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Fitas de 2010
Fitas de 2011
O deus da carnificina
Missão Impossível: Operação fantasma
O rebelde salvador
Moneyball – Jogada de risco
Os homens que odeiam mulheres
Polissia
A gruta dos sonhos perdidos
J. Edgar
O artista
George Harrison: Living in a Material World
Detenção de risco
Crónica
Extremamente alto, incrivelmente perto
O último voo
O dia antes do fim
Le Havre
Vergonha
A Dama de Ferro
Florbela
Sombras da escuridão
Procurem abrigo
Cosmopolis
A guerra dos sexos
Mais Uma Noite de Merda Nesta Cidade da Treta
Eu Não Sou a Tua Princesa
Puncture
As flores da guerra
Moonrise Kingdom
Circo Columbia
Crime e pecado
Até que o fim do mundo nos separe
A dupla pele do diabo
Encomenda armadilhada
As linhas de Wellington
O substituto
Argo
Anna Karenina
Fitas de 2013

1O deus da carnificina/ Carnage

Um filme que é divertido e ao mesmo tempo desafiante

Por um lado é giro ver estes adultos compostinhos a tentarem manter a sua pose de gente civilizada, mas que à mínima coisa não se ficam sem darem a "devida resposta". A diferença é não usarem um pau "que traziam". Das 6 maneiras de haver um conflito entre duas pessoas neste quarteto, todas têm a sua ocasião. Não são só os quatro, há a ajuda duma briga entre miúdos, dum hamster perdido, dum fármaco marado e, sobretudo, dum uísque de 18 anos. Por falar nisso, antes de ir ver este filme deve ver se há uísque em casa (não precisa de ser tão velho), pois no regresso vai dar a vontade.
A vida em sociedade, a vida em casal, todo o conceito de viver em civilização, é o que briga com o tal deus do título na versão portuguesa, e se este de vez em quando não nos faz cometer um disparate, então vira-nos contra nós próprios, como nos enjoos de Kate Winslet. A raiva contida, a necessidade de partir alguma coisa, uma certa satisfação com o mal dos outros, só precisam duma oportunidade, dum bom pretexto para se manifestarem. A guerra, como dizia o outro, é apenas a diplomacia seguida por outros meios, e o encontro desta fita começa com uma visita diplomática. E que esteve quase para ficar como tal.
(Péssimo o trailer, se não viram não o vejam, pois é um spoiler de todo o tamanho!)
Polanski volta a maravilhar com o seu notável talento, quer na cuidadosa gestão do espaço, sempre com a câmara no local certo, e a montagem impecável, e acima de tudo na direcção destes (excelentes!) actores/actrizes, para resultar um filme esplêndido, para nós que mal merecemos, porque não aceitamos as lições, só rimos.

2Missão Impossível: Operação fantasma/ Mission: Impossible - Ghost Protocol

Uma casca brilhante, mas vazia

Muito viajado é o Ethan! Só que as mudanças de cenário servem só para fintar o tédio, e juntar pretextos para mais uns truques. Vi uma coisa a favor: um sentido de humor surpreendente. Mas isso não justifica a perda de tempo, dinheiro, e paciência.

3O Rebelde Salvador/ Machine Gun Preacher

Apaixona-te pela vida e viverás

No final até nos mostram a personagem real, Sam Childers — muito mais motard, menos bonito, mais "gente". Mas o de Gerard Butler é tão "herói", que nem dá vontade de conhecer o verdadeiro!... defeitos da lógica do cinema, ou antes das expectativas do público que vem ver, e virtude dum actor que já sabiámos estar muito além de caricaturas "espartanas". O écran sem ele nem é a mesma coisa, nesta fita.
Sem que diminua o dramatismo da bela história do protagonista, que desceu ao inferno, "descobriu Jesus", e dá uma volta completa a tudo o que era a sua vida, com a ajuda da família, dos amigos, e sobretudo do significado que passou a ver nas suas acções. Mas seria um lugar-comum se só fosse isto, há até um momento em que o sofrimento o leva a renegar a fé, num testemunho compungente da autenticidade desta personagem. Filme lindo, e não só para "roqueiros".

4Moneyball – Jogada de risco/ Moneyball

Brad Pitt vai aos saldos

Há um lado preverso, e um lado romântico também, neste filme, e interligados: o primeiro tem a ver com a ideia de que cada jogador é um conjunto de estatísticas, e que o melhor resultado desportivo se alcança com estratégias matemáticas de optimização com base em estatísticas; o lado romântico tem a ver com a lógica do jogo de equipa, em que as estatísticas de cada um podem, se bem articuladas pela mix que o treinador faz em campo e, antes disso, o manager (director desportivo) faz no balneário, levar a grandes resultados que ninguém pode adivinhar pela análise de cada jogador. Anti-estrelato e talvez redutora dos grandes momentos (ninguém nos diz se o espectáculo fica a perder ou a ganhar, mas no caso do baseball é capaz de não fazer diferença), esta é uma aposta na equipa como um jogador em si mesmo: multifacetado, harmónico, pleno de recursos e respostas sem sacrificar a eficiência. Interessante e, ainda por cima, histórico (e os olheiros que se cuidem!).
Logo de início nos mostram cifrões. E Billy Deane (Brad Pitt) talvez tenha pago, na vida real, por acreditar que é possível contrariar a força bruta das bolsas mais recheadas. Mas, por um momento, fez uma aposta vitoriosa... mais ou menos. Com um orçamento de segunda linha, com uma história pessoal de dissonância com o sistema que lhe roubou um destino de vida, era a personagem certa para tentar o impensável. Uma história muito interessante, feita inteiramente de personagens e da maneira como se encaixam naquele momento especial. A anos-luz dos filmes de desporto-sucesso-superação-blá-blá que pululam no cinema de Hollywood. Muito recomendado.

