reprodutivas muito diferentes entre si: a primeira é preferencialmente alogâmica e é notória pelos efeitos da heterose, isto é, vantagem dos heterozigóticos (cf. heterose); o trigo é preferencialmente autogâmico e, embora se note alguma heterose nas F1 de cruzamentos experimentais, a mesma não chega a ser explorável no melhoramento; em contrapartida, todas as variedades de trigo comerciais são homozigóticas (usa-se como critério de variedade pura seleccionar até à F8) e é evidente que não são afectadas por qualquer depressão de consanguinidade.

As curvas A e B da figura 14 apenas indicam dois exemplos: cada espécie tem uma estratégia de reprodução evolutivamente estável, que de caso a caso introduzirá nuances próprias que na prática, infelizmente, estão por caracterizar em detalhe. Esse conhecimento pode determinar o sucesso ou o insucesso de certas manipulações genéticas, e na medida do possível deveria ser aprofundado em cada espécie (na prática, como é evidente, isso encontra-se feito para as espécies mais manipuladas no melhoramento).

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Carga genética

O ambiente natural é limitativo do crescimento das populações e a competição intraspecífica inerente permite supor que uma população estabelecida há bastantes gerações se encontra muito perto do óptimo adaptativo para as condições em que subsiste. No entanto, a presença de genótipos com fitness sub-óptimo é inevitável, isto é, existe uma carga genética, como que um "lastro" de genes (ou haplótipos) desfavoráveis que persiste na população. Os mecanismos que se conhecem de carga genética são de 4 tipos:

Mutacional: se o fitness máximo num determinado locus é representado por um dos homozigotos, a mutação (especialmente para um gene que não é recessivo) introduz heterozigose de fitness sub-óptimo.

Segregacional: produção de homozigóticos para genes desfavoráveis, nomeadamente letais ou semi-letais, ou inférteis, a partir de heterozigóticos portadores.

Recombinatória: haplótipos que determinam maior fitness tendem a manter-se mais frequentes e a produzir por isso um desequilíbrio de ligação: esta é uma das facetas da co-adaptação entre diferentes loci, e pode ser substancialmente afectada pela recombinação ocasional com haplótipos menos desfavoráveis — especialmente em populações pequenas, pela possibilidade de amplificação destes produtos de recombinação por acção da deriva genética.

Dispersiva: resultante da impossibilidade dos descendentes desenvolverem-se na vizinhança dos progenitores; mesmo os melhores genótipos em cada geração podem não vingar por este constrangimento, dificultando assim a optimização do fundo genético das populações.

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