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Figura 10 — Duas replicações sucessivas na ausência de nucleótidos radioactivos e a consequente redução para metade da concentração de radioactividade por cromátide. S e M são fases do ciclo celular.

Replicação do DNA

A replicação do DNA é semi-conservadora, isto é, o material pré-existente vai continuar intacto findo o processo, metade em cada uma das cromátides resultantes (figura 10). As pontes de hidrogénio que mantêm a dupla cadeia desnaturam-se para que cada uma das cadeias simples possa servir de "forma" ou molde (template em inglês) ao longo da qual vai ser sintetizada, no sentido 5' → 3', uma cadeia complementar.

A replicação do DNA envolve várias actividades enzimáticas:

i) a polimerase do DNA propriamente dita, que reconhece em cada posição o nucleótido da cadeia-molde, selecciona o dNTP que lhe deve ser complementar, e cataliza a condensação com a cadeia complementar já formada;

ii) a exonuclease 3', que rectifica eventuais erros de emparelhamento imediatamente após a integração de um novo resíduo nucleotídico, permitindo a integração do nucleótido correcto;

iii) diversas helicases, necessárias à desnaturação da cadeia dupla (que perde o seu carácter helicoidal, daí o nome que lhes é atribuído);

iv) a primase, que inicia a síntese das novas cadeias complementares em vários pontos da cadeia-molde;

v) a exonuclease 5', que promove a continuidade entre os fragmentos sintetizados, re-sintetizando-os, contribuindo também para a correcção de erros de emparelhamento.

Estas actividades são complementadas por ligases, que completam a continuidade das ligações éster das cadeias recém-sintetizadas, por topoisomerases necessárias ao alívio da tensão torcional resultante da abertura da dupla cadeia, e por sistemas de reparação suplementares, que ultimam a correcção de erros na síntese das novas cadeias, fazendo com que a probabilidade de se incorporarem mutações por erros de replicação atinja níveis muito baixos (que nos eucariotas se cifra na ordem dos 10–11 por par nucleotídico, em cada ciclo celular).

Figura 11 — Formação e crescimento de uma bolha de replicação. DNApol indica a polimerase do DNA.
Quando se dá o início da fase S do ciclo celular (cf. "cromossomas"), formam-se diversas origens de replicação (ori) distribuídas por todo o genoma; trata-se de segmentos do DNA aos quais se ligam certas helicases, resultando a chamada "bolha" de replicação (figura 11); uma vez separadas as duas cadeias complementares, podem emparelhar com os nucleótidos das novas cadeias a sintetizar. É nesta situação que dois complexos enzimáticos de replicação, um por cada extremo da "bolha", se ligam ao DNA e iniciam a sua actividade. O processo de replicação dura até que as sucessivas frentes de síntese do DNA se reunam, altura em que existem duas cromátides por cromossoma e se transita para a fase G2do ciclo celular.

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Reconhecimento molecular

As origens de replicação dos cromossomas eucarióticos são especificamente reconhecidas pela proteína que interage primeiro com elas, uma helicase. Esse reconhecimento faz-se através de grupos funcionais nos pares R::Y que ficam de um lado e doutro das duas cadeias polifosfato-desoxirribose, isto é, ao longo dos dois "sulcos" acessíveis (figura 9a). Cada par de Watson-Crick apresenta um padrão único de interacções possíveis nesses sulcos, de pontes de hidrogénio nomeadamente, e é da sucessão de pares nucleotídicos que resulta o padrão molecular especificamente reconhecido por proteínas como a helicase.

Por isso cada tipo de proteínas que interagem com o DNA deve "encaixar" com uma sequência (ou grupo de sequências) de pares nucleotídicos, específica para esse tipo; representam-se essas sequências de forma simplificada pelas letras dos nucleótidos (A, G, T, C) numa das cadeias do DNA apenas. É como se o DNA fosse um "texto" construído sobre um alfabeto destas quatro letras; por exemplo, para iniciar a "leitura" do DNA a ser replicado, há uma "palavra-chave" que só é reconhecida pelas helicases responsáveis pela formação de "bolhas" de replicação: todas as origens de replicação terão de conter uma "palavra-chave" apropriada, e só após estar realizado este reconhecimento molecular (e formada a bolha de replicação) o processo passa à leitura e cópia do restante "texto".

Foi a partir da utilização em larga escala da sequenciação do DNA (determinação da sucessão de nucleótidos A, G, T e C em segmentos de DNA isolados dos cromossomas) que se reconheceram padrões de semelhança entre sequências associadas a uma função análoga (por exemplo entre origens de replicação de diferentes plasmídeos). Daí resultou a identificação de sequências funcionais (box em inglês) e a dedução de sequências de consenso, cuja importância em Biologia Molecular é enorme, mas não cabe aqui pormenorizar.

Note-se que, a exemplo do que se passa com o complexo molecular envolvido na replicação, as interacções secundárias com o DNA, isto é, dependentes do sucesso prévio de interacções primárias como a da helicase, não só levam em conta a interacção proteína-DNA mas também a interacção proteína-proteína e por sua vez ao DNA.

O papel dos octâmeros de histonas no processo de reconhecimento de sequências do DNA por proteínas ainda está para ser completamente apreciado. Sabe-se que a estabilidade do nucleossoma tem de ser reduzida para que a interacção de outras proteínas (não-histonas) com o DNA tenha lugar; nalguns casos parece que a região onde se dá a interacção primária não tem histonas, mas isso não é generalizável: há exemplos em que o nucleossoma parece ser desmantelado na altura em que a proteína específica interage com o DNA, noutros ainda ele é apenas "modificado conformacionalmente" para permitir essa interacção. Existem bastantes provas de que enzimas como as acetilases e desacetilases das histonas, que neutralizam e restauram as cargas positivas necessárias à interacção destas com o DNA, respectivamente, regulam a acessibilidade ao DNA.


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Repetitividade das sequências

Os genomas eucariotas podem ser divididos em três classes de sequências, segundo a ordem de grandeza da sua repetitividade, isto é, do número de vezes que aparecem repetidas no genoma haplóide:

Repetitividade
Tipos de sequências
105 – 106 cópias/ genoma
"satélites", retro-elementos
102 – 104 cópias/ genoma
rDNA, tDNA, genes das histonas
1 – 10 cópias/ genoma
restantes genes (genes com mRNA poli-A+)

A proporção relativa das três classes varia bastante de genoma para genoma. A classe mais altamente repetitiva, embora pareça "não ter função" pois não contém genes, é de grande utilidade para o mapeamento cromossómico (cf. "mapas físicos", "QTLs"). A classe intermédia é formada pelos genes que são mais intensamente expressos nas células: os do RNA ribossomal (rRNA) e do RNA de transferência (tRNA) envolvidos na "maquinaria" de tradução dos diversos mRNA em todas as células, e os genes das histonas — que só se expressam quando na fase S a célula "interrompe" outras funções para a duplicação dos cromossomas.

As sequências menos repetitivas são precisamente aquelas que correspondem aos genes "específicos" de cada função, uns envolvidos em processos comuns a diversos tipos celulares (caso dos enzimas envolvidos na replicação do DNA), outros em processos restritos a certas células ou a certas circunstâncias (por exemplo na síntese de proteínas de reserva no endosperma das sementes, produção dos enzimas de bio-síntese da cutícula das folhas...).

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