5Millennium - 1: Os homens que odeiam as mulheres/The Girl with the Dragon Tattoo

Quando o mistério desaparece, vai-se o interesse

Bem diz o título original, tem tudo a ver com a "rapariga da tatuagem de dragão", representada soberbamente por Rooney Mara. É ela quem faz este filme viver, numa história que apetece ler em livro — e de certeza que no meu caso não vai ser na tradução portuguesa, que de resto vem da tradução inglesa. As cenas são muito bem filmadas, mas a maneira como o mistério se desvenda é decepcionante, dá a impressão dum anticlímax.
Daniel Craig é muito sóbrio, Stellan Skarsgård tem uma presença imponente, ... mas apetece é ir ler o livro! Não fosse pela protagonista, claro.

6Polissia/Polisse

A vida dos "figurantes"

No meio da avalanche dos filmes candidatos a óscares, aparece-nos esta obra-prima, discretamente, mas a merecer a maior atenção. A gente civilizada define-se pela capacidade de gerir uma imagem perfeitinha, convencionada. Uma "roupa". É um esforço que muitas vezes só encontra escape pelos actos mais sórdidos que se fazem em privado, sobre os mais indefesos, sejam eles os idosos ou — como aqui se trata — as crianças. O cortejo de horrores que desfila perante a brigada de protecção de menores mostra-nos como é especialmente difícil para estes polícias, que a certa altura são os "figurantes" duma acção policial conjunta, como se fossem de segunda categoria (sintomático do interesse que as crianças têm para os que se julgam "importantes"). Vale a eles a certeza de que ainda há algo para salvar nessas crianças: os ciganitos no autocarro depressa as dão, é lindo!
Mas o fardo espiritual destes polícias faz com que o desfecho não venha a surpreender. Talvez um evento da vida real desse tipo tenha motivado este filme, que é duríssimo, mais uma vez nos mostrando o maravilhoso cinema verité que os gauleses andam a fabricar desde há um punhado de anos. Vê-se que nada daquilo é inventado, mas vai muito para além dum documentário. Só a admirar a encenação de cada cena já ficamos deliciados. Parabéns!

7A gruta dos sonhos perdidos/Cave of Forgotten Dreams

Um convite privilegiado, mas o filme é demasiado lento e repete-se

Há muita coisa que não agrada neste filme, especialmente as liberdades "antropológicas" a que Herzog se entrega, como comentador. Mas há, por outro lado, a descoberta em si, e filmá-la é a melhor homenagem àqueles artistas de há cerca de 30000 anos. Podemos tomá-lo como um legado para o futuro, mas o mais certo é que constituiria um lugar para rituais, até porque não era habitado; ficou-nos como legado, que hoje nos cabe preservar e dar a conhecer, e nesse ponto o filme é um belo documento.

8J. Edgar

Filme cinzento

Acho mal a tendência para o cinema biográfico ou histórico que Clint Eastwood tem tido, pois com a excepção de Gran Torino (que até nem é dos seus melhores) desde 2006 que não faz outra coisa, geralmente com resultados mais para o assim-assim (as excepções são Bird e Cartas de Iwo Jima). É novamente o caso. Com DiCaprio, esta fita mais parece um parente pobre do Aviador, de Scorcese. Não me refiro à mestria de sempre, com que retrata o protagonista, do uso inteligentíssimo dos saltos no tempo, na reprodução do ambiente forçadamente austero (a começar pela negação da sexualidade) do Bureau. Enfim, retrata muito bem a mente de Hoover e a sua projecção gigantesca, o FBI. Mas o tema em si... tem de certeza interesse para consumo interno (nos States), enquanto para nós é apenas contar a história duma versão da PIDE (do SIS, etc.) com um líder perpétuo e obstinado.
DiCaprio faz um notável esforço para parecer-se com Hoover (apesar da diferença de mais de 10 cm), mas a escolha dos restantes actores é mais objectiva e com perfeita lógica. Naomi Watts impressiona, no seu papel da secretária digna da mais absoluta confiança, circunspecta mas profundamente emotiva. Poucos sabem ter esse tipo de intensidade.

9O artista/The Artist

Que maravilhoso par de dançarinos!

Retrata muito bem o drama que foi, para muitos artistas em Hollywood, quando se deu a transição do mudo para o sonoro e de repente a linguagem do cinema deixou de ser universal. O pormenor de nos esconderem o motivo da aversão do artista ao sonoro é-nos resguardado de maneira inteligentíssima.
A história, ainda assim, não é especialmente interessante, mas ao mesmo tempo este filme a preto-e-branco é visualmente um luxo (o que o torna tudo menos um "filme mudo"), o par de protagonistas conjuga-se lindamente, vale a pena ir ver por diversos motivos. Mas, se alguma coisa me vai ficar de toda este visual soberbamente elegante, são as cenas de dança, o luxo dos luxos.

10George Harrison: Living in a Material World

Scorcese ainda na senda do filme biográfico

O tema George Harrison fascina por causa do mistério que envolve o homem. Mas, para quem dê atenção ao que ele foi e ao que ele disse, e neste filme há imenso material para nos convencermos disso, não há mistério nenhum: George foi sempre autêntico, o mistério terá mais a ver com a incapacidade do público de aceitar isso.
Este filme, em duas partes, demora três horas e meia. Para um fã como eu, nada a dizer, óptimo, tem imagens e memórias preciosas que nunca apareceram antes, há testemunhos excelentes, equilibra a biografia muito bem. Mas podia ser mais conciso, como foi com a biografia de Dylan do mesmo cineasta; parece mais um compacto duma mini-série de televisão.

11Detenção de risco/ Safe House

Vale pelo Denzel e pela realização, nada mais

Ainda "A toupeira" não esfriou, e lá vem mais outro filme de espionagem. Muito diferente, porque cheio de acção e uma história mais terra-a-terra, mas dando o mesmo relevo ao incrível mundo de mentiras desse mundo, aqui temperado com carreirismo à americana.
Há aqui duas notas de grande interesse: a actuação de Denzel Washington, e a realização. Nem uma nem outra nos dão tréguas! Fora isso, é mediano (não no sentido em que dão ao termo para descreverem Ryan Reynolds, que é rapaz com os seus 1,88 m): na história, nos restantes actores e actrizes, nas coisas que não dá para acreditar. Até por porem Vera Farmiga a soar como a Hillary Clinton já dá para ficar irritante.

12Crónica/ Chronicle

Muito giro

Mais um filme de adolescentes, sem dúvida, mas com cenas inesquecíveis e um argumento muito bom (excepto pelo "duelo" final, que é um tédio). Quando a ideia de base (um "encontro imediato" e a crónica em vídeo do que daí resulta) dá azo a que a imaginação dos criadores do filme voe, é bom que o voo seja bem alto, e aqui não faltam ideias, que se sucedem a um ritmo vivo, sempre provocadoras e fazendo-nos lembrar que o cinema é MAGIA para os nossos sentidos. Sim, senhor, dá para amar.
Os miúdos estão todos impecáveis, especialmente o protagonista, cuja vida tanto em família como na escola é um inferno, o típico introvertido que passa a vida entre ser ignorado e ser maltratado, e para quem a desforra passa a constituir uma razão de viver. Também serve este filme para mostrar como há maneiras melhores de tê-la!

13Extrememente alto, incrivelmente perto/ Extremely Loud, Incredibly Close

Uma história bonita, não merecia que a esticassem tanto

A meio da sessão (num daqueles intervalos metidos à papo-seco), a minha impressão era a dum filme bastante chato. Não andava nem desandava, até que Viola Davis voltou à cena e as coisas ganharam ritmo e intensidade. Julgado como um todo, percebe-se que precisavam de esticar um grande bocado para dar uma longa-metragem, mas toca de meter uma história dentro da história — não tenho nada contra o estupendo papel de Max von Sydow, mas todo aquele longo deambular à procura do homem das calças pardas em Nova Iorque é fastidioso.
Porém, se julgado pela impressão final que deixa, de invulgar leveza e paz, é um filme estupendo: a antepenúltima cena, onde finalmente se dá algum espaço a Sandra Bullock, é soberba. E não podemos ficar indiferentes ao expressivo protagonista (Thomas Horn), que consegue ser um miúdo clinicamente "especial" com a maior convicção. É uma fita recheada de grandes actores, e não tenho dúvidas que constitui dos mais emotivos memoriais ao trauma colectivo em Nova Iorque, provocado pelo ataque de 11 de Setembro, que alguma vez se produziu.

14O último voo/ Le Dernier Vol

Imagens no deserto são inesquecíveis

Fotografia absolutamente mágica, obra de belíssimos artistas! Só à conta das imagens do deserto à noite já é uma preciosidade. E quanto ao resto, está tudo bem feito e vê-se bem, com uma música muito interessante.

15O dia antes do fim/ Margin Call

Muito mais do que apenas mais um

Já houve várias produções americanas, em cinema e em televisão, que analisaram ou recapitularam as origens da actual crise financeira. Esta fita faz uma abordagem que nenhuma outra fez até agora: leva-nos pelas 24 horas duma crise que envolve uma empresa corretora, e a resposta que esta tem de dar a uma ameaça de sua própria falência, sem escrúpulos de com isso arrastar muitos outros. Embora certo diálogo situe a acção em 2008, e queiram dar-nos a entender que podia ser o dia antes do despoletar da crise mundial, historicamente isto é incorrecto, pois o que a desencadeia situa-a no verão de 2007, numa altura em que praticamente ninguém estava à defesa. Uma triste mancha num filme com este calibre.
Mas esquecendo este "detalhe", é uma obra excelente, tanto pelo argumento e realização de Chandor (estreante de longas metragens, mas com a maturidade de 15 anos de realizador e a noção exacta do que havia a fazer, sendo o filho dum executivo da Merril Lynch) como pelo magnífico desempenho de grandes actores como Kevin Spacey, Jeremy Irons, Paul Bettany, Stanley Tucci, Simon Baker e Demi Moore. Exemplar na autenticidade dos comportamentos, nos mais ínfimos pormenores de postura, diálogos, lógica da acção, opções de encenação, é tudo perfeitíssimo. Embora não o coloque acima dos outros, impressionou-me especialmente Jeremy Irons, cuja personagem é um actor no palco da vida real, e que ele nos representa em todo o esplendor numa primorosa combinação de voz, olhares, gestos e temperamentos.
Não haveria melhor maneira de mostrar o que significa a hierarquização nas empresas, como a deste filme que nos vai fazendo "subir" na hierarquia, de reunião em reunião; ou de ilustrar a cruel desumanidade das relações entre os indivíduos, logo desde o primeiro plano com o batalhão de despedimento; ou a futilidade de tanto talento num mundo horrivelmente predatório, como na cena final em que a casa que se "construiu" é um território interdito. Esta é uma fita notável, e não é à toa que tanto foi mobilizado à volta dela. Quem se der ao trabalho de ficar a ver os títulos finais há-de notar que foram precisas uma dúzia de pessoas para formarem a "equipa do milagre do visto do Sr. Irons" (que é canadiano), e que afinal Eric Dale é alguém da vida real.

16Le Havre

Filme de sentimentos

O incrivelmente bom e o incrivelmente mau coabitam nesta fita. Bom pelo retrato duma inocência recuperada, duma salvação do apodrecimento rotineiro, que é causado por um certo Idrissa que quer ir para a outra margem do canal — sentimos os corações daquela gente a baterem, pela janela da verdade que são os olhos, maravilhosamente filmados. Mau pelo amadorismo de inúmeras cenas, com diálogos mal enjorcados e momentos de má direcção de actores. É pena, mas vale pela beleza dos sentimentos e da mensagem de esperança que, antes de tudo, perpassa estas personagens — e que, depois, pode chegar até nós.

17Vergonha/Shame

Asqueroso voyeurismo, mas não é mau de todo

Michael Fassbender é excelente. Carey Mulligan é brilhante (e a versão que ela canta do tema de New York, New York, preparada por Stephen Oremus, é um momento fantástico deste filme). Há aqui muitas coisas interessantes sobre os dois irmãos psicologicamente perturbados. Mas o título... é bastante difícil compreendê-lo, a não ser como um complemento que "explica" este filme que fala sem palavras e tende a frustrar-nos. Diria que foi mais um projecto ousado do inglês Steve McQueen (depois de Hunger, com o mesmo Fassbender), mas resvala o pretensioso e está recheado dum voyeurismo que não me agrada.

18A dama de ferro/ The Iron Lady

Impressionante espectáculo, acima de tudo

Pode interessar ver pelo magistral desempenho de Streep, ou então pela figura política (ainda viva, nos seus já difíceis 86 anos). Ou ambos, claro. Tanto um como o outro aspecto têm os seus quês: a actriz não é de todo parecida com a personagem histórica (já a que a representa em jovem é-o imenso), mas ver todo aquele talento de representação, muito mais que o penteado, dissolve o problema; e muitos factos da sua carreira política passam sem menção, mas o essencial está lá, as ideias dela e a sua tenacidade estão lá, e à excepção daqueles que a odeiam (será que sabem porquê?) este filme ajuda a conhecer o exemplo dela, a paixão pelos princípios e a sua coragem tão importante nos momentos de luta. Até os Trabalhistas, indirectamente pela figura de Tony Blair, e de maneira explícita pelo MP Ed Miliband em 2011, souberam aceitar o seu legado. Nesta fita são-nos dados preciosos excertos do que ela pensa, a cada um cabe reflectir sobre isso e que aproveite como achar melhor.
Há quem tenha diagnosticado Alzheimer na personagem deste filme. Espero que nunca venham a ser meus médicos! O filme mostra uma mulher lúcida, que mantém a clareza de pensamento moral e político, e justeza na avaliação do que vai no mundo (veja-se a cena com o médico), e não é à toa que, face à inferior comparação dos que a sucederam sem lhe chegaram aos calcanhares, continue a ser reverenciada e honrada das mais diversas maneiras. Faz-se por exemplo menção ao retrato que foi inaugurado em 2009 em Downing Street, uma honra extremamente invulgar.
Esse confronto com os carreiristas da política é várias vezes representado, mas impressionou-me em especial a cena onde a costureira está a fazer uma emenda de última hora no vestido da primeira-ministra. O corropio de pressões durante essa cena, para mim o momento supremo desta fita, mais parece um esvoaçar de abutres, a que Streep/Thatcher corresponde com uma impassibilidade genial. Foi isto o que a alcunha de Dama de Ferro, dada por um jornalista soviético logo ao início da sua carreira como líder dos tories, emblematicamente resumiu.
Este filme acaba com uma cena lenta, pouco falada, sem aparente ligação com a narrativa. E, no entanto, o público fica hipnotizado. É espantoso. Mérito de Streep, sem dúvida, mas principalmente mérito dum filme brilhantemente concebido.

19Florbela

Vale pelos prós, mas tem contras

Dalila do Carmo é, quase inteiramente, o trunfo desta fita. Soube trazer o todo o seu (muito) talento para resultar esta, apesar de tudo, bela homenagem à grande "poeta". Outros elementos de grande valor são o actor Albano Jerónimo, que tão bem constrói a personagem do último marido de Florbela Espanca, médico de raciocínio frio, determinado, sempre bom — tudo o que é oposto à natureza de Florbela — e também a mestria de muitas cenas, pela autenticidade, pela naturalidade, pela arte com que são concebidas e filmadas.
Mas é claro que há coisas menos boas, desde as cenas enfadonhas à horrível música de fundo, e decisões erradas como a do demasiado explícito sobreiro numa cena final.
Quanto à história, sabe-se que este filme foi feito junto com uma série de televisão que abrange toda a vida da protagonista (algo que não deve perder-se), mas centrado no período em que o irmão Apeles esteve com Florbela pela última vez. E é uma escolha muito, muito bem vista.

20Sombras da escuridão/ Dark Shadows

Johnny Depp encontrou o amor eterno

É um filme giro, 100% no estilo fantasista de Tim Burton. E, em contraste com a moda de vampiros que para aí anda, é uma história com nível e que entra pouco em superpoderes da treta (excepção para a "batalha" final, um deslize muito lamentável onde nem faltam lobisomens temporários). A personagem de Johnny Depp, anacrónica no comportamento e na linguagem, mas lúcida e apaixonada, presta-se a momentos de humor deliciosos nas cenas com Michelle Pfeiffer ou Helena Bonham Carter, excelentes actrizes. Eva Green é a "bruxa" que o herdeiro do potentado Collins em tempos rejeitou, com consequências um bocado... pesadas para os Collins, e a etérea Bella Heathcote é o "anjo" que teve o condão de o cativar. Com estas duas o protagonista é bem mais convencional, mas a arte de Burton traz momentos adoráveis, por exemplo o coração partido e a cena na varanda.
Mas quem passa pelo tempo sem que o tempo passe por ele é, muito apropriadamente, Alice Cooper. Realmente, em 1972-3 ele parecia igualzinho. Vamos lá a ver quem é que aparece na sequela deste filme (Madonna?).

21Procurem abrigo/ Take Shelter

O destino é implacável

Pode ver-se esta fita como um exercício: levar-nos a acreditar que a paranóia dum homem tem motivos reais. Não há praticamente um momento em que o protagonista não esteja presente, a tal ponto que, mesmo estando a olhar para ele, a câmara é totalmente subjectiva, como se tudo fosse a projecção dele. Por isso acreditamos. Bom trabalho de Michael Shannon, no seu entendimento com o realizador.
Mas é uma tortura para o espectador, convenhamos. E esperamos por mais, até ao final que só pode ser descrito como subliminar. Sabe a pouco, bem pouco.
Salve-se o facto de ele até ter uma certa razão...

22Cosmopolis

Isto é o quê?

Não posso dizer melhor dum filme que me fez adormecer várias vezes. E duvido que seja bom.

23A Guerra dos Sexos/ Maschi contro femmine + Femmine contro maschi

Diversão garantida, garantida diversão

Um filme em duas partes, que aparecem ao mesmo tempo, pode não ser o mais ajuizado comercialmente, pois pagamos 2 bilhetes para uma só história com a sensação que poderíamos vê-la num só. Na realidade, foram lançados em épocas diferentes na Itália, só cá é que se lembraram desta de fazê-lo em simultâneo, como se fossem a despachar um par de jarras, enfim...
Mas vale a pena vê-los pela ordem, pois um e outro se completam no arraial de diversão. Trata-se de 6 homens, totalmente diferentes entre si, que se encontram algo secretamente para jogarem a feijões e conversarem de tudo na vida, numa espécie de refúgio de tertúlias (quase) inocentes. A ênfase nos protagonistas é repartida: na 1ª parte (Maschi contro femmine) vai para 3 deles, na 2ª (Femmine contro maschi) vai para os outros 3. Tudo se passa em Turim, o ambiente é o que conhecemos das telenovelas: muitas personagens, algo artificalmente interligadas, com as cenas de diferentes histórias intercalando-se em paralelo para parecer mais variado, cheio de grandes planos, situações com um certo simplismo (mas não muito superficial, felizmente). É imensamente divertido, aliás o argumento é muito bom, assim como o são os actores e actrizes, e as impecáveis encenações.

24Mais Uma Noite de Merda Nesta Cidade da Treta/ Being Flynn

Já não era pelo de Niro que eu ia ver um filme, e este nem precisaria desse motivo

A distribuição portuguesa recuperou o título da obra autobiográfica de Nick Flynn, que serve de base ao argumento, enquanto o original fugiu da "profanidade" e dá-lhe o título descomplicado e "des-sugestivo" "Ser Flynn". Por uma vez, prefiro a nossa versão.
Este filme leva-nos a visitar o nada digestivo submundo dos sem-abrigo em Nova Iorque, visto por um jovem (Paul Dano) que não sabe o que fazer com a vida após o suicídio da mãe (Julianne Moore), com quem foi criado sozinho, sendo o pai (Robert de Niro) uma metáfora. A celebrada Big Apple é afinal a cidade da treta (Suck City), e as personagens habitam um dos seus subterrâneos, sem brilho, sem nada de seu, arrastando um peso qualquer que mais cedo ou mais tarde os poderá afundar num poço da vida. Sobrevivem, solitárias, sem se interessarem por nada (o quer que as mantenha ocupadas não é um real interesse).
É um filme labiríntico, com várias encruzilhadas e esquinas, admiravelmente concebido e contado com grande elegância pelo realizador-argumentista Paul Weitz. Mas sobretudo conta com uma direcção de actores de supremo nível, com destaque para de Niro, que desde há anos eu não via num papel à sua altura, para a bela e trágica Moore, para Dano, notável a expressar uma alma intimamente esmagada pela revolta que não sai, e por todos os actores secundários, um elenco magnificamente trabalhado, convincente e, apetece dizê-lo, PURO.

25Eu Não Sou a Tua Princesa/ My Little Princess

Projecção da projecção (bom filme)

A passagem de menina a mulher e o despertar do antagonismo entre mãe e filha; os padrões de normalidade e o "desvio" duma precoce vida adulta; os limites morais da arte e a volúvel atitude da crítica (as obras vendem-se às vezes, mas as publicações vendem-se sempre). Tudo questões que se levantam de maneira vibrante no percurso quase autobiográfico que Eva Ionesco traça para a personagem de Annamaria Vartolomei.
Muitos serão os bem-pensantes a sentirem-se justificados na condenação da personagem da mãe (representada fantasticamente por Isabelle Huppert), mas esquecem que ela nunca força a filha, esquecem as acutilantes máximas de artista (para que é que alguém há-de querer ser "normal"???), esquecem a magnífica imaginação da fotógrafa: assim não aprendem nada desta fita.
Parece aliás que a realizadora não quis tanto "denunciar" a mãe (Irina Ionesco, ainda no activo), o que aliás seria duma vulgaridade atroz, mas sim render-lhe homenagem pela sua arte, de que ela foi corpo e alma: os detalhes das sessões fotográficas, as fascinantes decorações e vestimentas, a hipnotizante beleza da jovem actriz, ajudam a perceber isso. É claro que não nos esconde o escândalo da avó, nem as violentas trocas de palavras, ou a indiferença da mãe, o retrato pode dizer-se muito completo. Temos é de saber vê-lo em todos os aspectos e não fixar-nos apenas num deles, só porque isso é uma "tese"! O filme vale muito mais do que isso.

26Puncture - A Verdade Escondida

Um filme de genuínos altruísmos

Uma enfermeira apanha o vírus da SIDA por causa duma agulha onde se picou acidentalmente. Isto passava-se numa altura (finais dos anos 90) em que já se conseguia controlar essa doença o suficiente para dar uma vida decente à pessoa infectada, e por isso, apesar de já não trabalhar, ela sente-se protegida. Só que isso não lhe bastava, e resolveu abordar dois advogados (representados por Chris Evans e o co-realizador/produtor Mark Kassen) porque a prevenção destes acidentes com seringas de agulha retráctil não estava a ser implementada. E é a partir daqui que todos percebem o inferno em que se estão a meter: o principal fornecedor de seringas usa todo o seu "músculo" para evitar que essas seringas sejam usadas e para fazê-los desistir. A total insensibilidade para com o bem comum e a presunção de que tudo vale para proteger interesses é posta a nu duma maneira violenta neste filme. É um tema com implicações gerais: a teimosia dos que têm a posição dominante reside não tanto no que dão a entender de prejuízos financeiros (neste caso na cedência para com uma invenção que não controlam), mas na arbitrariedade inerente a essa posição: sabem que abafam, corrompem, compram, matam, impunemente. Ai dos que são pequenos...
Não sei onde foram inventar que os mesmos produtores do muito famoso Erin Brokovich "estão por detrás" (que quer dizer isso?) deste novo filme, mas o processo legal (verídico, resolvido só 5 anos depois, em 2004) tem afinidades e é até mais escandaloso; o argumento, onde participa Paul Danzinger (o segundo advogado na vida real e produtor executivo desta fita), utiliza quase os mesmos ingredientes, nomeadamente a centrar-se numa personagem "colorida", neste caso o advogado Mike Weiss, que toma para si, como Erin, o maior empenho de defender a causa; mas falta-lhe qualquer coisa de espectacular, em parte porque os realizadores não têm a classe de Soderbergh (nem o orçamento), também porque lhe falta muito do contacto pessoal com as vítimas (excepto a enfermeira), e porque se dispersa demasiado na tragédia pessoal do protagonista, sem ao menos nos compensar com algo mais do que a superfície.
É melhor dispensar as comparações, até porque das afinidades à imitação vai um grande bocado. Esta fita vale a pena por si mesma, está representada de maneira muito convincente e o ritmo da história mantém-se vivo, prendendo-nos à interessante causa dos advogados e do inventor das seringas retrácteis. O desempenho de Chris Evans e também o de Brett Cullen (advogado dos maus da fita) são especialmente interessantes de acompanhar.

27As flores da guerra/ Jin líng shí san chai

Esqueçam-se certas coisas, que a fita é estupenda

Estas flores da guerra, assim chamadas por serem tão belas quanto precárias, trazem-nos (e a Christian Bale) de volta ao cenário da invasão japonesa da China. Saibamos fixar-nos no pendor poético do título, para passar adiante com os aspectos menos felizes, mais ou menos relacionados com uma tentativa de "fazer à Hollywood", e aproveitar-se o que realmente há de bom nesta fita. O pior (mas não o único que é mau) está perto do início, da chegada do protagonista ao convento até este ser invadido pela horda de japoneses: evidentemente a imitar o vício americano de dar-nos um "retrato" preliminar das personagens antes de começar a verdadeira história, é um recurso estafado e geralmente escusado, de facto muito "à Hollywood", e ainda mais irritante porque, como peixe fora de água, o realizador está tão mal nessas "cedências" que vai ao ponto de Christian Bale tornar-se patético. Muito mau, mesmo.
Mas esquecendo-se isso (o que é fácil), vemos um belíssimo retrato das circunstâncias, das emoções, das tragédias daquela guerra. Pelo menos é muito convincente, e tem pormenores sublimes. E não é só pela aprimorada estética que se passeia no écran, também o argumento atinge grandes alturas: gostei em especial da repetida impossibilidade de contar-se a verdade, e como nos dá para compreender isto!
E essas flores, que agraciam o caos com a beleza duma presença, ora sensual, ora inocente (que contraponto!), emergem na história como uma colmeia de profunda humanidade que nos conquista, tal como na ficção conquistam aquele cangalheiro, bêbedo, venal e vergado pela tragédia do seu passado (representado magnificamente por Bale, no final de contas). Ele chega ao ponto de poder oferecer a uma delas a experiência do Amor, num dos momentos mais bonitos a que nos é dado assistir. Emocionante.

28Moonrise Kingdom

Porque não aos 12?

Moonrise Kingdom é o nome mágico dum lugar que deixou de existir, excepto na memória daquele par.
Podia (até me apetecia) discorrer interminavelmente sobre este filme, mas para quê? A magia acontece, não se relata. E há sempre lugar para ela em todos nós.

29Circo Columbia/Cirkus Columbia

O mistério Divko

Filme despretensioso, apoiado em esplêndidas interpretações e numa caracterização muito convincente de personagens, lugares, época e costumes, acontece numa pequena comunidade jugoslava na Bósnia, que brevemente se passará a denominar croata: estamos à entrada da guerra de secessão jugoslava, a tal que muitos identificam com a Bósnia-Herzegovina, outros só lembram pelo Kosovo, mas que começou com a nação croata no seu todo.
O regresso de Divko (Miki Manojlovic´), um emigrado na Alemanha como tantos outros, parece arrastar uma série de acontecimentos relativamente triviais, mas algo não bate certo com este homem misterioso, que até aos que lhe estão mais próximos deixa por vezes perplexos.
Num aparente eco de Kusturica, há um gato (preto) que começamos por pensar ser o miminho da vamp trazida por Divko (Jelena Stupljanin), mas é na verdade uma espécie de amuleto do próprio Divko. E tudo acaba por ganhar significado graças ao bichano, realinhando-se as personagens antes mesmo de, na última voltinha no Circo Columbia, com a mulher de Divko (Mira Furlan), este e a sua farsa serem explicados pelas bombas.
Vê-se com muito agrado, também alguma nostalgia de tempos que agora até parecem ingénuos, e é mais um bom marco na carreira de Tanovic´ a filmar os tempos de guerra no seu país de origem.

30Crime e pecado/Brighton Rock

Dois filmes em um, soberba dramatização

O facto desta remake ser transportada para 1964 tem unicamente a ver com um dos dois filmes: o da recriação do famoso recontro entre mods e rockers em Brighton, que nos mostra impressionantes desfiles de jovens mods montados em scooters, e o motim que se seguiu. Brilhante.
Muito bem sincronizado com esse filme, o outro filme adapta-lhe o original de Graham Greene. A época é de facto pouco importante, podia até ser hoje sem uma beliscadela no essencial do enredo (há coisas que nunca mudam, só as personagens e os cenários é que mudam).
O nome original da fita refere-se a um doce que serve de sinal para a execução dum bandido, no momento culminante do filme do motim. Este filme de gangsters centra-se no jovem casal, unido por diferentes medos, ele para tentar resolver um problema de silêncio, ela para tentar viver o sonho da sua vida. A maldade dele (interpretado por Sam Reilly) e a inocência dela (Andrea Riseborough) dão, pelo poderoso contraste que fazem e pela nossa percepção do letal convívio entre os dois, uma nota de tragédia, muito teatral no melhor sentido.
Este admirável par de actores é secundado estupendamente pela vigorosa Helen Mirren, que faz de patroa da rapariga só em parte motivada pelo desejo de protegê-la, por Sean Harris, que é o seu ex-amante a viver momentos de desespero, e pelo restante cast, variado e convincente.

31Até que o fim do mundo nos separe/Seeking a Friend for the End of the World

Ao contrário dos amores de verão, este não corre o risco de desilusões

Por um lado pode tomar-se como lamechas, por outro pode (e em minha opinião deve) ver-se como sentimental, no melhor sentido. Há muitas maneiras de encarar a morte anunciada, e neste caso colectiva: pilhagens, orgias, fechado num bunker, ou tentar o amor. O casal deste filme (Steve Carell e Keira Knightley) não "resolve" amar-se, simplesmente acontece-lhes. E é engraçado que o sexo não é a finalidade desse amor, pois por aí estavam servidos. Está muito bem contado.
Sem futuro, o amor será outra coisa, mais autêntico, mais profundo? Este filme inspira-se muito na ideia de que o pensar em função do futuro nos leva às escolhas erradas, ou a adiar o que não deve ser adiado. É um tema cada vez mais urgente, e que aqui é explorado, através de várias personagens, da maneira mais radical: sem futuro, que tal uma vida melhor?
É um filme bonito (e, na época em que já nem sequer se compram CDs, aproveita para lembrar o prazer especial de se ter LPs), não é lamechas, e mantém-se sempre dentro do credível, com substância. A personagem de Carell tem um nome (Dodge) que provavelmente foi escolhido como trocadilho (esquivar, contornar...) para a reacção que se tem perante as situações que nos possam mexer com a vida. Mesmo que saibamos os momentos de felicidade serem apenas isso, momentos, conseguir conquistá-los é uma lição de vida muito importante. Muitos a sabem, vendo este filme talvez a pratiquem.

32A dupla pele do diabo/The Devil's Double

Chamar diabo àquilo é um elogio

Ainda estou para saber como é que hoje se consegue, de maneira tão perfeita, pôr o mesmo actor a representar duas personagens na mesma cena. É uma constante do par protagonista Uday/Latif (fantástico desempenho de Dominic Cooper, versatilidade impressionante), e acontece pelo menos uma vez para o par Saddam/Faoaz (Philip Quast).
Truques aparte, este filme revela-nos uma história (real ou não, é o menos) vivida no luxo asiático da família do ditador iraquiano, presenciando-se a quase total impunidade dum maníaco como terá sido o seu filho mais velho, aqui retratado como menino da mamã que odeia as mulheres, um sádico com ilusões de poder absoluto que, apesar de ter encontrado um perfeito sósia no duplo Latif Yahia, não tem neste uma réplica de personalidade, bem o oposto. Acabará por tornar-se um jogo de morte.
Até à cena dos pulsos o filme parece ir perdendo o gás a pouco e pouco, mas a partir daí torna-se muito dinâmico e a história mesmo empolgante.
Desde o deboche ao heroísmo, um pouco de tudo se pode ver neste fascinante leque de personagens; que cada uma perdure na nossa memória, para nos fazer meditar sobre os destinos humanos mais variados.

33Encomenda armadilhada/Premium Rush

Uma orgia visual

Sem ser especialmente inovadora, esta fita leva-nos numa aventura visual invulgar. Desde logo se percebe isso com o voo do estafeta ciclista Wilee (grande protagonista, Joseph Gordon-Levitt), e depois com os itinerários GPS através de Nova Iorque, as simulações de possíveis acidentes nas encruzilhadas, e claro, as habilidades com as bicicletas: somos servidos de cenas entusiasmantes que fazem desta fita, acima de tudo, divertida.
Os temas do ciclismo freestyle e das loucuras através do tráfego são extraordinariamente bem explorados, sendo as coreografias de automóveis a chocar, guinar, derrapar, etc., muito mais bem pensadas do que é costume (nos títulos finais mostram o que resultou dum acidente real com um certo Joe, durante as filmagens). Dá para concordar que estes ciclistas são uma praga, mas o vício do carro é praga ainda maior; dá para reconhecer os riscos que eles correm num tráfego selvagem, mas não pode deixar de admirarem-se as proezas, o estilo, a alegria destes estafetas. Bem giro.
A história? Boa, já agora, e especialmente bem contada com o seu jogo de flashbacks. Michael Shannon, no papel dum polícia acossado por dívidas de jogo, traz todo o sal-e-pimenta que a fita precisa. Até que o buda jogador de Sudoku lhe salda as dívidas. Porreiro, que é o mesmo que dizer, awesome!

34As linhas de Wellington

Merecia ter ficado melhor

Começo pelo pior: excesso de cenas que juntam pouco ou nada ao filme. Noutras paragens, é comum, na fase da montagem, o corte de cenas que se revelam supérfluas, ou que podem prejudicar o ritmo da narrativa; acabam nos extras dos DVDs, e geralmente temos de concordar que não faziam falta. Mas não com o falecido Raul Ruiz e com a sua viúva, Valeria Sarmiento, que realizou este filme e no início lhe atribui a sua preparação. Ficávamos todos a ganhar se houvesse outro sentido de economia e de encadeamento das cenas, só com isso poderia ter ficado um filme bem cativante.
Continuo pelo melhor, e que para mim é o que justifica ir ver-se: a preocupação de passar a "atmosfera" daqueles tempos, nas roupas, nos ambientes, na maneira como a câmara nos coloca dentro das cenas. Mas até aqui há nódoas de anacronismo: plantações de eucalipto, falas em estilo moderno, ou o Albano Jerónimo a recitar a Salve Regina em Português...
A história centra-se em duas personagens, desde a batalha do Buçaco às linhas de Torres: a do sargento (Nuno Lopes) do exército anglo-luso, em cuja terra natal andam a ser construídas, há ano e meio, as fortificações que dão o título à fita (e acabarão por obrigar Massena a retirar), e a do tenente (Carloto Cotta), que faz percurso paralelo, clandestinamente, misturado com um pequeno bando de desertores do exército francês. Ambas as jornadas passam-nos quadros sucessivos das personagens da época, desde os mais distintos aos mais miseráveis, em situações que põem a tónica no quotidiano e não nos grandes marcos históricos. Interessante como retrato da época, mas com pouca ligação narrativa (peca o argumentista) e às vezes mal encenado (peca a realizadora), e muito, mas mesmo muito, mal servido em termos de música ambiente.

35O substituto/ Detachment

Não há requisitos para ir ver este filme, excepto o de ir de coração aberto

Aqui se mostra a crise da escola, na perspectiva dum professor que, sendo substituto, nem pertence à escola onde ensina. Passado com limpeza o momento Blackboard Jungle, chega-se a coisas muito mais profundas e interessantes, mas também incómodas. Por exemplo, é a primeira vez que vejo em filme uma tão nítida responsabilização dos pais pela ausência de rumo dos alunos. A personagem da jovem prostituta (Sami Gayle) permite animar as cenas em privado do professor, estabelecendo no filme uma alternância, cheia de dinamismo, com as cenas na escola. Adrien Brody encabeça um elenco muito bom, ele próprio no excelente nível que lhe é próprio.
O título em Inglês tem um duplo sentido que se perde na tradução. Tanto significa 'destacamento' (de um professor que vai substituir outro) como 'alheamento', que é a atitude, defensiva, do protagonista perante o que o rodeia. Como ele diz, é como se fosse um espectador, sem existir no seio desse mundo. A imagem do cartaz, com ele pronto a ler uma obra literária no meio duma aula deserta onde só ficou o caos, resume bem essa não-presença. Mas o gesto de atruísmo que ele tem pela rapariga, associado à história da mãe dele e do avô, explicam a dor profunda que, em dado momento, o traz banhado em lágrimas. Um tema central que só nos é dado compreender plenamente perto do fim.
É um filme "a sério", um oásis no meio das banalidades (mais ou menos competentes) que têm preenchido o último ano. E atenção que o realizador Tony Kaye tem na forja o que parece ser uma continuação (Attachment).

36Argo

Coboiada no faroeste iraniano

Aparte os factos (que se presume reproduzidos com razoável fidelidade, e que ilustram as manhas da espionagem num tom que até diverte), o destaque vai para a realização do próprio Ben Affleck — impecável e, como habitualmente em fulanos que são primeiro que tudo actores, evidencia uma soberba direcção de actores. A época está muito bem retratada, inclusivamente pela naturalidade com que as personagens vivem sem telemóveis. Vê-se muito bem.

37Anna Karenina

Toques de magia

Situado como que sempre dentro de um teatro, esta adaptação muito livre e sumptuosa do romance de Tolstoi é algo a não perder. Como protagonista (e actriz favorita do realizador Joe Wright), Keira Kneightley continua a mostrar o seu crescimento como actriz, cada vez mais intencional nos detalhes de expressão de que é capaz; Jude Law consegue ser um Karenin muito convincente, o que à partida pareceria impossível, e entre o restante elenco há que destacar os maravilhosos papéis de Matthew Macfadyen e Domhnall Gleeson (Oblonsky e Levin), e de Olivia Williams (condessa Vronsky); tudo disposto coreograficamente, para dar vida a uma concepção arrojada do “palco”, surpreendendo-nos com transições de cenário fabulosas. Então os primeiros minutos, à volta de Oblonsky e da sua repartição, são de cortar a respiração. Brilhante, esta maneira de mostrar uma complexa obra literária, que chega a ser divertida embora se arrisque a tornar-se cansativa. E depois, fotografia , música, realização, o tão falado guarda roupa (sobretudo o da protagonista), a fluidez do argumento, o ritmo impecável, está tudo muito, muito bom. Mas, para conhecer a verdadeira arte de Tolstoi, ela não cabe no filme, este mostra apenas uns lampejos, suculentos de resto. E mais não poderia aspirar a fazer. Leiam o livro.

Nazaré

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